26.10.08

deus tem sentido de humor, alguns portugueses é que não.

Durante esta semana foi noticiado que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) recebeu mais de setenta queixas motivadas por um sketch intitulado «Louvado sejas, ó Magalhães», que integrou o episódio 3 do último programa dos Gato Fedorento, «Zé Carlos», no qual alguém envergando uma batina celebra uma cerimónia muito semelhante a uma missa em louvor do Magalhães, que termina com o sacrifício de um dos presentes, todos eles professores. Segundo um comunicado da ERC, as queixas apresentadas a propósito deste sketch, todas em nome individual, centram-se «essencialmente na ofensa, no achincalhamento e na falta de respeito pelos símbolos religiosos católicos, em especial pelos rituais da Eucaristia».

Ainda é recente a memória da suspensão da emissão dos programas de Herman José na R.T.P. por ter parodiado a Última Ceia. A sorte de Manuel Luís Goucha e de Teresa Guilherme foi ainda mais insólita: foram ambos despedidos da Rádio Renascença por terem contado aos microfones daquela estação de rádio uma anedota em que uma das personagens era Deus.

Lamentavelmente, não se pode dizer que seja propriamente novidade em Portugal o que está a suceder aos Gato Fedorento, tal como não pode dizer que o que aconteceu a Herman, Goucha e Teresa Guilherme sejam apenas vagas lembranças. Em Portugal continua a haver quem ainda não consiga distinguir a caricatura da ofensa, a crítica do ultraje, a liberdade de expressão da afronta.

Há quatro aspectos comuns a estas três histórias: (1) são momentos humorísticos (2) de certa forma relacionados com a religião que (3) foram transmitidos em meios de comunicação social e (4) que suscitaram sentimentos de ofensa em alguém. Contudo, há anos a separá-las. Anos que, supostamente, deveriam ter surtido algum efeito no modo como os portugueses reagem ao humor, mas que não surtiram.

Com efeito, continua a haver em Portugal quem ache que há temas absolutamente vedados ao humor. Alguns nacionalistas, por exemplo, acham que cantar o hino nacional com uma letra alterada deveria ser razão mais do que suficiente para encarcerar alguém durante, no mínimo, vinte anos (mas estou certa de que se lhes perguntássemos o nome de quem escreveu a música e a letra de «A Portuguesa», não saberiam dizer). Por seu turno, os adeptos dos clubes de futebol continuam a zangar-se uns com os outros só à conta de umas anedotas que alguém com excesso de tempo livre põe a circular via e-mail. Alguns católicos, por sua vez, acham que importar alguns elementos da sua religião para fazer uma crítica ao governo (sim, por incrível que pareça, tratava-se de uma crítica ao governo e às acções de formação por ele propostas aos professores e não de um achincalhamento da cerimónia da missa) é uma infâmia e uma ofensa gravíssima ao seu sentimento religioso.

Resumindo, em Portugal só se pode fazer piadas sobre alentejanos, mulheres, advogados, homossexuais e a Manuela Moura Guedes. Quase tudo o resto haverá sempre de constituir ofensa para alguém, neste país que, não obstante os hercúleos esforços de alguns perseverantes que teimam em fazer rir este povo sisudo, ainda não é capaz de rir de si mesmo.

O sketch dos Gato Fedorento não contém absolutamente nada que possa considerar-se ofensivo da celebração da missa simplesmente porque não incide sobre nenhum aspecto religioso. Toda a crítica é dirigida às acções de formação do Magalhães, nas quais os professores foram convidados a enaltecer o computador («louvar» foi o verbo utilizado pela imprensa) e a prestar-lhe algo muito semelhante a uma veneração. Embora tenha como inspiração um símbolo religioso católico, o sketch fica-se por aí no que concerne a esse assunto. Tudo o resto é, tão somente... humor, caricatura, boa disposição e crítica mordaz!

O estilo do Gato Fedorento nem sequer é novo. Aliás, há quem diga que este programa esgota o conceito de humor que eles realizam. Não deixa de causar alguma perplexidade, portanto, que haja setenta pessoas a fazer tanto barulho por nada.

Já vai sendo tempo de, em Portugal, se porem de lado certos pruridos que apenas dão azo a polémicas perfeitamente estéreis e de que de nada servem senão para evidenciar que ainda há quem não tenha inteligência suficiente para decompor e interpretar um simples sketch humorístico.

Não consta, contudo, que Jesus tenha vindo à Terra só porque os Gato Fedorento puseram um coro a cantar «Louvado sejas, ó Magalhães», ainda por cima, num Domingo, dia do Senhor! Só há uma conclusão a tirar de tudo isto: Deus tem sentido de humor, alguns portugueses é que não.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

25.10.08

entre o vivo, o não vivo e o morto

entre o vivo


o não vivo


e o morto

entre o vivo, o não vivo e o morto | revista filosófica não-académica

apresentação + concerto the rose buttons [rock sónico/show case]
livraria gato vadio | porto | 25.10.2008 | 22h00

descoberta

A meio da leitura de um dos vários e fascinantes livros que estou presentemente a consultar para a redacção de um texto académico, descubro que de mim se poderia dizer em epitáfio, caso morresse agora, «aqui jaz fulana de tal, nuligesta e nulípara», entre muitas outras coisas.

© [m.m. botelho]

24.10.08

tia aninhas

tia aninhas | porto | 23.10.2008

O arroz de grelos da Tia Aninhas não deve ter rival no Porto inteiro. Enquanto estaciono o carro confesso hesitar entre ganhar coragem e ir novamente ao sushi e o arroz de pato d'«O Carteiro», mas depois lembro-me do incomparável sabor do arroz de grelos da Tia Aninhas e lá vou eu, feita autómato, porta adentro a salivar. A quantidade é absurda, pois daria para matar a fome a três, mas verdade seja dita que pouco sobra na caçarola de barro depois de eu lhe deitar o dente. Não me importa o acompanhamento, ponham-me é em cima da mesa o arroz de grelos, que o resto é conversa.

Espero que a receita se mantenha por muitos e longos anos e que não lhe suceda o mesmo que à máquina registadora que deu lugar ao computador. Os recibos ganharam em definição, mas perderam em encanto. Restam-nos os do «Chien» para nos recordar que ainda há quem não se renda ao «Winrest». Os do «Chien» e todos os antigos do «Tia Aninhas» que eu guardo religiosamente. Assim se prova que nem tudo é mau em ser-se obsessivo-compulsiva.

© [m.m. botelho]

palin, a sopeira

Pergunta: se é mesmo verdade que a senhora Sarah Palin gastou aquela enormidade de dólares (podia ter sido simplesmente dinheiro, mas não, foram dólares) em roupas e cabeleireiros, porque é que continua a ter aquele ar de sopeira?

A vasta experiência que me dá a minha visita anual, em noitada de São João, à roulotte das Farturas Nela, diz-me que, fisicamente, entre ela e a senhora que simpaticamente apregoa «São tão boas que até vais querer rapar a panela!» não há grande diferença.

Já no resto, são como da água para o vinho: a senhora das Farturas Nela gosta mais de pessoas do que de petróleo e não permite que homem nenhum, nem mesmo um pseudo-bispo de uma pseudo-igreja, lhe ponha a mão em cima.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

23.10.08

tão indie, tão indie, tão indie

Em conversa, a irmã mais nova de uma amiga minha, uma jovem daquelas que ainda agora saíram da faculdade e já se acham o supra sumo da sabedoria, daquelas muito senhorecas de seu nariz, muito independentes, muito "positivamente" egoístas, daquelas que sabem sempre muito bem o que querem e não admitem que ninguém, muito menos um gajo, tenha sequer a pretensão de um dia vir a mandar nelas, daquelas que só compram a roupa e os sapatos em lojas alternativas onde se vendem túnicas fabricadas a partir da cannabis e que não sabe sair de casa sem um livro debaixo do braço, nem que seja para ir à mercearia (sim, que ela tem horror a supermercados) comprar um pacote de leite (sim, que ela compra um pacote de leite de cada vez porque vai a pé e tem horror ao consumismo evidenciado por quem, como eu, compra logo às dúzias e dúzias, já para não falar nas imensas condenações que faz ao facto de eu ser uma «assassina ambiental» que leva o carro quando vai às compras), pergunta-me se leio o blogue da Laurinda Alves.
Respondo-lhe que não, que desconhecia inclusive que Laurinda Alves escrevia num blogue, mas que duvido que mesmo que soubesse o site passasse a fazer parte da estreita lista dos que acompanho regularmente (e por regularmente entenda-se uma regularidade muito minha, que abriga debaixo do mesmo chapéu-de-chuva as visitas diárias e as mensais).
Ela replica «fazes tu muito bem», para logo a seguir dizer que ela sim, lê o blogue da Laurinda Alves ("da" Laurinda Alves), mas apenas porque gosta de se rir com a pobreza de espírito da Laurinda Alves (outra vez o "da") que, nas palavras dela, é uma tonta que passa a vida a falar de assuntos perfeitamente fúteis e que por ela (a Laurinda Alves) bem podiam as mulheres limitar-se a serem «máquinas parideiras que de dia dão de mamar aos filhos e à noite mamam os maridos».
Eu respondo com um desinteressado «estou a ver...» enquanto passo os olhos pelo Diário Económico de ontem (o pormenor de ser o de ontem tem toda a importância, embora não pareça) e bebo um pouco de café, na esperança de que o assunto morra por ali antes que seja eu a morrer de tédio perante a sua irrelevância, mas não.
Ainda eu pousava a chávena já ela abria a bocarra para proferir a alarvidade do dia, «não há pachorra para a Laurinda Alves, não me surpreende nada que o Miguel Sousa Tavares lhe batesse», seguida de uma gargalhada daquelas que algumas pessoas dão apenas para tentarem chamar a atenção dos outros, o que às vezes até conseguem, mas tão somente pelos piores motivos. Depois, pergunta-me se não achei graça à observação.
Eu respondo secamente que não, que assim se vê que uma tipa como ela só é muito indie e alternativa e whatever por fora, porque por dentro e nas baboseiras que diz é tão básica e mainstream como qualquer uma das muitas pessoas que ela critica por se deixarem conduzir pelo caminho fácil da maioria e que não pensam pela própria cabeça, já para não falar no facto de ser inadmissível que alguém supostamente tão indie, tão indie, tão indie possa sequer achar que a violência, seja ela de que tipo for, é motivo para chalaças.
Ela dá outra gargalhada que tem tanto de nervosa como de estridente enquanto eu pouso uma moeda de um euro na mesa e me despeço, deixando no ar que é bom que ela perceba que o sentido de humor é algo apenas ao alcance de alguns e que, graças a ela, eu começo a convencer-me de que a inteligência também.

© Marta Madalena Botelho

19.10.08

esta vida de magalhães está a dar cabo de mim!

Eu assumo: tenho uma ligeira, ligeiríssima embirração com o Magalhães. Não, não é devido ao impacto positivo ou negativo que poderá ter na aprendizagem das nossas crianças, não é por causa daquele menu com ratinhos absolutamente redutor e infantil, nem sequer é por causa das inqualificáveis e indescritíveis acções de formação a que alguns docentes se sujeitaram onde cantavam a Grândola numa versão adulterada para enaltecer a amizade que eles sentem pelo pequeno Magalhães, nada disso. Isso, verdade seja dita, não me aquece nem me arrefece porque, a bem da verdade, não me está a apetecer gastar nem que seja meia dúzia de caracteres a propósito do assunto.

Eu até simpatizo bastante com a máquina. Aqui há dias, passei uns bons vinte minutos sentada naquelas cadeirinhas de plástico que estão na secção de livros infantis da Fnac só para poder experimentar o Magalhães. Fiquei rendida a dois aspectos: por um lado é azul, e eu gosto muito da cor azul (embora não pelos mesmos motivos do Dr. Pôncio Monteiro); em segundo lugar, porque o computador pesa menos de um quilo e, ainda por cima, tem aquela alça muito prática para ser transportado. Não fosse o tamanho reduzido das teclas que se mostraram desajustadas aos meus dedos e, naquela noite, eu mesma teria passado a ser uma orgulhosa proprietária de um Magalhães.

A causa da minha embirração com o Magalhães é outra: o nome. Se era para fazer dele um computador pretensamente «português dos quatro costados», então, deveria chamar-se Silva e mais nada. Afinal de contas, Silva é o sobrenome mais comum entre a população portuguesa e aquele que mais "exportámos" para o Brasil. Magalhães, assim de repente, rima com alemães e isso parece-me uma coisa muito pouco portuguesa. Se ao menos rimasse com fado ou bacalhau!... Se era para invocar o navegador português, tinham-lhe chamado Fernão que sempre se prestava a rimas mais diversificadas e interessantes!

Mas há mais inconvenientes. Por exemplo, o que é que o Durão Barroso e o Magalhães têm em comum? O til, claro. E o til pode ser um problema. Como toda a gente está recordada, quando Durão Barroso assumiu a presidência da Comissão Europeia, o seu nome foi publicado nos jornais do mundo inteiro. E o que é que aconteceu ao til? Nuns casos, desapareceu, sem mais, e o Durão deu origem ao "Durao". Noutros casos, sacrificou-se a palavra inteira e o acento de José e o senhor passou a ser nomeado "Jose" Manuel Barroso. O Magalhães, coitado, haverá de sofrer da mesma terrível sorte, a de ver o seu nome decepado pelos teclados internacionais que impiedosamente mutilam o til e dará lugar, planeta fora, ao "Magalhaes". Volto a insistir: se fosse Silva, eram trabalhos escusados.

Eu até aceito que Magalhães seja, digamos, mais chique do que Silva, embora «chique a valer», como diria o Dâmaso Cândido de Salcede (outro belo nome) n’«Os Maias», fosse um nome com letras dobradas, mas adiante. Mas, se a ideia era dar um ar empinocado ao computador, eu até condescendia num Da Silva ou De Silva. Estou a lembrar-me de três figuras famosas que fazem jus ao sobrenome e à partícula: a pintora portuguesa Maria Helena Vieira Da Silva, o pintor espanhol Diego Rodriguez De Silva y Velázquez e o corredor brasileiro Ayrton Senna Da Silva. Ao lado deles, o computador Da Silva só poderia sair enaltecido. E se o Magalhães fosse Silva, seria fácil encontrar-lhe dois padrinhos que ajudassem à sua divulgação. Refiro-me a dois ilustres Silvas: os Presidentes da República de Portugal (Aníbal Cavaco Silva) e do Brasil (Luís Inácio Lula da Silva). Era perfeito!

Tenho tanta pena que assim não seja que até me lembrei de iniciar uma petição para mudar o nome ao Magalhães, mas depois reconsiderei por achar que seria infrutífero. Num país onde pouco muda, não haveria de ser o nome de um computador a excepção. Resta-me, na intimidade, chamar Silva aos Magalhães com que me for cruzando. Sempre dará para manter a boa tradição portuguesa de, à boca pequena, atribuir epítetos "carinhosos" às pessoas em substituição dos seus nomes verdadeiros.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

18.10.08

almedina

il mercatto di pasta | v.n. gaia | 17.10.2008

Haverá sempre o que contar das minhas demoras na Almedina, entre os livros, a deixar-me enredar nas novidades, nas críticas, nos pareceres sobre as cores e os grafismos das capas e sobre a solicitude (ou falta dela) dos funcionários. O meu mundo poderia ser uma livraria, mas não aquela, em específico. Antes uma outra onde fosse realmente fácil encontrar o que queremos sem termos de falar grosso com os empregados para os fazer dobrar as pernas e procurar nas prateleiras de baixo ou ir pesquisar no catálogo.
Tenho a mania de gostar de ser independente, que haverei de fazer?! Apreciava muito mais ir à Almedina quando eu mesma podia procurar os livros que queria, fazendo uso da minha perseverança e do catálogo digital. Dispenso bem a oferta do café em troca da permissão de me deixarem ser jurista até à medula. Desenganem-se os que julgam que nós gostamos de pedir, rogar, solicitar ou requerer. Não gostamos, não. Nem nas livrarias, nem em lado nenhum.

© Marta Madalena Botelho

15.10.08

um ano que passou a correr

tia aninhas | porto | 15.10.2007

O primeiro.

12.10.08

descobrir as semelhanças

il mercatto di pasta / portugália | matosinhos | 12.10.2008

A convergência está na divergência. A semelhança está na diferença. Importa é descobri-las, desejá-las e, claro, aproveitá-las ao máximo. Cada instante. Cada pormenor. Sempre.

© [m.m. botelho]

e assim o PS perdeu a oportunidade de matar dois coelhos com uma só cajadada


A imagem da primeira página do jornal PÚBLICO de 10 de Outubro de 2008.

Obedecendo à disciplina de voto imposta na reunião do grupo parlamentar de 2 de Outubro, os senhores deputados do PS votaram contra ambas as propostas de alteração do Código Civil tendo em vista viabilizar o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo apresentadas pelo BE e pelo PEV que foram levadas a plenário na passada sexta-feira. Em resultado, do ponto de vista legislativo tudo ficou na mesma, mas do ponto de vista político há consequências que acabaram por beliscar, e muito, os socialistas.

As coisas começaram a andar mal assim que a JS comunicou que iria retirar a sua proposta (que coincidia com a proposta do BE), impedindo que a mesma fosse a plenário apenas porque entendiam que o objectivo do BE era «ultrapassar» o PS e não propriamente aprovar a alteração da lei. Escudando-se nesses supostos tortuosos proveitos eleitorais do BE, a JS recuou e recuar, em política, é quase sempre – e aqui foi – sinónimo de debilidade. O partido que «não anda a reboque de nenhum outro partido» (nas palavras de José Sócrates), afinal andou a reboque dos acontecimentos provocados… pelos outros partidos. Ora, já todos sabemos que a política é um domínio especialmente profícuo em retórica, mas talvez nunca venhamos a habituar-nos a estas tentativas de disfarçar o indisfarçável: a antecipação do BE e do PEV incomodou o PS e isso ficou bem patente.

As coisas continuaram a andar mal quando se tornou pública a imposição da disciplina de voto aos deputados socialistas, com excepção de Pedro Nuno Santos. Alegou o grupo parlamentar que a excepção se justificava pelo facto de o deputado em questão ter assumido publicamente a sua posição favorável à alteração legislativa, tendo mesmo chegado a tomar medidas no sentido de a concretizar. As vozes que, dentro do grupo parlamentar, se insurgiram contra isto foram todas no mesmo sentido: a imposição é, no mínimo, questionável à luz do estatuto dos deputados e do exercício individual da função. E é questionável nesta como em todas as matérias, embora neste caso seja mais flagrante, até pelo facto de alguns (erradamente) considerarem tratar-se de uma questão de consciência. Sucede que esta não é nem nunca foi uma questão de consciência. Nenhuma matéria de Direitos Fundamentais é matéria de consciência. Os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana e à sua dignidade, não dependendo de nenhum Estado e de nenhuma consciência para existirem, mas, tão somente, para serem reconhecidos. O reconhecimento destes direitos não pode depender das opiniões, consciências e preconceitos dos deputados, pois é independente de tudo isso. Ao invés, no correcto exercício das suas funções, aos deputados cumpre viabilizar as alterações legislativas que sejam necessárias para o reconhecimento desses direitos. Neste sentido, dir-se-ia que é mesmo um dever dos deputados pôr termo a todas as formas de discriminação e violação de direitos fundamentais que decorram da letra da Lei.

E se é um dever, mais premente se torna a questão da celeridade com que isso deve ser levado a cabo. É inaceitável, no que respeita à dignidade humana, que o P.S. opte por protelar o fim de uma discriminação que reconhece existir para um momento posterior apenas porque a proposta apresentada que visa pôr-lhe fim não foi feita pela sua bancada parlamentar, mas sim por outros partidos (embora pretenda fazer passar a ideia de que o fez por entender que a questão necessita de «maior maturação» (sic)). Quase roça a obscenidade afirmar que se considera que a proibição do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo é discriminatória e atentatória contra os direitos humanos e, simultaneamente, ficar sentado votando contra a alteração legislativa que acabaria com essa proibição. Foi o que fizeram todos os deputados do P.S. excepto o referido Pedro Nuno Santos, Manuel Alegre (que votou a favor) e Isabel Pires de Lima (que deliberadamente se ausentou do Plenário durante a votação). Isto evidencia uma clara irresponsabilidade perante o que são as obrigações de qualquer um de nós enquanto cidadão de um Estado de Direito democrático – e por estas obrigações entenda-se respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana – e, em termos políticos, uma vontade deliberada de instrumentalizar a função do deputado, substituindo os critérios pelos quais a mesma se deve nortear por critérios políticos, de subserviência intelectual ao "seguidismo" partidário e de aniquilamento da capacidade decisória das pessoas que desempenham essa função.

De tudo importa reter que, mais do que votos, o P.S. perdeu uma soberana oportunidade de operar uma modificação que se impõe em termos sociais e legislativos e, ainda, a possibilidade de dar sinais claros aos cidadãos portugueses de que é um partido capaz de defender aquilo em que acredita. Todavia, tudo o que o P.S. perdeu é pouco, mesquinho e profundamente insignificante se comparado com a oportunidade de felicidade que tantos e tantos cidadãos deste país perderam.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

9.10.08

run away

«should I stay
or should I go
it's a long, long way to go
but I want to know
yeah I won't be shy

we run away, we run away you and me
you get away and bring it on back»



Goldfrapp. «Caravan girl».
Do álbum «Seventh tree» [2007].

8.10.08

agora

pasta caffé | vila nova de gaia | 06.10.2008

Quando foi? Ontem, hoje? Que importa o tempo entre os dois ponteiros do relógio se tudo o que interessa se resume àquele instante que não passa e que ainda anda por aqui como se fosse sempre? Quando foi? Ontem, hoje?

Agora.

© [m.m. botelho]

7.10.08

PNETjuris

PNETjuris
O Direito é um «dever ser» que não é, vai sendo. Construído a partir do Homem e radicando nele, diz-se bastas vezes do Direito que é um mal necessário à organização da vida em sociedade: «ubi societas, ibi jus». Onde há Direito, há juristas. E onde há juristas, há reflexão e debate.

A partir de hoje os juristas portugueses dispõem de um novo espaço na internet, o site PNETjuris, do qual tenho a honra de ser coordenadora e editora.

© Marta Madalena Botelho

6.10.08

a mais bela canção triste de todos os tempos

«the salty seas behind the eye
and it's the tears that come and make me cry
the falling leaf that never tries
to hold on to what keeps it alive
the summer dreams behind the eye
and it's the sleep that makes me alive
the sudden ease when you arrive
and it's you that makes me try»



Devics. «Salty seas».
Do álbum «Push the heart» [2006].

5.10.08

amor, dinheiro e falsos pundonores

Sempre achei curioso o facto de, em quase todas as situações de abordagem de determinados assuntos conotados com os afectos das pessoas, se procurar a todo o custo colocar o ênfase nos sentimentos, tentando reduzir à mínima importância tudo o que diga respeito ao dinheiro. O casamento e o divórcio, por exemplo, são dois casos paradigmáticos disto mesmo.

Muito provavelmente devido a ideias românticas (e, atrevo-me a dizer, impregnadas de religiosidade bacoca), quer-se à viva força impor a ideia de que, mais do que secundário, invocar as questões materiais quando se fala de casamento e divórcio é altamente censurável. Isto como se o dinheiro não dissesse qualquer respeito ao domínio do casamento e do divórcio, isto como se o dinheiro fosse algo dispensável e tudo o que importasse fosse a paixão.

Desenganemo-nos: quer no casamento (civil), quer no divórcio, se há algo supérfluo é a emoção. Com efeito, no que concerne ao casamento civil, ou seja, aquele que é regulado pela Lei, de nada importa que os cônjuges se amem. Importa, sim, que se respeitem, que se assistam mutuamente, que sejam fiéis um ao outro, que cooperem um com o outro e que coabitem a mesma casa. Se fazem isto porque se amam ou não, de nada interessa aos olhos da Lei. O amor ou a falta dele apenas têm relevância no plano individual ou no restrito âmbito do casal ou, ainda, como sucede em alguns casos, no plano religioso.

Do mesmo modo, para pôr fim ao casamento por meio do divórcio, de pouco aproveita que os cônjuges já não se amem. Aliás, não raras vezes sucede em situações de divórcio litigioso que pelo menos um dos cônjuges ainda nutre afecto pelo outro e, contudo, não será por isso que o tribunal não haverá de decretar o divórcio.

Mas, voltemos ao deveres decorrentes do contrato de casamento. São eles: respeito, assistência, fidelidade, cooperação e coabitação. Como facilmente se vê, embora todos estes deveres possam decorrer do amor, também é certo que nenhum destes deveres decorre necessariamente do amor. Consequentemente, poderá haver violação de todos eles existindo, em simultâneo com essa violação, uma enorme paixão entre os cônjuges. O que leva a concluir que o amor não é, obrigatoriamente, um elemento determinante do contrato de casamento.

Mas há mais. Embora fosse tremendamente tranquilizadora a ideia de que as pessoas se casam por amor, a verdade é que não é só por amor, nem sequer essencialmente por amor que as pessoas se casam. O amor existiu e existirá sempre para além das convenções, para além da assinatura de contratos, para além de registos escritos em livros paroquiais ou de Conservatórias. Para que dois indivíduos se amem bastam esses mesmos indivíduos, sem mais. E embora possamos até admitir que o amor é, na maior parte dos casos, o critério que preside à escolha do parceiro com quem se quer celebrar o casamento, haveremos também de convir que ele não é o factor que leva as pessoas a casarem. Sejamos honestos: a esmagadora maioria das pessoas casa-se por tradição, para concretizar um sonho, por obediência a convenções sociais, para que lhe seja concedido um empréstimo bancário, porque quer ter filhos, por questões sucessórias, para ter pretexto para dar uma festa e receber presentes ou por uma infinidade de outras razões que seria fastidioso enumerar. Em boa verdade, poucas serão as pessoas que casam tendo como única e exclusiva razão para isso o amor que sentem uma pela outra.

Não deveria, pois, surpreender uma única alma o facto de tanta importância se dar na Lei civil à vertente material do casamento. Trata-se de um contrato do qual decorrem, para cada uma das partes, direitos e deveres. Caso haja incumprimento desse contrato porque uma das partes não observou a prestação a que estava obrigada, haverá lugar, como em qualquer outro contrato, ao pagamento de uma indemnização à contraparte. Daí que seja nuclear abordar as questões monetárias no âmbito do divórcio, que nada mais é senão a declaração do fim de um contrato de casamento.

É fundamental que a Lei acautele a situação monetária dos casados: por isso existem o quociente conjugal em matéria de impostos e as taxas de juro mais baixas para casais, bem como os direitos sucessórios decorrentes do casamento, por exemplo. Mas, do mesmo modo, também releva que a Lei acautele a situação monetária dos ex-casados: por isso existe a responsabilidade civil do cônjuge que incumpriu a sua obrigação no casamento, por exemplo.

Em suma, há que assumir sem falsos pundonores que falar de casamento e de divórcio é muito mais falar de dinheiro do que de amor. E eu atrevo-me mesmo a dizer que, se isto fosse devidamente tomado em conta, a ninguém surpreenderia o indispensável pragmatismo com que deve lidar-se com ambas as matérias.

[Também publicado em PNETmulher]

© Marta Madalena Botelho

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» O âmbito do direito de autor e os direitos conexos incidem a sua protecção sobre duas realidades: a tutela das obras e o reconhecimento dos respectivos direitos aos seus autores.
» O direito de autor protege as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
» Obras originais são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação ou objecto.
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» A obra não depende do conhecimento pelo público. Ela existe independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, apenas se lhe impondo, para beneficiar de protecção, que seja exteriorizada sob qualquer modo.
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