12.5.19

um certo tipo de coragem

Gosto de declarações destemidas, desvergonhadas, sinceras e amadurecidas. Há um certo tipo de coragem que só as pessoas que vivem ou viveram grandes amores puros têm. Esses corajosos são os que não temem assumir que os grandes amores nada têm que ver com paixão e, muito menos, com tesão, porque os grandes amores não se compadecem com coisas passageiras ou instantâneas, com impulsos ou reacções corpóreas, com a simples matéria que compõe a carne. Os grandes amores alicerçam-se na admiração desmedida, nos sorrisos rasgados incontroláveis que nos causa a felicidade do objecto amado, no gozo da partilha do insignificante e do mais importante. Os grandes amores têm por base a ternura, o desejo do crescimento individual e mútuo, o desprendimento do próprio amor. Os grandes amores, os verdadeiros amores - porque os verdadeiros amores são só os grandes, os incomensuráveis, os que não conhecem as barreiras da materialidade e da sensitividade - assentam numa simplicidade que só os corações cândidos são capazes de ter. E só esses corações é que têm a tal coragem que permite proclamar que se ama inteiramente, sem permeios de razão, sem pudores de correcção, sem obediência a designações, sem limites de linguagem. Os corações cândidos amam o que vêm e o que lhes está oculto, amam o que tocam e o inatingível, amam o que existe e o que não sabem - mas intuem - existir. A coragem de expressá-lo advém de uma purgação que só a marca de ferro e fogo de um grande amor dá. O amor incontido gera a coragem incontida.

Termino como comecei: gosto de declarações destemidas, desvergonhadas, sinceras e amadurecidas. Gosto dessas declarações lidas e feitas. Feitas também por mim, que de quando em vez me sinto levitar, como se saísse deste Universo conhecido para um outro que ignoro, mas que sei com todo o meu coração, o meu espírito e as minhas forças que existe. E, por isso, nada temo: amo.

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