23.10.08

tão indie, tão indie, tão indie

Em conversa, a irmã mais nova de uma amiga minha, uma jovem daquelas que ainda agora saíram da faculdade e já se acham o supra sumo da sabedoria, daquelas muito senhorecas de seu nariz, muito independentes, muito "positivamente" egoístas, daquelas que sabem sempre muito bem o que querem e não admitem que ninguém, muito menos um gajo, tenha sequer a pretensão de um dia vir a mandar nelas, daquelas que só compram a roupa e os sapatos em lojas alternativas onde se vendem túnicas fabricadas a partir da cannabis e que não sabe sair de casa sem um livro debaixo do braço, nem que seja para ir à mercearia (sim, que ela tem horror a supermercados) comprar um pacote de leite (sim, que ela compra um pacote de leite de cada vez porque vai a pé e tem horror ao consumismo evidenciado por quem, como eu, compra logo às dúzias e dúzias, já para não falar nas imensas condenações que faz ao facto de eu ser uma «assassina ambiental» que leva o carro quando vai às compras), pergunta-me se leio o blogue da Laurinda Alves.
Respondo-lhe que não, que desconhecia inclusive que Laurinda Alves escrevia num blogue, mas que duvido que mesmo que soubesse o site passasse a fazer parte da estreita lista dos que acompanho regularmente (e por regularmente entenda-se uma regularidade muito minha, que abriga debaixo do mesmo chapéu-de-chuva as visitas diárias e as mensais).
Ela replica «fazes tu muito bem», para logo a seguir dizer que ela sim, lê o blogue da Laurinda Alves ("da" Laurinda Alves), mas apenas porque gosta de se rir com a pobreza de espírito da Laurinda Alves (outra vez o "da") que, nas palavras dela, é uma tonta que passa a vida a falar de assuntos perfeitamente fúteis e que por ela (a Laurinda Alves) bem podiam as mulheres limitar-se a serem «máquinas parideiras que de dia dão de mamar aos filhos e à noite mamam os maridos».
Eu respondo com um desinteressado «estou a ver...» enquanto passo os olhos pelo Diário Económico de ontem (o pormenor de ser o de ontem tem toda a importância, embora não pareça) e bebo um pouco de café, na esperança de que o assunto morra por ali antes que seja eu a morrer de tédio perante a sua irrelevância, mas não.
Ainda eu pousava a chávena já ela abria a bocarra para proferir a alarvidade do dia, «não há pachorra para a Laurinda Alves, não me surpreende nada que o Miguel Sousa Tavares lhe batesse», seguida de uma gargalhada daquelas que algumas pessoas dão apenas para tentarem chamar a atenção dos outros, o que às vezes até conseguem, mas tão somente pelos piores motivos. Depois, pergunta-me se não achei graça à observação.
Eu respondo secamente que não, que assim se vê que uma tipa como ela só é muito indie e alternativa e whatever por fora, porque por dentro e nas baboseiras que diz é tão básica e mainstream como qualquer uma das muitas pessoas que ela critica por se deixarem conduzir pelo caminho fácil da maioria e que não pensam pela própria cabeça, já para não falar no facto de ser inadmissível que alguém supostamente tão indie, tão indie, tão indie possa sequer achar que a violência, seja ela de que tipo for, é motivo para chalaças.
Ela dá outra gargalhada que tem tanto de nervosa como de estridente enquanto eu pouso uma moeda de um euro na mesa e me despeço, deixando no ar que é bom que ela perceba que o sentido de humor é algo apenas ao alcance de alguns e que, graças a ela, eu começo a convencer-me de que a inteligência também.

© Marta Madalena Botelho

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