Conheço uma mão cheia de pessoas maravilhosas que estão presentemente livres ou, pelo menos, aparentemente livres. Em boa verdade, no coração ainda guardam réstias de amores passados de cujo fim não se recompuseram e na memória têm demasiado presentes os retratos daqueles a quem tanto quiseram. Trata-se de pessoas que partilhavam relações afectivas estáveis que terminaram contra a sua vontade.
Uma grande amiga minha costuma dizer que só se cura um amor com outro amor. Claro que essa grande amiga minha é suspeita, pois faz parte do lote daqueles que estão à espera de se cruzar com outra pessoa para fechar o capítulo amoroso anterior, mas, ainda assim, jura a pés juntos que não há outra maneira de superar a coisa senão esta: uma nova paixão, de preferência, daquelas de caixão à cova.
Provavelmente, já quase toda a gente com mais de doze anos chegou a esta conclusão: não há fórmulas mágicas para pôr termo dentro de nós ao que já acabou cá fora. E tal como não há fórmulas mágicas, também não há verdades universais que se apliquem a todos os que estão descoroçoados por causa do fim de uma relação.
Os recursos utilizados para esquecer um amor são múltiplos. Há quem opte por uns meses de recolhimento em casa, por uma determinada dedicação ao trabalho, por saídas para copos e conversa com os amigos todas as noites, por viagens, por uma remodelação do guarda-roupa, por finalmente ler Les misérables, por trabalhar os bíceps e os tríceps, por ver todos os filmes da saga Star Wars, por ir fazer voluntariado durante um ano e por tantas e tantas outras coisas, desde que sejam suficientemente absorventes para impedirem que o pensamento se concentre no objecto do afecto não correspondido. Além destes há, também, os que prosseguem calmamente a sua vida nos exactos termos de outrora, embora escondendo as fotografias e outras coisas nas gavetas e evitando ir aqui e ali para não ver, não ouvir, não saber e, em consequência, não sentir.
Isto tudo até ao dia em que, inesperadamente, se apaixonam outra vez. A partir de então, o fim do mundo passa de amanhã para dali a mil anos, o choro dá lugar ao riso e todos os compromissos que preenchiam a agenda e que eram prioritários passam a ser perfeitamente dispensáveis, adiáveis ou mesmo desmarcáveis. É precisamente nesse instante que, como diz a minha grande amiga, se cura um amor com outro amor.
Dedicarmo-nos a cinquenta mil coisas para tentar não pensar em alguém que amamos e com quem já não partilhamos esse amor não tem nada de mal, podendo mesmo ser muito produtivo se se tratar de actividades que venham aumentar o nosso conhecimento, a nossa auto-estima e a nossa qualidade de vida, já para não falar nas supremas vantagens que o exercício físico pode trazer para o sucesso da nossa posterior vida afectiva e não só... Totalmente errado é ficar fechado sobre si mesmo, achar que nunca mais se vai encontrar uma pessoa como aquela, fazer o destrutivo jogo da atribuição da culpa ou ter atitudes que possam conduzir à irreversível destruição do que restou, como, por exemplo, boas memórias ou uma relação de amizade.
O fim não desejado de uma relação não é o fim do mundo, embora pareça. Também não é irremediável, mesmo que de repente o chão nos tenha escapado debaixo dos pés. E muito menos é um estado definitivo de solidão, a não ser que nós deixemos. O truque está em, com certa dose de parcimónia, deixarmos a vida seguir o seu curso. O resto vem por acréscimo e pode ser bom. Aliás, quase sempre é muito melhor. Posso afiançar que, às vezes, acontece mesmo: been there, done that.
[Também publicado emPnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
Uma grande amiga minha costuma dizer que só se cura um amor com outro amor. Claro que essa grande amiga minha é suspeita, pois faz parte do lote daqueles que estão à espera de se cruzar com outra pessoa para fechar o capítulo amoroso anterior, mas, ainda assim, jura a pés juntos que não há outra maneira de superar a coisa senão esta: uma nova paixão, de preferência, daquelas de caixão à cova.
Provavelmente, já quase toda a gente com mais de doze anos chegou a esta conclusão: não há fórmulas mágicas para pôr termo dentro de nós ao que já acabou cá fora. E tal como não há fórmulas mágicas, também não há verdades universais que se apliquem a todos os que estão descoroçoados por causa do fim de uma relação.
Os recursos utilizados para esquecer um amor são múltiplos. Há quem opte por uns meses de recolhimento em casa, por uma determinada dedicação ao trabalho, por saídas para copos e conversa com os amigos todas as noites, por viagens, por uma remodelação do guarda-roupa, por finalmente ler Les misérables, por trabalhar os bíceps e os tríceps, por ver todos os filmes da saga Star Wars, por ir fazer voluntariado durante um ano e por tantas e tantas outras coisas, desde que sejam suficientemente absorventes para impedirem que o pensamento se concentre no objecto do afecto não correspondido. Além destes há, também, os que prosseguem calmamente a sua vida nos exactos termos de outrora, embora escondendo as fotografias e outras coisas nas gavetas e evitando ir aqui e ali para não ver, não ouvir, não saber e, em consequência, não sentir.
Isto tudo até ao dia em que, inesperadamente, se apaixonam outra vez. A partir de então, o fim do mundo passa de amanhã para dali a mil anos, o choro dá lugar ao riso e todos os compromissos que preenchiam a agenda e que eram prioritários passam a ser perfeitamente dispensáveis, adiáveis ou mesmo desmarcáveis. É precisamente nesse instante que, como diz a minha grande amiga, se cura um amor com outro amor.
Dedicarmo-nos a cinquenta mil coisas para tentar não pensar em alguém que amamos e com quem já não partilhamos esse amor não tem nada de mal, podendo mesmo ser muito produtivo se se tratar de actividades que venham aumentar o nosso conhecimento, a nossa auto-estima e a nossa qualidade de vida, já para não falar nas supremas vantagens que o exercício físico pode trazer para o sucesso da nossa posterior vida afectiva e não só... Totalmente errado é ficar fechado sobre si mesmo, achar que nunca mais se vai encontrar uma pessoa como aquela, fazer o destrutivo jogo da atribuição da culpa ou ter atitudes que possam conduzir à irreversível destruição do que restou, como, por exemplo, boas memórias ou uma relação de amizade.
O fim não desejado de uma relação não é o fim do mundo, embora pareça. Também não é irremediável, mesmo que de repente o chão nos tenha escapado debaixo dos pés. E muito menos é um estado definitivo de solidão, a não ser que nós deixemos. O truque está em, com certa dose de parcimónia, deixarmos a vida seguir o seu curso. O resto vem por acréscimo e pode ser bom. Aliás, quase sempre é muito melhor. Posso afiançar que, às vezes, acontece mesmo: been there, done that.
[Também publicado emPnetMulher]
© Marta Madalena Botelho