Dizem por aí à boca cheia que Manuela Ferreira Leite tem um problema de expressão. Ao que parece, a presidente do PSD terá pouco jeito para as palavras, mas não se trata de qualquer problema de dicção nem de dislexia e, ao que consta, Ferreira Leite não dá erros de ortografia. O busílis, dizem, é a escolha dos termos.
O problema de um grande número de pessoas deste país tem um nome: ausência de sentido crítico. Regra geral, quem não está habituado a fazer a análise das situações e a propor alternativas, limitando-se a seguir cegamente ou a discordar radicalmente do que os outros dizem, tem uma certa dificuldade em interpretar afirmações que distem um pouco do óbvio. Quem não opta pelos discursos básico ou cínico – os mais comuns entre nós –, habilita-se a que lhe aponham o rótulo de "infeliz" a torto e a direito. Em certos casos, a coisa vai mais além e vêm de lá umas vozes superiores e iluminadas que, como José Saramago, sentenciam que «a Doutora Ferreira Leite é bastante idiota» (sic). Claro que só pode passar-se impunemente perante a opinião pública com afirmações deste calibre caso se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: se o declarante já tiver ganho um prémio Nobel e se tudo se passar num país de brandos costumes. Por isso, mesmo que viva em Portugal: se ainda não foi agraciado com o mencionado galardão, aconselha-se tento na língua.
No seguimento das vozes que cedo se indignaram com as afirmações de Manuela Ferreira Leite sobre a democracia e as reformas, muitos foram os que precipitadamente começaram a fazer uso do seu tempo de antena, dos seus espaços de opinião em jornais e dos seus blogues para se indignarem também. As vozes eram tão afinadas que quase faziam inveja aos coros de anjos celestiais. Falou-se em suspensão da democracia, em apologia à ditadura, em momentos de infelicidade e, finalmente, no tal problema de expressão. Ferreira Leite, com a inteligência que a caracteriza, remeteu-se ao silêncio. A mensagem subliminar desta atitude é só uma: quem tiver ouvidos, ouça e, diria eu, quem for capaz de entender, entenda.
Para compreender o que foi dito é imprescindível contextualizar politicamente a afirmação, ou seja, não ignorar que o país está a braços com um sem número de acções reivindicativas na área da educação, tanto por parte dos pais, como dos professores, como da oposição ao Governo em bloco. E tudo porquê? Graças à reforma do sistema educativo que o Governo quer levar a cabo. E o que fazem a Ministra da Educação e o Primeiro-Ministro? Autoritariamente, ignoram ambos as reivindicações e as alternativas propostas e insistem em tópicos como o modelo de avaliação dos professores e o novo estatuto do aluno. Ou seja, em suma e em síntese, para procederem a uma reforma, impõem a sua visão das coisas, as suas políticas, a sua vontade.
Ao que parece, toda a gente reclama da postura do Governo e, segundo consta, não vem grande mal ao mundo por isso. O Carmo e Trindade só ameaçam cair, pois, quando quem reclama é Manuela Ferreira Leite, porque em vez de pegar em cartazes e ir para a rua fazer manifestações como (legitimamente) faz a maioria dos portugueses, opta por um estilo diferente de crítica. Eu arriscaria dizer que é bem mais do que evidente que a afirmação de Ferreira Leite se referia ao comportamento autoritário e arrogante de José Sócrates e dos seus ministros na implementação das reformas que, como toda a gente vê, não parece ser lá muito compatível com a democracia. Actualmente, os holofotes debruçam-se sobre a Educação, mas pensemos, por exemplo, na reforma da Justiça e no modo como a redução das férias judiciais e o mapa judiciário acabaram por ser impostos ao arrepio da contestação de todos os quadrantes jurídicos deste país ou, ainda, na reforma da Saúde e no encerramento de tantos centros de atendimento a utentes entre gritos de revolta de tanta gente e aí teremos outras situações em que o Governo socialista se limitou a levar a sua avante, ignorando os contributos e manifestações de desagrado dos destinatários do seu ímpeto reformista.
Não posso, por isso, deixar de atribuir alguma ingenuidade àqueles que procuraram obter dividendos políticos através de interpretações falaciosas das declarações da presidente do PSD, pois, ao tentar imputar-lhe qualquer tentativa de apologia ao termino da democracia, apenas demonstraram o quão ridículos podem ser. Ler para lá das palavras é essencial e a língua portuguesa ficaria infinitamente mais pobre se não pudesse ser colorida com recursos estilísticos, como é o caso da ironia. Para pobreza, em Portugal, já basta a que afecta as nossas carteiras, para não falar na intelectual e na de espírito que afecta tanta gente e que episódios como este vão revelando...
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
O problema de um grande número de pessoas deste país tem um nome: ausência de sentido crítico. Regra geral, quem não está habituado a fazer a análise das situações e a propor alternativas, limitando-se a seguir cegamente ou a discordar radicalmente do que os outros dizem, tem uma certa dificuldade em interpretar afirmações que distem um pouco do óbvio. Quem não opta pelos discursos básico ou cínico – os mais comuns entre nós –, habilita-se a que lhe aponham o rótulo de "infeliz" a torto e a direito. Em certos casos, a coisa vai mais além e vêm de lá umas vozes superiores e iluminadas que, como José Saramago, sentenciam que «a Doutora Ferreira Leite é bastante idiota» (sic). Claro que só pode passar-se impunemente perante a opinião pública com afirmações deste calibre caso se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: se o declarante já tiver ganho um prémio Nobel e se tudo se passar num país de brandos costumes. Por isso, mesmo que viva em Portugal: se ainda não foi agraciado com o mencionado galardão, aconselha-se tento na língua.
No seguimento das vozes que cedo se indignaram com as afirmações de Manuela Ferreira Leite sobre a democracia e as reformas, muitos foram os que precipitadamente começaram a fazer uso do seu tempo de antena, dos seus espaços de opinião em jornais e dos seus blogues para se indignarem também. As vozes eram tão afinadas que quase faziam inveja aos coros de anjos celestiais. Falou-se em suspensão da democracia, em apologia à ditadura, em momentos de infelicidade e, finalmente, no tal problema de expressão. Ferreira Leite, com a inteligência que a caracteriza, remeteu-se ao silêncio. A mensagem subliminar desta atitude é só uma: quem tiver ouvidos, ouça e, diria eu, quem for capaz de entender, entenda.
Para compreender o que foi dito é imprescindível contextualizar politicamente a afirmação, ou seja, não ignorar que o país está a braços com um sem número de acções reivindicativas na área da educação, tanto por parte dos pais, como dos professores, como da oposição ao Governo em bloco. E tudo porquê? Graças à reforma do sistema educativo que o Governo quer levar a cabo. E o que fazem a Ministra da Educação e o Primeiro-Ministro? Autoritariamente, ignoram ambos as reivindicações e as alternativas propostas e insistem em tópicos como o modelo de avaliação dos professores e o novo estatuto do aluno. Ou seja, em suma e em síntese, para procederem a uma reforma, impõem a sua visão das coisas, as suas políticas, a sua vontade.
Ao que parece, toda a gente reclama da postura do Governo e, segundo consta, não vem grande mal ao mundo por isso. O Carmo e Trindade só ameaçam cair, pois, quando quem reclama é Manuela Ferreira Leite, porque em vez de pegar em cartazes e ir para a rua fazer manifestações como (legitimamente) faz a maioria dos portugueses, opta por um estilo diferente de crítica. Eu arriscaria dizer que é bem mais do que evidente que a afirmação de Ferreira Leite se referia ao comportamento autoritário e arrogante de José Sócrates e dos seus ministros na implementação das reformas que, como toda a gente vê, não parece ser lá muito compatível com a democracia. Actualmente, os holofotes debruçam-se sobre a Educação, mas pensemos, por exemplo, na reforma da Justiça e no modo como a redução das férias judiciais e o mapa judiciário acabaram por ser impostos ao arrepio da contestação de todos os quadrantes jurídicos deste país ou, ainda, na reforma da Saúde e no encerramento de tantos centros de atendimento a utentes entre gritos de revolta de tanta gente e aí teremos outras situações em que o Governo socialista se limitou a levar a sua avante, ignorando os contributos e manifestações de desagrado dos destinatários do seu ímpeto reformista.
Não posso, por isso, deixar de atribuir alguma ingenuidade àqueles que procuraram obter dividendos políticos através de interpretações falaciosas das declarações da presidente do PSD, pois, ao tentar imputar-lhe qualquer tentativa de apologia ao termino da democracia, apenas demonstraram o quão ridículos podem ser. Ler para lá das palavras é essencial e a língua portuguesa ficaria infinitamente mais pobre se não pudesse ser colorida com recursos estilísticos, como é o caso da ironia. Para pobreza, em Portugal, já basta a que afecta as nossas carteiras, para não falar na intelectual e na de espírito que afecta tanta gente e que episódios como este vão revelando...
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho