A Senhora Ministra da Saúde anunciou esta semana que os testes para detectar a contaminação com o vírus HIV vão passar a ser gratuitos no Serviço Nacional de Saúde. Como tantas outras, trata-se de mais uma medida que, embora positiva, não deixa de ser demagógica, daquelas que parece que tem um grande efeito mas não tem efeito nenhum ou, pelo menos, não o que o Governo lhe pretende imprimir e despudoradamente apregoa. Contudo, antes testes gratuitos do que nenhuns testes, «do mal, o menor». Mas não chega e não pode servir de pretexto para que o Governo finja que está tudo bem e se esquive à sua responsabilidade no controlo do alastramento da doença. Com isto não estou a querer dizer que não se faz nada, mas sim que o que se faz é pouco ou não tão profícuo como desejável. Ou seja, não ponho a tónica no que se faz, mas sim na ausência de resultados.
Pela minha parte, ficaria mil vezes mais feliz se o Governo anunciasse que, finalmente, tinha decidido apostar verdadeiramente na prevenção através de aulas de educação sexual para toda – repito, toda – a população.
Basta recuar uma geração em relação à minha para ver que as pessoas que andam hoje entre os cinquenta e os sessenta anos iniciaram a sua vida sexual de forma desprotegida e desse modo mantêm a sua prática sexual. Naquele tempo, dizem, ninguém falava em SIDA e, portanto, não havia grandes precauções a tomar a não ser as devidas cautelas para que não acontecesse uma gravidez indesejada. De resto, o único cuidado a ter era na escolha do parceiro, que convinha que tivesse um ar minimamente limpinho. Daí se conclui que, hoje como então, há quem continue a acreditar que a transmissão de doenças como a SIDA não afecta senão os homossexuais, os toxicodependentes e os heterossexuais que praticam sexo desprotegido com prostitutas.
O tema assume contornos ainda mais constrangedores entre os casais. As mulheres acham que não têm o direito de pedir aos seus maridos que façam testes, sob pena de eles legitimamente se sentirem ofendidos por elas se atreverem a pôr em causa a sua fidelidade sexual. E se julgam que não têm o direito de exigir aos maridos a simples realização de um teste, muito menos acham que podem pedir-lhes que utilizem preservativo, mesmo quando sabem que os maridos têm relações extraconjugais (e sabem-no tantas e tantas vezes). No que respeita aos homens, o panorama não difere muito. Digamos que nenhum pai de família devidamente aprumado se atreve a pedir à sua mulher, mãe dos seus filhos, que faça o teste (pois se nem sexo oral – senhores, trata-se da boca que lhes beija a descendência herdeira! -, quanto mais um teste de HIV...). Entre os casais não há cá dessas coisas. E sendo portugueses, não há que temer: a Nossa Senhora de Fátima protege os bons pais e mães de família desse tipo de maleitas como a SIDA e outras do género. Certamente, não se dão ao trabalho de olhar para as estatísticas, caso contrário perceberiam que nem só de drogados e de gays vivem elas e que, portanto, os números engordam graças a alguém. *
Os jovens portugueses precisam de educação sexual, sem dúvida. Mas convém não esquecer que não são só eles, é um país inteiro de gente que continua a achar que Portugal é «um cantinho do céu» e que, assim sendo, está devidamente protegido, acautelado, vacinado mesmo se não houver protecção, cautela, vacina. Quem assim pensa são os mesmos portugueses a quem a notícia desta semana agrada, mas não aquece nem arrefece. No fundo, todos acreditamos que por vergonha, por acharem desnecessário ou por qualquer outra razão, não serão muitos os que vão querer fazer o teste no S.N.S. e, sendo assim, não se vai gastar muito dinheiro de impostos com isto (afinal, tudo o que interessa).
Distribuir testes é giro, é moderno, é sinal de preocupação. Claro que sim, dizemos nós todos contentes, apoiando a medida e achando que em 2008 já se fez tudo o que havia para fazer em relação ao assunto do qual só nos lembraremos no próximo dia mundial de luta contra a SIDA, ou seja, a 1 de Dezembro de 2009. Pelo caminho, esquecemos que quanto mais tarde começarmos a prevenir, mais tarde conseguiremos controlar os efeitos. Isto, é claro, se conseguirmos.
* Particularmente elucidativo é o relatório que o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge divulgou em Junho de 2008, especialmente pp. 7 e 8.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
Pela minha parte, ficaria mil vezes mais feliz se o Governo anunciasse que, finalmente, tinha decidido apostar verdadeiramente na prevenção através de aulas de educação sexual para toda – repito, toda – a população.
Basta recuar uma geração em relação à minha para ver que as pessoas que andam hoje entre os cinquenta e os sessenta anos iniciaram a sua vida sexual de forma desprotegida e desse modo mantêm a sua prática sexual. Naquele tempo, dizem, ninguém falava em SIDA e, portanto, não havia grandes precauções a tomar a não ser as devidas cautelas para que não acontecesse uma gravidez indesejada. De resto, o único cuidado a ter era na escolha do parceiro, que convinha que tivesse um ar minimamente limpinho. Daí se conclui que, hoje como então, há quem continue a acreditar que a transmissão de doenças como a SIDA não afecta senão os homossexuais, os toxicodependentes e os heterossexuais que praticam sexo desprotegido com prostitutas.
O tema assume contornos ainda mais constrangedores entre os casais. As mulheres acham que não têm o direito de pedir aos seus maridos que façam testes, sob pena de eles legitimamente se sentirem ofendidos por elas se atreverem a pôr em causa a sua fidelidade sexual. E se julgam que não têm o direito de exigir aos maridos a simples realização de um teste, muito menos acham que podem pedir-lhes que utilizem preservativo, mesmo quando sabem que os maridos têm relações extraconjugais (e sabem-no tantas e tantas vezes). No que respeita aos homens, o panorama não difere muito. Digamos que nenhum pai de família devidamente aprumado se atreve a pedir à sua mulher, mãe dos seus filhos, que faça o teste (pois se nem sexo oral – senhores, trata-se da boca que lhes beija a descendência herdeira! -, quanto mais um teste de HIV...). Entre os casais não há cá dessas coisas. E sendo portugueses, não há que temer: a Nossa Senhora de Fátima protege os bons pais e mães de família desse tipo de maleitas como a SIDA e outras do género. Certamente, não se dão ao trabalho de olhar para as estatísticas, caso contrário perceberiam que nem só de drogados e de gays vivem elas e que, portanto, os números engordam graças a alguém. *
Os jovens portugueses precisam de educação sexual, sem dúvida. Mas convém não esquecer que não são só eles, é um país inteiro de gente que continua a achar que Portugal é «um cantinho do céu» e que, assim sendo, está devidamente protegido, acautelado, vacinado mesmo se não houver protecção, cautela, vacina. Quem assim pensa são os mesmos portugueses a quem a notícia desta semana agrada, mas não aquece nem arrefece. No fundo, todos acreditamos que por vergonha, por acharem desnecessário ou por qualquer outra razão, não serão muitos os que vão querer fazer o teste no S.N.S. e, sendo assim, não se vai gastar muito dinheiro de impostos com isto (afinal, tudo o que interessa).
Distribuir testes é giro, é moderno, é sinal de preocupação. Claro que sim, dizemos nós todos contentes, apoiando a medida e achando que em 2008 já se fez tudo o que havia para fazer em relação ao assunto do qual só nos lembraremos no próximo dia mundial de luta contra a SIDA, ou seja, a 1 de Dezembro de 2009. Pelo caminho, esquecemos que quanto mais tarde começarmos a prevenir, mais tarde conseguiremos controlar os efeitos. Isto, é claro, se conseguirmos.
* Particularmente elucidativo é o relatório que o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge divulgou em Junho de 2008, especialmente pp. 7 e 8.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho