Certo dia, por acaso, enquanto espreitava a grande janela da internet, ela encontra um blogue. Não sabe porquê, mas não resiste a lê-lo de fio a pavio. Na barra lateral procura, ansiosa, um endereço de correio electrónico e naquela noite escreve ao autor explicando-lhe como desenvolveu uma afinidade intelectual consigo. Ele responde, usando o mesmo tom de fascínio pelo e-mail dela: a prosa tão igual, tantos pontos em comum, tantos gostos similares! Segue-se uma intensa troca de e-mails repletos de palavreado inflamado e recheado de segundos sentidos.
Passado algum tempo, ele sugere que se encontrem ao final da tarde, num café pacato, mas trendy, ou, em alternativa, nos jardins de um museu. Bebem cafés, comprometem-se um com o outro sem dizer palavra, desejam-se. Pouco tempo depois, cautelosamente, escolhem um hotel - local neutro, para que as memórias sejam apenas ténues e se desvaneçam com o tempo. Vão para a cama um com o outro e gostam.
Ensaiam ambos uma despedida necessariamente rápida - ao estilo do cinema francês - o que tem muito maior impacto porque, pelo menos, um deles é casado. Reparam agora que, sobre isso, do outro nada sabem, mas com os lençóis ainda amarrotados sobre a cama não lhes parece o momento adequado para questões do género. Talvez por e-mail a pergunta venha a surgir, depois.
Em direcções opostas da mesma rua, um faz o caminho para casa a pé, o outro apanha um táxi. Ambos dão por si a reparar nas luzes da cidade onde entretanto anoiteceu.
Nos dias que se seguem, a afinidade diminui, o entusiasmo esmorece, o encanto some-se, os e-mails rareiam. Há um rosto do outro lado do monitor e algumas ideias pré-concebidas estavam a anos-luz da realidade. Agora há a consciência disso, que antes era uma mera possibilidade que se acreditava remota. Lembram-se que certo dia foram para a cama um com o outro, mas hoje parece-lhes terem gostado menos do que lhes pareceu na altura.
Um dia, as visitas aos blogues um do outro passam de escassas a nenhuma. Mesmo assim, ele não apaga o link do blogue dela, ela não apaga o link do blogue dele. Foram para a cama, talvez não tenham gostado assim tanto, mas não apagam dos respectivos blogues o link do blogue do outro.
De certo modo, é isto a fidelidade na blogosfera. Aliás, talvez seja mesmo só isto.
© [m.m. botelho]
Passado algum tempo, ele sugere que se encontrem ao final da tarde, num café pacato, mas trendy, ou, em alternativa, nos jardins de um museu. Bebem cafés, comprometem-se um com o outro sem dizer palavra, desejam-se. Pouco tempo depois, cautelosamente, escolhem um hotel - local neutro, para que as memórias sejam apenas ténues e se desvaneçam com o tempo. Vão para a cama um com o outro e gostam.
Ensaiam ambos uma despedida necessariamente rápida - ao estilo do cinema francês - o que tem muito maior impacto porque, pelo menos, um deles é casado. Reparam agora que, sobre isso, do outro nada sabem, mas com os lençóis ainda amarrotados sobre a cama não lhes parece o momento adequado para questões do género. Talvez por e-mail a pergunta venha a surgir, depois.
Em direcções opostas da mesma rua, um faz o caminho para casa a pé, o outro apanha um táxi. Ambos dão por si a reparar nas luzes da cidade onde entretanto anoiteceu.
Nos dias que se seguem, a afinidade diminui, o entusiasmo esmorece, o encanto some-se, os e-mails rareiam. Há um rosto do outro lado do monitor e algumas ideias pré-concebidas estavam a anos-luz da realidade. Agora há a consciência disso, que antes era uma mera possibilidade que se acreditava remota. Lembram-se que certo dia foram para a cama um com o outro, mas hoje parece-lhes terem gostado menos do que lhes pareceu na altura.
Um dia, as visitas aos blogues um do outro passam de escassas a nenhuma. Mesmo assim, ele não apaga o link do blogue dela, ela não apaga o link do blogue dele. Foram para a cama, talvez não tenham gostado assim tanto, mas não apagam dos respectivos blogues o link do blogue do outro.
De certo modo, é isto a fidelidade na blogosfera. Aliás, talvez seja mesmo só isto.
© [m.m. botelho]