Quando, há semanas, venceu a prova dos 800 metros nos Campeonatos do Mundo de Atletismo, em Berlim, a sul-africana Caster Semenya voltou para si os holofotes não só pelo feito impressionante, mas também porque o seu aspecto (e as suas capacidades desportivas) pareceram demasiado másculas a algumas pessoas, nomeadamente, aos dirigentes da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), que decidiram submeter o género de Semenya a análise (alegadamente devido a dúvidas suscitadas sobre a sua identidade sexual) o que, independentemente dos resultados a que venha a conduzir, é merecedor de total repúdio, por atentar contra a dignidade da atleta.
Agora, sob a pressão desses mesmo holofotes, Semenya, senhora de uns evidentemente ingénuos 18 anos, sujeita-se a envergar um vestido preto sem mangas, a pentear-se e maquilhar-se para aparecer na capa de uma revista do seu país ao lado de um título que tem tanto de insultuoso como de desprezível: «Wow, look at Caster now!» («Uau, vejam como está a Caster agora!») (fonte).
Perante isto cabe perguntar se serão as roupas, os penteados e as maquilhagens o que importa numa pessoa. Questiono-me se será Semenya "mais" ou "menos" mulher (fechando os olhos ao ridículo que é pensar-se que alguém possa ser "mais" ou "menos" mulher) consoante use vestido ou fato-de-treino. Gostava de saber o que leva Semenya a sujeitar-se a este tipo de instrumentalização, tal como gostava de saber o que passa pela cabeça dos responsáveis por esta revista para a submeterem a este tratamento humilhante. E ainda me resta uma dúvida: porque é que Semenya, uma atleta fora de série, que alcançou feitos até agora únicos, cede tão despudoradamente às pressões dos padrões convencionais, do politicamente correcto, da homogenia visual e comportamental? Afinal de contas, o que leva Semenya a sentir esta necessidade de justificação tão forte, ao ponto de a fazer suprimir a sua individualidade? Por que razão Semenya, a quem, pelo seu talento desportivo, foi dada a hipótese de ser diferente de todos os outros, quer ser enfadonhamente como os demais?
Todas estas perguntas poderão muito bem estar mal-formuladas. Talvez não seja Semenya, que sempre viveu a sua vida com o aspecto que entendeu (tendo afirmado que aceitou fazer estas fotografias não para provar nada, mas apenas para se divertir), que ser como os demais. Muito provavelmente, são os demais que querem que ela seja como eles. No entanto, Semenya comete o mais lamentável dos erros: permitir que tal aconteça.
Adenda [em 11.09.2009]
Os testes requeridos pela IAAF concluíram que Caster Semenya é portadora de uma deficiência cromossomática apresentando, simultaneamente, características masculinas e femininas. Semenya não tem útero nem ovários e possui testículos ocultos internamente. É, por isso, do ponto de vista clínico, considerada pseudo-hermafrodita. O facto de ter testículos ocultos justifica o resultado dos testes preliminares, nos quais apresentou níveis de testosterona três vezes superiores aos níveis padrão para os organismos femininos (fonte).
Como é óbvio, nada disto invalida o que deixei dito acima. Embora estes resultados possam produzir algum efeito no que toca à validação da obtenção do título de campeã do mundo da prova de 800 metros ou de futuras participações de Semenya em provas desportivas, em nada eles alteram as considerações que teci. Seja Semenya como for, continua a não ter de provar nada a ninguém, continua a ter o direito de se vestir e comportar do modo que entender que lhe é mais confortável, não precisando de assumir posturas mais ou menos "femininas" e sacramentadas por esteriótipos. Em suma, é um imperativo de dignidade que humana que lhe confere o direito ao respeito pela sua individualidade e pela sua singularidade, antes e acima de tudo.
© Marta Madalena Botelho
Agora, sob a pressão desses mesmo holofotes, Semenya, senhora de uns evidentemente ingénuos 18 anos, sujeita-se a envergar um vestido preto sem mangas, a pentear-se e maquilhar-se para aparecer na capa de uma revista do seu país ao lado de um título que tem tanto de insultuoso como de desprezível: «Wow, look at Caster now!» («Uau, vejam como está a Caster agora!») (fonte).
Perante isto cabe perguntar se serão as roupas, os penteados e as maquilhagens o que importa numa pessoa. Questiono-me se será Semenya "mais" ou "menos" mulher (fechando os olhos ao ridículo que é pensar-se que alguém possa ser "mais" ou "menos" mulher) consoante use vestido ou fato-de-treino. Gostava de saber o que leva Semenya a sujeitar-se a este tipo de instrumentalização, tal como gostava de saber o que passa pela cabeça dos responsáveis por esta revista para a submeterem a este tratamento humilhante. E ainda me resta uma dúvida: porque é que Semenya, uma atleta fora de série, que alcançou feitos até agora únicos, cede tão despudoradamente às pressões dos padrões convencionais, do politicamente correcto, da homogenia visual e comportamental? Afinal de contas, o que leva Semenya a sentir esta necessidade de justificação tão forte, ao ponto de a fazer suprimir a sua individualidade? Por que razão Semenya, a quem, pelo seu talento desportivo, foi dada a hipótese de ser diferente de todos os outros, quer ser enfadonhamente como os demais?
Todas estas perguntas poderão muito bem estar mal-formuladas. Talvez não seja Semenya, que sempre viveu a sua vida com o aspecto que entendeu (tendo afirmado que aceitou fazer estas fotografias não para provar nada, mas apenas para se divertir), que ser como os demais. Muito provavelmente, são os demais que querem que ela seja como eles. No entanto, Semenya comete o mais lamentável dos erros: permitir que tal aconteça.
Adenda [em 11.09.2009]
Os testes requeridos pela IAAF concluíram que Caster Semenya é portadora de uma deficiência cromossomática apresentando, simultaneamente, características masculinas e femininas. Semenya não tem útero nem ovários e possui testículos ocultos internamente. É, por isso, do ponto de vista clínico, considerada pseudo-hermafrodita. O facto de ter testículos ocultos justifica o resultado dos testes preliminares, nos quais apresentou níveis de testosterona três vezes superiores aos níveis padrão para os organismos femininos (fonte).
Como é óbvio, nada disto invalida o que deixei dito acima. Embora estes resultados possam produzir algum efeito no que toca à validação da obtenção do título de campeã do mundo da prova de 800 metros ou de futuras participações de Semenya em provas desportivas, em nada eles alteram as considerações que teci. Seja Semenya como for, continua a não ter de provar nada a ninguém, continua a ter o direito de se vestir e comportar do modo que entender que lhe é mais confortável, não precisando de assumir posturas mais ou menos "femininas" e sacramentadas por esteriótipos. Em suma, é um imperativo de dignidade que humana que lhe confere o direito ao respeito pela sua individualidade e pela sua singularidade, antes e acima de tudo.
© Marta Madalena Botelho