O jornal «i» noticiou hoje, uma vez mais, pela mão da jornalista Rosa Ramos, o caso do vereador da Câmara Municipal de Odivelas, Hugo Martins, que alegadamente se terá despistado ao volante de uma viatura daquela Câmara, na noite de anteontem na A9/CREL, pelas 5h30 da manhã.
A notícia refere que, após "soprar o balão", como correntemente se diz, o vereador apresentava uma taxa de alcoolemia de «1,67 gramas por litro». Mais à frente, lê-se que «a patrulha policial foi recebida, segundo o comando-geral da GNR, "de forma agressiva"» e que «um dos agentes, que entretanto terá metido baixa, partiu um dedo durante os desacatos, segundo informações avançadas pelo "Correio da Manhã" mas não confirmadas pelo comando-geral da GNR». Em parte alguma da noticia se refere que o vereador tenha insultado os agentes da GNR.
Porém, surpreendentemente, o último parágrafo desta notícia reza assim: «Agora, o vereador vai responder pelos crimes de injúrias e ofensas corporais graves. Arrisca-se a uma pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, além da inibição de conduzir por um período que poderá ir de três meses até três anos».
Vejamos.
Admitindo os factos que constam da notícia (incluindo o facto de o vereador ter partido o dedo do GNR, facto que apenas foi veiculado pelo «Correio da Manhã» e repetido em eco pelo «i», mas nunca confirmado por nenhum dos intervenientes no episódio) para pressupor que todos eles possam ser objecto de acção penal, estaríamos perante a prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
- pelas eventuais agressões a um agente de uma força pública - um crime de ofensa à integridade física simples (art. 143.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal), punido com uma pena de prisão de um mês até três anos ou com pena de multa;
- pela condução do automóvel sob efeito do álcool - um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (art. 292.º, n.º 1 do Código Penal), punido com pena de prisão de um mês até um ano ou com pena de multa até 120 dias e com uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados (art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal) pelo período mínimo de três meses e máximo de três anos.
Importa, ainda, dizer, que a pena seria aplicada em cúmulo jurídico numa pena única.
Em suma, a jornalista autora da notícia falha o alvo em dois momentos. Num primeiro, quando tenta identificar os tipos de crime eventualmente em causa, já que o crime de injúrias não tem qualquer suporte factual na notícia e o crime de ofensa à integridade física, consistindo o facto em partir um dedo, nunca poderia ser agravado. Num segundo, quando se refere às molduras penais dos crimes que menciona, já que apenas aludiu à moldura penal do crime de condução em estado de embriaguez.
A verdade é que, do ponto de vista informativo, a notícia não teria perdido absolutamente nada se aquele último parágrafo não tivesse sido escrito. Ao invés, todos teríamos ficado a ganhar, ao sermos poupados à divulgação de informação errada e imprecisa. Sempre que os jornalistas entendam ser pertinente enriquecer os artigos com menção a aspectos técnicos, bom seria que se certificassem previamente de que o que escrevem é correcto. Sempre que assim não seja, cabe lembrar aquele ditado que diz «A palavra é de prata, o silêncio é de ouro.» antes de escrever seja o que for.
Nota: Este texto foi por mim remetido, via e-mail, ao director do jornal «i» para, querendo, se pronunciar sobre o seu teor e exercer o direito de resposta. Caso alguma resposta me seja dada, publicá-la-ei aqui integralmente.
© Marta Madalena Botelho
A notícia refere que, após "soprar o balão", como correntemente se diz, o vereador apresentava uma taxa de alcoolemia de «1,67 gramas por litro». Mais à frente, lê-se que «a patrulha policial foi recebida, segundo o comando-geral da GNR, "de forma agressiva"» e que «um dos agentes, que entretanto terá metido baixa, partiu um dedo durante os desacatos, segundo informações avançadas pelo "Correio da Manhã" mas não confirmadas pelo comando-geral da GNR». Em parte alguma da noticia se refere que o vereador tenha insultado os agentes da GNR.
Porém, surpreendentemente, o último parágrafo desta notícia reza assim: «Agora, o vereador vai responder pelos crimes de injúrias e ofensas corporais graves. Arrisca-se a uma pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, além da inibição de conduzir por um período que poderá ir de três meses até três anos».
Vejamos.
Admitindo os factos que constam da notícia (incluindo o facto de o vereador ter partido o dedo do GNR, facto que apenas foi veiculado pelo «Correio da Manhã» e repetido em eco pelo «i», mas nunca confirmado por nenhum dos intervenientes no episódio) para pressupor que todos eles possam ser objecto de acção penal, estaríamos perante a prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
- pelas eventuais agressões a um agente de uma força pública - um crime de ofensa à integridade física simples (art. 143.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal), punido com uma pena de prisão de um mês até três anos ou com pena de multa;
- pela condução do automóvel sob efeito do álcool - um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (art. 292.º, n.º 1 do Código Penal), punido com pena de prisão de um mês até um ano ou com pena de multa até 120 dias e com uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados (art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal) pelo período mínimo de três meses e máximo de três anos.
Importa, ainda, dizer, que a pena seria aplicada em cúmulo jurídico numa pena única.
Em suma, a jornalista autora da notícia falha o alvo em dois momentos. Num primeiro, quando tenta identificar os tipos de crime eventualmente em causa, já que o crime de injúrias não tem qualquer suporte factual na notícia e o crime de ofensa à integridade física, consistindo o facto em partir um dedo, nunca poderia ser agravado. Num segundo, quando se refere às molduras penais dos crimes que menciona, já que apenas aludiu à moldura penal do crime de condução em estado de embriaguez.
A verdade é que, do ponto de vista informativo, a notícia não teria perdido absolutamente nada se aquele último parágrafo não tivesse sido escrito. Ao invés, todos teríamos ficado a ganhar, ao sermos poupados à divulgação de informação errada e imprecisa. Sempre que os jornalistas entendam ser pertinente enriquecer os artigos com menção a aspectos técnicos, bom seria que se certificassem previamente de que o que escrevem é correcto. Sempre que assim não seja, cabe lembrar aquele ditado que diz «A palavra é de prata, o silêncio é de ouro.» antes de escrever seja o que for.
Nota: Este texto foi por mim remetido, via e-mail, ao director do jornal «i» para, querendo, se pronunciar sobre o seu teor e exercer o direito de resposta. Caso alguma resposta me seja dada, publicá-la-ei aqui integralmente.
© Marta Madalena Botelho