A leitura deste texto da autoria de Paulo Pinto de Albuquerque revela-se profundamente proveitosa e, por isso, aconselhável a todos, mas de modo muito particular aos juristas. Aqui fica um excerto que merece destaque (negritos meus):
«O Tribunal Constitucional já se pronunciou, em Julho de 2009, sobre a natureza aberta da Constituição portuguesa em matéria de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Segundo aquele tribunal, a Constituição não impõe, mas também não proíbe, o reconhecimento jurídico do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, o legislador teria liberdade para introduzir, no direito ordinário, uma concepção "abrangente" de casamento, que inclua o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas também poderia não o fazer, preferindo uma concepção "tradicional" de casamento.
Sucede que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vai muito mais além do que o Tribunal Constitucional. Com efeito, o Tribunal Europeu já firmou jurisprudência, em três decisões fundamentais, quer sobre o conceito convencional de casamento, quer sobre os direitos parentais de um homossexual, quer sobre os direitos de adopção de pessoas homossexuais. Com efeito, no caso Goodwin, o Tribunal Europeu decidiu que o conceito convencional de casamento não tem como critério constitutivo a diferença de sexo biológico dos contratantes. [...] Mais: o Tribunal Europeu também decidiu, num caso contra Portugal, o caso Salgueiro Mouta, que os pais que vivam relações homossexuais têm direito a ter a custódia dos seus filhos, não podendo ser discriminados no processo para atribuição da guarda dos filhos em função da sua orientação sexual. Mais ainda: o Tribunal Europeu decidiu, no caso EB vs. França, que as pessoas que vivam uma relação homossexual têm direito a adoptar crianças nos mesmos termos e condições jurídicas das pessoas que vivam uma relação heterossexual, não podendo ser discriminadas no processo de autorização para adopção em função da sua orientação sexual. Em síntese, a orientação sexual da pessoa não pode servir para a discriminar juridicamente no seu relacionamento afectivo com outras pessoas, isto é, na celebração do casamento, no exercício dos seus poderes paternais e na adopção de crianças.
Do que se conclui que a decisão do Tribunal Constitucional fica aquém do padrão europeu, o que não surpreende porque o Tribunal Constitucional só ponderou a primeira das decisões referidas, esquecendo as duas outras. Se o Tribunal Constitucional tivesse tomado em consideração, como deveria, o conjunto da jurisprudência europeia e, sobretudo, a decisão da Grande Câmara do Tribunal Europeu de 2008, proferida no caso EB vs. França, teria de concluir inevitavelmente que o conceito "abrangente" de casamento, com todos os direitos e deveres legais comuns, é uma imposição do direito convencional europeu, que obriga o Estado português.»