25.3.11

traições, perdões e superações

«Não me venham com coisas. As pessoas não perdoam ou superam traições. Simplesmente aprendem a não questionar o passado, não analisar o presente e não planear o futuro.»

Até ao momento em que somos confrontados com uma traição, seja ela de que cariz for, achamos sempre que somos capazes de ultrapassar a coisa e gerir o futuro como se nada se houvesse passado, em nome do sentimento traído (seja ele o Amor, a Amizade, o Companheirismo, etc.).

Depois do confronto com a traição, há os que percebem imediatamente que a superação é impossível e que nada será como dantes, porque algo foi permanentemente alterado e não pode ser refeito e partem imediatamente para outra, arrumando o livro na prateleira e riscando as pessoas do mapa; e há os que querem tanto perdoar e superar o sucedido que fazem das tripas coração para o conseguir. Esses são os que tentam, desalmadamente, fazer tudo o que está ao seu alcance e até o que não está, para agarrarem o que restou do sentimento e dar-lhe uma dimensão idêntica à que tinha antes da traição. Nesse processo, desgastam-se tremendamente, porque é como se estivessem a tentar transformar cascalho em ouro sabendo, de antemão, que não possuem a pedra filosofal. Estuporam-se primeiro psicológica, depois fisicamente, até que chegam ao estádio em que não dormem, não comem, não riem e não conseguem trabalhar porque a desolação da revelação da impossibilidade da recuperação do cenário anterior à traição se torna uma evidência tão grande e uma realidade tão indesmentível, que só resta escorregar parede abaixo, enterrar a cabeça entre os joelhos e aceitar que é impossível, que não há volta a dar-lhe, que há algo que se perdeu, que se estragou, que é irrecuperável e que, para complicar a coisa, às vezes nem se sabe bem o que é, embora quase sempre lhe possamos chamar «confiança». Depois, é fazer o que tiver de ser feito, que é como quem diz arejar a cabeça, limpar o dia-a-dia do que está a mais, arrumar as tralhas na maleta e começar a trilhar novo rumo.

Ora, são experiências destas que nos dão a lucidez para reflectir, concluir e escrever observações como a que a Ana do «Caroço de Tangerina» escreveu.

Até há uns meses, eu fazia parte do grupo dos que acham que são capazes de ultrapassar a traição e gerir o futuro como se nada se houvesse passado, em nome do sentimento traído. Já hoje, faço parte do outro grupo e tenho o discurso totalmente oposto. É que até há uns meses, eu sabia que a traição existia como possibilidade nos relacionamentos humanos (já que também fui menina das minhas diabruras, embora apenas um par, uma delas absolutamente inconsequente e ambas perfeitamente justificáveis pela imaturidade física e, principalmente, emocional), mas nunca tinha estado na posição daquele que tem de enfrentar e lidar com a traição. Logo, tinha apenas uma pálida ideia da dificuldade que seria gerir a situação e, por isso, acreditava piamente que uma traição era passível de ser perdoada, superada e esquecida, embora admitisse que havia traições e traições e que nem tudo era igualmente resolúvel ou aceitável (depende de quem trai, com quem trai, como trai, durante quanto tempo trai e em circustâncias trai). No fundo, porque nunca tinha estado no papel daquele que é confrontado com a traição, fazia uma errónea leitura do que é que as pessoas conseguem fazer perante e depois dela porque tenho sempre a mania de achar que, à primeira vista, é tudo muito mais fácil do que na verdade é.

Hoje, eu concordo com a Ana, sem tirar nem pôr. Porém, nisto, como em tudo o resto, é possível que a doutrina divirja e, assim sendo, entendimentos diversos aceitam-se e respeitam-se, até porque cada um faz as coisas como sabe e como pode e nem todos sabemos e podemos o mesmo. Felizmente para a Humanidade, nestas coisas de lidar com a traição há de tudo, como na farmácia. O que não convém que haja é meias-tintas, que é para a coisa, volta e meia, não aflorar ao pensamento e abalar as estruturas do que se foi reerguendo a tanto custo. Ora, é essa separação das águas, essa total reabilitação do outro, essa reposição da fé e da confiança naquele que nos atraiçoou, tarefa de tal modo hercúlea e penosa, que a maior parte de nós, quando tem uma lâmina de considerável tamanho cravada nas costas, não consegue fazer. Acho que se percebe perfeitamente porquê: porque um lanho destes dói para caraças e consta que não há analgésico, antidepressivo ou ansiolítico que diminua a dor por aí além, isto é, ajuda, mas não resolve. O que dava jeito, mesmo, era que alguém inventasse o «spray do esquecimento», porque o Homem, esse, já não tem solução: imperfeito foi criado, e assim permanecerá, traindo até ao último dos seus suspiros, crente, certamente, no ditado que diz que «entre mortos e feridos, alguém há-de escapar».

© [m.m. botelho]

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