«Não me venham com coisas. As pessoas não perdoam ou superam traições. Simplesmente aprendem a não questionar o passado, não analisar o presente e não planear o futuro.»
Ana, «Não me venham com coisas», no blogue «Caroço de Tangerina»
Até ao momento em que somos confrontados com uma traição, seja ela de que cariz for, achamos sempre que somos capazes de ultrapassar a coisa e gerir o futuro como se nada se houvesse passado, em nome do sentimento traído (seja ele o Amor, a Amizade, o Companheirismo, etc.).
Depois do confronto com a traição, há os que percebem imediatamente que a superação é impossível e que nada será como dantes, porque algo foi permanentemente alterado e não pode ser refeito e partem imediatamente para outra, arrumando o livro na prateleira e riscando as pessoas do mapa; e há os que querem tanto perdoar e superar o sucedido que fazem das tripas coração para o conseguir. Esses são os que tentam, desalmadamente, fazer tudo o que está ao seu alcance e até o que não está, para agarrarem o que restou do sentimento e dar-lhe uma dimensão idêntica à que tinha antes da traição. Nesse processo, desgastam-se tremendamente, porque é como se estivessem a tentar transformar cascalho em ouro sabendo, de antemão, que não possuem a pedra filosofal. Estuporam-se primeiro psicológica, depois fisicamente, até que chegam ao estádio em que não dormem, não comem, não riem e não conseguem trabalhar porque a desolação da revelação da impossibilidade da recuperação do cenário anterior à traição se torna uma evidência tão grande e uma realidade tão indesmentível, que só resta escorregar parede abaixo, enterrar a cabeça entre os joelhos e aceitar que é impossível, que não há volta a dar-lhe, que há algo que se perdeu, que se estragou, que é irrecuperável e que, para complicar a coisa, às vezes nem se sabe bem o que é, embora quase sempre lhe possamos chamar «confiança». Depois, é fazer o que tiver de ser feito, que é como quem diz arejar a cabeça, limpar o dia-a-dia do que está a mais, arrumar as tralhas na maleta e começar a trilhar novo rumo.
Ora, são experiências destas que nos dão a lucidez para reflectir, concluir e escrever observações como a que a Ana do «Caroço de Tangerina» escreveu.
Até há uns meses, eu fazia parte do grupo dos que acham que são capazes de ultrapassar a traição e gerir o futuro como se nada se houvesse passado, em nome do sentimento traído. Já hoje, faço parte do outro grupo e tenho o discurso totalmente oposto. É que até há uns meses, eu sabia que a traição existia como possibilidade nos relacionamentos humanos (já que também fui menina das minhas diabruras, embora apenas um par, uma delas absolutamente inconsequente e ambas perfeitamente justificáveis pela imaturidade física e, principalmente, emocional), mas nunca tinha estado na posição daquele que tem de enfrentar e lidar com a traição. Logo, tinha apenas uma pálida ideia da dificuldade que seria gerir a situação e, por isso, acreditava piamente que uma traição era passível de ser perdoada, superada e esquecida, embora admitisse que havia traições e traições e que nem tudo era igualmente resolúvel ou aceitável (depende de quem trai, com quem trai, como trai, durante quanto tempo trai e em circustâncias trai). No fundo, porque nunca tinha estado no papel daquele que é confrontado com a traição, fazia uma errónea leitura do que é que as pessoas conseguem fazer perante e depois dela porque tenho sempre a mania de achar que, à primeira vista, é tudo muito mais fácil do que na verdade é.
Hoje, eu concordo com a Ana, sem tirar nem pôr. Porém, nisto, como em tudo o resto, é possível que a doutrina divirja e, assim sendo, entendimentos diversos aceitam-se e respeitam-se, até porque cada um faz as coisas como sabe e como pode e nem todos sabemos e podemos o mesmo. Felizmente para a Humanidade, nestas coisas de lidar com a traição há de tudo, como na farmácia. O que não convém que haja é meias-tintas, que é para a coisa, volta e meia, não aflorar ao pensamento e abalar as estruturas do que se foi reerguendo a tanto custo. Ora, é essa separação das águas, essa total reabilitação do outro, essa reposição da fé e da confiança naquele que nos atraiçoou, tarefa de tal modo hercúlea e penosa, que a maior parte de nós, quando tem uma lâmina de considerável tamanho cravada nas costas, não consegue fazer. Acho que se percebe perfeitamente porquê: porque um lanho destes dói para caraças e consta que não há analgésico, antidepressivo ou ansiolítico que diminua a dor por aí além, isto é, ajuda, mas não resolve. O que dava jeito, mesmo, era que alguém inventasse o «spray do esquecimento», porque o Homem, esse, já não tem solução: imperfeito foi criado, e assim permanecerá, traindo até ao último dos seus suspiros, crente, certamente, no ditado que diz que «entre mortos e feridos, alguém há-de escapar».
© [m.m. botelho]
Depois do confronto com a traição, há os que percebem imediatamente que a superação é impossível e que nada será como dantes, porque algo foi permanentemente alterado e não pode ser refeito e partem imediatamente para outra, arrumando o livro na prateleira e riscando as pessoas do mapa; e há os que querem tanto perdoar e superar o sucedido que fazem das tripas coração para o conseguir. Esses são os que tentam, desalmadamente, fazer tudo o que está ao seu alcance e até o que não está, para agarrarem o que restou do sentimento e dar-lhe uma dimensão idêntica à que tinha antes da traição. Nesse processo, desgastam-se tremendamente, porque é como se estivessem a tentar transformar cascalho em ouro sabendo, de antemão, que não possuem a pedra filosofal. Estuporam-se primeiro psicológica, depois fisicamente, até que chegam ao estádio em que não dormem, não comem, não riem e não conseguem trabalhar porque a desolação da revelação da impossibilidade da recuperação do cenário anterior à traição se torna uma evidência tão grande e uma realidade tão indesmentível, que só resta escorregar parede abaixo, enterrar a cabeça entre os joelhos e aceitar que é impossível, que não há volta a dar-lhe, que há algo que se perdeu, que se estragou, que é irrecuperável e que, para complicar a coisa, às vezes nem se sabe bem o que é, embora quase sempre lhe possamos chamar «confiança». Depois, é fazer o que tiver de ser feito, que é como quem diz arejar a cabeça, limpar o dia-a-dia do que está a mais, arrumar as tralhas na maleta e começar a trilhar novo rumo.
Ora, são experiências destas que nos dão a lucidez para reflectir, concluir e escrever observações como a que a Ana do «Caroço de Tangerina» escreveu.
Até há uns meses, eu fazia parte do grupo dos que acham que são capazes de ultrapassar a traição e gerir o futuro como se nada se houvesse passado, em nome do sentimento traído. Já hoje, faço parte do outro grupo e tenho o discurso totalmente oposto. É que até há uns meses, eu sabia que a traição existia como possibilidade nos relacionamentos humanos (já que também fui menina das minhas diabruras, embora apenas um par, uma delas absolutamente inconsequente e ambas perfeitamente justificáveis pela imaturidade física e, principalmente, emocional), mas nunca tinha estado na posição daquele que tem de enfrentar e lidar com a traição. Logo, tinha apenas uma pálida ideia da dificuldade que seria gerir a situação e, por isso, acreditava piamente que uma traição era passível de ser perdoada, superada e esquecida, embora admitisse que havia traições e traições e que nem tudo era igualmente resolúvel ou aceitável (depende de quem trai, com quem trai, como trai, durante quanto tempo trai e em circustâncias trai). No fundo, porque nunca tinha estado no papel daquele que é confrontado com a traição, fazia uma errónea leitura do que é que as pessoas conseguem fazer perante e depois dela porque tenho sempre a mania de achar que, à primeira vista, é tudo muito mais fácil do que na verdade é.
Hoje, eu concordo com a Ana, sem tirar nem pôr. Porém, nisto, como em tudo o resto, é possível que a doutrina divirja e, assim sendo, entendimentos diversos aceitam-se e respeitam-se, até porque cada um faz as coisas como sabe e como pode e nem todos sabemos e podemos o mesmo. Felizmente para a Humanidade, nestas coisas de lidar com a traição há de tudo, como na farmácia. O que não convém que haja é meias-tintas, que é para a coisa, volta e meia, não aflorar ao pensamento e abalar as estruturas do que se foi reerguendo a tanto custo. Ora, é essa separação das águas, essa total reabilitação do outro, essa reposição da fé e da confiança naquele que nos atraiçoou, tarefa de tal modo hercúlea e penosa, que a maior parte de nós, quando tem uma lâmina de considerável tamanho cravada nas costas, não consegue fazer. Acho que se percebe perfeitamente porquê: porque um lanho destes dói para caraças e consta que não há analgésico, antidepressivo ou ansiolítico que diminua a dor por aí além, isto é, ajuda, mas não resolve. O que dava jeito, mesmo, era que alguém inventasse o «spray do esquecimento», porque o Homem, esse, já não tem solução: imperfeito foi criado, e assim permanecerá, traindo até ao último dos seus suspiros, crente, certamente, no ditado que diz que «entre mortos e feridos, alguém há-de escapar».
© [m.m. botelho]