15.4.11

equilibrar a balança

Já cheguei àquele estádio da existência em que não faço as coisas 1. pelo efeito que elas têm nos outros; 2. porque os outros me digam que as faça; 3. porque são o que a mim me parece ser o melhor para os outros. A este último ponto não cheguei há muito. Mesmo sem ter muita consciência disso, padecia de uma maleita que poderíamos designar por «de vez em quando, tenho a mania de que sou Deus» e, por isso, às vezes incorria na veleidade de achar que sabia o que era melhor para os outros, principalmente quando os outros me eram muito importantes. Poderia ter resolvido a coisa comprando um cão e fazendo dele a minha cobaia para extravasar esta maleita [«Rufus, senta. Rufus, deita. Rufus, rebola. Rufus, vamos às vacinas que tu precisas de ser vacinado.»], mas não, resolvi-a mesmo tirando a coisa do meu corpinho e da minha cabeça, com muito sangue, suor e lágrimas - e sem almoços grátis.

Não me aborreço, por isso, quando as pessoas que me querem bem continuam a alertar-me para a necessidade de agir por mim e pelo que a mim me faz sentido. Já não é [tão] necessário que o façam, mas nunca é demais ouvi-lo, por isso, mais do que não me aborrecer, até agradeço. Porém, não me façam repetir muitas vezes que quando eu agora faço alguma coisa já não o faço pelos motivos que, às vezes, dantes fazia. É que eu não tenho nada que provar a ninguém, por isso, se digo o que digo é porque é verdade.

Há uma diferença entre «reacção» e «acção». Assim, ainda que possa parecer que eu estou a actuar por «reacção», pode ser que não seja bem assim. Às vezes, estou só mesmo a «agir». A confusão é possível, visto que as acções não são isoladas e vêm no seguimento de acontecimentos, mas há, repito, uma diferença entre «acção» e «reacção» e embora a fronteira seja ténue, há que a ver, porque ela existe.

Nunca fui muito de dizer ou fazer as coisas de ânimo leve e quem me conhece sabe disso. Só que lá chega o dia em que e a consciência de que não há mais nada a fazer senão limpar, cortar, arrancar. A partir do momento em que eu decido fazer isso, já nada me magoa, porque eu não deixo. Se alguém tentar magoar-me, eu devolvo. Não dou mais, nem dou menos, não acrescento uma vírgula, não faço nenhum esclarecimento. Devolvo exactamente como me enviaram. Podem, por isso, tentar atingir-me ou magoar-me, que já não conseguem. Levam troco, o mesmíssimo que me deram, porque da linha que eu tracei com a minha própria mão não passam.

Não estou a ficar uma sacana, muito pelo contrário. Estou só a deixar de dar espaço e importância ao que a não tem na minha vida. Estou, no fundo, a equilibrar uma balança que andou desalinhada demasiado tempo.

Costumava dizer, face à minha incapacidade de disfarçar quando algo me incomodava, que não era nenhum oráculo ou livro secreto, que o que se via era o que eu era. Agora posso acrescentar mais isto: «o que me deres será o que terás». A balança está, finalmente, a ficar equilibrada e nada nem ninguém vai descalibrá-la, porque eu não deixo. Palavra de honra, não deixo mesmo. Já foi tempo e foi demais.

© [m.m. botelho]

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