Acabo de ouvir bater a meia-noite. Na varanda da minha casa, ouço nada menos do que oito torres sineiras. Não há duas que toquem as horas em simultâneo. É como se em cada parte da cidade as horas chegassem a horas diferentes. Sempre achei isto curioso.
Está uma noite simplesmente maravilhosa, nem quente, nem fria. Tenho vestido um pólo, uns jeans, uns ténis e uma camisola de algodão. Tudo azul escuro. O céu está pontilhado de algumas estrelas, poucas. Vejo a lua. Não sei em que quarto está, mas arrisco que, como parece um "D", esteja em quarto crescente. Moro no centro da cidade e ouço grilos, quer de dia, quer de noite. Desconheço se algum dos meus vizinhos terá um par deles em cativeiro, mas é bem provável que tenha.
Não me apetece ler, nem escrever. Apetece-me apenas ficar aqui no silêncio da minha casa, no silêncio desta noite. Acho que, regra geral, as pessoas têm pavor ao silêncio. Eu adoro-o.
Daqui a pouco, vou para dentro, recolho a cadeira, o computador, fecho as portas de vidro, as cortinas blackout e as portadas de madeira. Talvez veja um filme. Podia estar num bar qualquer, a ter uma conversa tremendamente interessante ou simplesmente palavrosa, mas escolhi ficar por aqui. Sempre prezei muito o meu espaço, a minha casa, o meu reino onde nada nem ninguém me perturba. Gosto muito de pessoas, mas também gosto muito de estar só comigo e hoje era mesmo isso que me apetecia.
Quantos poderão, nos tempos que correm, dizer que têm tudo o que eu tenho e podem usufruir disto com o coração e a mente tranquilos e limpos? Provavelmente, muito poucos. Eu posso, eu usufruo. Devo apenas ter a humildade de reconhecer que é verdade o que o povo diz: «há males que vêm por bem». Quase me atrevo a dizer que, mais do que isso, há males que vêm para que venha o muito melhor. Por isso, talvez não sejam propriamente males. Talvez sejam só coisas que têm de nos acontecer para que nos caiam as escamas dos olhos e fiquemos a perceber o que é que, na vida, é realmente importante e prazeroso.
Não percebemos todos isso ao mesmo tempo nem na mesma fase da vida, porque tal como as torres sineiras da minha cidade batem a mesma hora em tempos diferentes, as horas não chegam à mesmo hora à vida de todas as pessoas. O importante é que cheguem. As minhas torres sineiras soam, é o que importa.
© [m.m. botelho]
Está uma noite simplesmente maravilhosa, nem quente, nem fria. Tenho vestido um pólo, uns jeans, uns ténis e uma camisola de algodão. Tudo azul escuro. O céu está pontilhado de algumas estrelas, poucas. Vejo a lua. Não sei em que quarto está, mas arrisco que, como parece um "D", esteja em quarto crescente. Moro no centro da cidade e ouço grilos, quer de dia, quer de noite. Desconheço se algum dos meus vizinhos terá um par deles em cativeiro, mas é bem provável que tenha.
Não me apetece ler, nem escrever. Apetece-me apenas ficar aqui no silêncio da minha casa, no silêncio desta noite. Acho que, regra geral, as pessoas têm pavor ao silêncio. Eu adoro-o.
Daqui a pouco, vou para dentro, recolho a cadeira, o computador, fecho as portas de vidro, as cortinas blackout e as portadas de madeira. Talvez veja um filme. Podia estar num bar qualquer, a ter uma conversa tremendamente interessante ou simplesmente palavrosa, mas escolhi ficar por aqui. Sempre prezei muito o meu espaço, a minha casa, o meu reino onde nada nem ninguém me perturba. Gosto muito de pessoas, mas também gosto muito de estar só comigo e hoje era mesmo isso que me apetecia.
Quantos poderão, nos tempos que correm, dizer que têm tudo o que eu tenho e podem usufruir disto com o coração e a mente tranquilos e limpos? Provavelmente, muito poucos. Eu posso, eu usufruo. Devo apenas ter a humildade de reconhecer que é verdade o que o povo diz: «há males que vêm por bem». Quase me atrevo a dizer que, mais do que isso, há males que vêm para que venha o muito melhor. Por isso, talvez não sejam propriamente males. Talvez sejam só coisas que têm de nos acontecer para que nos caiam as escamas dos olhos e fiquemos a perceber o que é que, na vida, é realmente importante e prazeroso.
Não percebemos todos isso ao mesmo tempo nem na mesma fase da vida, porque tal como as torres sineiras da minha cidade batem a mesma hora em tempos diferentes, as horas não chegam à mesmo hora à vida de todas as pessoas. O importante é que cheguem. As minhas torres sineiras soam, é o que importa.
© [m.m. botelho]