A solidão é um bilhete de cinema no escuro da minha carteira. A solidão é os auscultadores do meu iPod silenciosos sobre a secretária. A solidão é os meus ténis Nike azuis abandonados na sapateira. A solidão é a minha caneca do pequeno-almoço desprotegida na pia da loiça. A solidão é apenas o meu pijama mal dobrado dentro do armário. A solidão é o meu guardanapo isolado na gaveta. A solidão é a minha toalha de banho ser a única na corda a secar. A solidão é a minha escova de dentes desamparada dentro do copo.
A solidão é a minha refeição individual ultracongelada a rodar pacatamente no micro-ondas. A solidão é o comando à distância da televisão a jazer na minha mesa-de-cabeceira. A solidão é a minha chávena de chá muda no reboliço do Majestic. A solidão é as fotografias de paisagens sem gente espalhadas pela casa. A solidão é o grito aprisionado na minha boca quando acaba o papel higiénico. A solidão é ter trinta e cinco canais de televisão e todos quererem ver o mesmo. A solidão é ter de voltar ao supermercado para trazer todas as compras. A solidão é, simplesmente, não precisar de lista de compras. A solidão é saber sempre quem vai pôr o lixo à rua. A solidão é não ter de perguntar à voz do outro lado da linha com quem deseja falar.
A solidão é ter de sair do banho meio ensaboada, a tiritar de frio, para ver se o gás acabou. A solidão é o meu frasco de perfume quieto a encher a prateleira. A solidão é saber que terei de ir bater à porta do vizinho da frente se receber uma carta endereçada a outra pessoa. A solidão é a certeza de que o dispendioso chinelo que o cão está a roer é meu. A solidão é ter de preparar a minha sopa mesmo quando estou doente. A solidão é ter pagar sempre tudo mais caro só para poder comprar embalagens pequenas. A solidão é comer ovos mexidos três vezes por semana. A solidão é uma segunda almofada na minha cama somente para decoração. A solidão é sair de casa com os cabelos despenteados e só me aperceber disso quando chego ao trabalho. A solidão é acordar todos os dias monotonamente com o despertador.
A solidão é não abrir a boca para te falar. A solidão é a minha mão longe da tua. A solidão é o meu nome desemparelhado do teu. A solidão é o ar frio que entra pela porta quando tu sais.
[Também publicado em PNETcrónicas.]
© Marta Madalena Botelho
A solidão é a minha refeição individual ultracongelada a rodar pacatamente no micro-ondas. A solidão é o comando à distância da televisão a jazer na minha mesa-de-cabeceira. A solidão é a minha chávena de chá muda no reboliço do Majestic. A solidão é as fotografias de paisagens sem gente espalhadas pela casa. A solidão é o grito aprisionado na minha boca quando acaba o papel higiénico. A solidão é ter trinta e cinco canais de televisão e todos quererem ver o mesmo. A solidão é ter de voltar ao supermercado para trazer todas as compras. A solidão é, simplesmente, não precisar de lista de compras. A solidão é saber sempre quem vai pôr o lixo à rua. A solidão é não ter de perguntar à voz do outro lado da linha com quem deseja falar.
A solidão é ter de sair do banho meio ensaboada, a tiritar de frio, para ver se o gás acabou. A solidão é o meu frasco de perfume quieto a encher a prateleira. A solidão é saber que terei de ir bater à porta do vizinho da frente se receber uma carta endereçada a outra pessoa. A solidão é a certeza de que o dispendioso chinelo que o cão está a roer é meu. A solidão é ter de preparar a minha sopa mesmo quando estou doente. A solidão é ter pagar sempre tudo mais caro só para poder comprar embalagens pequenas. A solidão é comer ovos mexidos três vezes por semana. A solidão é uma segunda almofada na minha cama somente para decoração. A solidão é sair de casa com os cabelos despenteados e só me aperceber disso quando chego ao trabalho. A solidão é acordar todos os dias monotonamente com o despertador.
A solidão é não abrir a boca para te falar. A solidão é a minha mão longe da tua. A solidão é o meu nome desemparelhado do teu. A solidão é o ar frio que entra pela porta quando tu sais.
[Também publicado em PNETcrónicas.]
© Marta Madalena Botelho