Há dias, pus-me a fazer um esforço de memória para chegar a esta conclusão: foi muito pouco o que fui proibida de fazer enquanto vivi sobre a alçada familiar. Ainda passaram uns bons minutos até que eu conseguisse lembrar-me de, pelo menos, uma das poucas coisas que me estavam vedadas.
Recordo-me, por exemplo, que lá em casa não havia lugar para os pudins «Boca Doce». A publicidade que passava na televisão entrava-me todos os dias pelos olhos dentro e quase me fazia salivar só de a ver. Sem nunca o ter provado, eu imaginava como seria aquele sabor que andava nas bocas d(e todo)o mundo. Confesso que me fascinava de modo muito especial o pudim de chocolate, não por ser de chocolate – substância da qual não sou grande apreciadora –, mas pela cor e pela textura e, acima de tudo, pelo brilho com que tremelicava em cima do prato.
Um dia, lá tive o atrevimento de pedir que comprassem um pudim «Boca Doce». A minha mãe, que não tinha por hábito negar os meus pedidos só por negar, assegurou-me que eu não haveria de apreciar do sabor, já que aqueles pudins não eram como os que eu estava acostumada a comer. Depois, pacientemente, explicou-me que os ingredientes utilizados para fazer estes pudins eram em pó e não como os que eu via serem misturados nas bacias lá de casa. Eu repliquei que isso já eu sabia, mas não fazia mal. Eu desconhecia por completo o sabor daqueles pudins «da televisão» e começava a ser uma questão de vida ou morte sair daquele estado de ignorância absoluta. Perante a minha insistência, a minha mãe achou que comer umas colheradas de «Boca Doce» ao menos uma vez, nem que fosse só para provar, não haveria de trazer grande mal ao mundo.
E não trouxe. Provei o pudim, mas fiquei-me por aí. Depressa percebi que aquela massa gelatinosa opaca não era parente, nem sequer afastada, dos pudins que eu tinha comido até então. E nem o facto de se tratar do tão desejado pudim de chocolate fez qualquer diferença na apreciação final: um horror. O resto do «Boca Doce» lá ficou, debaixo de uma campânula de vidro, votado à minha total indiferença.
A partir daquele dia, o anúncio publicitário tornou-se cada vez menos fascinante: os pudins tinham uma cor menos bonita, uma textura menos atractiva e o brilho com que tremelicavam em cima do prato desapareceu, até que os «Boca Doce» acabaram por ficar completamente baços e desinteressantes.
E foi assim que, pelo preço de um «Boca Doce» e de uma desilusão infantil, fiquei a saber que o fruto proibido pode até ser o mais apetecido, mas quase nunca é o melhor.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho
Recordo-me, por exemplo, que lá em casa não havia lugar para os pudins «Boca Doce». A publicidade que passava na televisão entrava-me todos os dias pelos olhos dentro e quase me fazia salivar só de a ver. Sem nunca o ter provado, eu imaginava como seria aquele sabor que andava nas bocas d(e todo)o mundo. Confesso que me fascinava de modo muito especial o pudim de chocolate, não por ser de chocolate – substância da qual não sou grande apreciadora –, mas pela cor e pela textura e, acima de tudo, pelo brilho com que tremelicava em cima do prato.
Um dia, lá tive o atrevimento de pedir que comprassem um pudim «Boca Doce». A minha mãe, que não tinha por hábito negar os meus pedidos só por negar, assegurou-me que eu não haveria de apreciar do sabor, já que aqueles pudins não eram como os que eu estava acostumada a comer. Depois, pacientemente, explicou-me que os ingredientes utilizados para fazer estes pudins eram em pó e não como os que eu via serem misturados nas bacias lá de casa. Eu repliquei que isso já eu sabia, mas não fazia mal. Eu desconhecia por completo o sabor daqueles pudins «da televisão» e começava a ser uma questão de vida ou morte sair daquele estado de ignorância absoluta. Perante a minha insistência, a minha mãe achou que comer umas colheradas de «Boca Doce» ao menos uma vez, nem que fosse só para provar, não haveria de trazer grande mal ao mundo.
E não trouxe. Provei o pudim, mas fiquei-me por aí. Depressa percebi que aquela massa gelatinosa opaca não era parente, nem sequer afastada, dos pudins que eu tinha comido até então. E nem o facto de se tratar do tão desejado pudim de chocolate fez qualquer diferença na apreciação final: um horror. O resto do «Boca Doce» lá ficou, debaixo de uma campânula de vidro, votado à minha total indiferença.
A partir daquele dia, o anúncio publicitário tornou-se cada vez menos fascinante: os pudins tinham uma cor menos bonita, uma textura menos atractiva e o brilho com que tremelicavam em cima do prato desapareceu, até que os «Boca Doce» acabaram por ficar completamente baços e desinteressantes.
E foi assim que, pelo preço de um «Boca Doce» e de uma desilusão infantil, fiquei a saber que o fruto proibido pode até ser o mais apetecido, mas quase nunca é o melhor.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho