Nos últimos tempos tenho sido inúmeras vezes contactada pela Portugal Telecom com o intuito de me convencerem a aderir ao Meo. Já perdi a conta às vezes em que simpáticas senhoras com vozes mais ou menos agradáveis começam a debitar sempre a mesma conversa. Eu confesso que tenho imenso respeito por todo o tipo de trabalhos e ocupações e considero todas as profissões igualmente nobres e necessárias à vida em sociedade, mas só mesmo por isso é que continuo a atender o telefone e a permitir que me roubem aos dez minutos de cada vez. É que dez minutos podem até parecer quase nada em circunstâncias normais, mas pode ser imenso tempo quando há muitas coisas para fazer. Ora, regra geral, as circunstâncias em que as queridas operadoras da PT me pedem que lhes conceda dez minutos são precisamente aquelas em que não me dava jeitinho nenhum conceder-lhos. Sucede que, mercê do meu já referido respeito por todas as funções que permitem ganhar dinheiro de forma honesta, quase nunca consigo dizer-lhes que não e acabo mesmo por gramar com o paleio todo que já sei de cor e salteado.
A minha resposta é sempre a mesma: «muito obrigada, mas não estou interessada». As operadoras, invariavelmente, ficam destroçadas perante a negativa, mas lá acabam por, resignadas, aceitar o meu «não». E depois perguntam se podem perguntar porquê. E eu lá lhes dou a tal resposta que as faz sempre soltar uma gargalhada meio incontrolável, meio tímida, mas sempre suficientemente sonora para chegar ao meu lado da linha. O motivo pelo qual eu não estou interessada em aderir ao Meo, nem agora nem durante os próximos tempos, é simples: eu não tenho televisão em casa.
Não vejo onde esteja o extraordinário deste facto. Há pessoas que não têm carro, outras não têm telemóvel, outras não têm computador. Eu tenho tudo isso, só não tenho televisão. A bem da verdade, até tenho. A coitada viveu longos anos ao serviço da família que, diga-se de passagem, nunca lhe deu muito que fazer. Sendo objecto não muito usado, ninguém dela sentiu muita falta quando eu, chegada a hora de viver sozinha, perguntei se a podia "herdar" antecipadamente. Sem objecções, lá a trouxe e pus no móvel da sala, previamente concebido à sua exacta medida.
A televisão ainda funcionou um par de meses sem dar sinal de padecer de qualquer maleita. Mas as televisões, tal como os robots de cozinha, os relógios de pulso, as colheres-de-pau e o ser humano, têm um ciclo de vida. Esta não foi excepção. Numa noite de Inverno, recusou-se a transmitir o Jornal das 22h da RTP2. «Que raio», pensei eu. A luz vermelha do stand-by estava lá, mas não havia meio de transmitir imagem ou som. Aproximei o ouvido do ecrã e pude ouvir um estalido de cada vez que carregava no botão do telecomando. Era como se aquela pesada televisão me estivesse a dizer que já não tinha forças para mais e me suplicasse que, ao fim de tantos, a deixasse finalmente repousar em paz. Eu deixei.
Ainda não comprei uma televisão nova e não creio que o venha a fazer tão cedo. Do mesmo modo que nos habituamos a ligá-las quando chegamos a casa, também nos habituamos a viver sem elas. Além disso, tenho incontáveis outros destinos a dar ao meu dinheiro, os quais considero bem mais prioritários do que um televisor. Por causa da minha televisão avariada, descobri que também tenho um lado somítico que me impede de investir um pequeno balúrdio em tal objecto. Cheguei à conclusão de que pagaria mais depressa €100,00 por um frigideira anti-aderente da treta do que €200,00 por um televisor com as funções básicas (exemplo que não é de todo inocente, pois aconteceu mesmo).
Talvez esta minha recusa em substituir a minha velha televisão avariada por um destes moderníssimos ecrãs de não sei quantas polegadas seja um reflexo da crise económica que grassa pelo país fora. Talvez não o faça porque o meu subconsciente ainda acalenta a esperança de que ela um dia se decida a voltar a funcionar, tão inesperadamente como se decidiu a não o fazer. Ou talvez eu só esteja mesmo a alcançar plenamente um estádio em que a caixinha que mudou o mundo se tornou para mim um objecto dispensável. O verdadeiro motivo, ainda não o descortinei. Soubesse-o eu e di-lo-ia às prestáveis operadoras da PT que bem se esforçam por me impingir o Meo que, como está bom de ver, não teria qualquer utilidade para mim. Soubessem-no elas e talvez desistissem de me telefonar tanto. É que um dia destes, nunca se sabe, depois de tanto uso, o telefone lembra-se de se desligar para sempre e, isso sim, seria um belo «trinta e um». Não sei porquê, mas tenho cá a ligeira sensação de que eu era menina para não comprar mais nenhum.
[Também publicado em PNETmulher]
© Marta Madalena Botelho
A minha resposta é sempre a mesma: «muito obrigada, mas não estou interessada». As operadoras, invariavelmente, ficam destroçadas perante a negativa, mas lá acabam por, resignadas, aceitar o meu «não». E depois perguntam se podem perguntar porquê. E eu lá lhes dou a tal resposta que as faz sempre soltar uma gargalhada meio incontrolável, meio tímida, mas sempre suficientemente sonora para chegar ao meu lado da linha. O motivo pelo qual eu não estou interessada em aderir ao Meo, nem agora nem durante os próximos tempos, é simples: eu não tenho televisão em casa.
Não vejo onde esteja o extraordinário deste facto. Há pessoas que não têm carro, outras não têm telemóvel, outras não têm computador. Eu tenho tudo isso, só não tenho televisão. A bem da verdade, até tenho. A coitada viveu longos anos ao serviço da família que, diga-se de passagem, nunca lhe deu muito que fazer. Sendo objecto não muito usado, ninguém dela sentiu muita falta quando eu, chegada a hora de viver sozinha, perguntei se a podia "herdar" antecipadamente. Sem objecções, lá a trouxe e pus no móvel da sala, previamente concebido à sua exacta medida.
A televisão ainda funcionou um par de meses sem dar sinal de padecer de qualquer maleita. Mas as televisões, tal como os robots de cozinha, os relógios de pulso, as colheres-de-pau e o ser humano, têm um ciclo de vida. Esta não foi excepção. Numa noite de Inverno, recusou-se a transmitir o Jornal das 22h da RTP2. «Que raio», pensei eu. A luz vermelha do stand-by estava lá, mas não havia meio de transmitir imagem ou som. Aproximei o ouvido do ecrã e pude ouvir um estalido de cada vez que carregava no botão do telecomando. Era como se aquela pesada televisão me estivesse a dizer que já não tinha forças para mais e me suplicasse que, ao fim de tantos, a deixasse finalmente repousar em paz. Eu deixei.
Ainda não comprei uma televisão nova e não creio que o venha a fazer tão cedo. Do mesmo modo que nos habituamos a ligá-las quando chegamos a casa, também nos habituamos a viver sem elas. Além disso, tenho incontáveis outros destinos a dar ao meu dinheiro, os quais considero bem mais prioritários do que um televisor. Por causa da minha televisão avariada, descobri que também tenho um lado somítico que me impede de investir um pequeno balúrdio em tal objecto. Cheguei à conclusão de que pagaria mais depressa €100,00 por um frigideira anti-aderente da treta do que €200,00 por um televisor com as funções básicas (exemplo que não é de todo inocente, pois aconteceu mesmo).
Talvez esta minha recusa em substituir a minha velha televisão avariada por um destes moderníssimos ecrãs de não sei quantas polegadas seja um reflexo da crise económica que grassa pelo país fora. Talvez não o faça porque o meu subconsciente ainda acalenta a esperança de que ela um dia se decida a voltar a funcionar, tão inesperadamente como se decidiu a não o fazer. Ou talvez eu só esteja mesmo a alcançar plenamente um estádio em que a caixinha que mudou o mundo se tornou para mim um objecto dispensável. O verdadeiro motivo, ainda não o descortinei. Soubesse-o eu e di-lo-ia às prestáveis operadoras da PT que bem se esforçam por me impingir o Meo que, como está bom de ver, não teria qualquer utilidade para mim. Soubessem-no elas e talvez desistissem de me telefonar tanto. É que um dia destes, nunca se sabe, depois de tanto uso, o telefone lembra-se de se desligar para sempre e, isso sim, seria um belo «trinta e um». Não sei porquê, mas tenho cá a ligeira sensação de que eu era menina para não comprar mais nenhum.
[Também publicado em PNETmulher]
© Marta Madalena Botelho