Nunca a vi como alguém «convencional», digamos assim. Pelo menos, não depois de, tinha eu quatro ou cinco anos, me ter explicado sem rodeios como se faziam bebés, recusando o recurso ao subterfúgio da viagem da cegonha que vem de Paris. Cedo percebi que com ela não haveria assuntos interditos, até porque a vida real não se compadece com tabus de qualquer espécie para aqueles que a querem viver plenamente.
Contudo, com o afastamento físico, fui-me esquecendo destes traços característicos, da sua curiosidade sobre o que lhe é estranho, da sua voracidade em descobrir a novidade. A ausência do contacto diário como que deixou cair alguma poeira sobre isso.
Aguardando que eu terminasse um trabalho ao qual se encarregou de dar o devido destino postal, ela sentou-se em frente à minha secretária e começou a ler o «Dorme cá hoje», de João Gesta que, acabadinho de sair da minha caixa de correio, encimava uma pilha de livros.
Quando lhe entreguei o envelope contendo o trabalho por que esperava não havia sequer trinta minutos, comunicou-me que levaria consigo aquele livro, pois já o havia lido até à página 64 e gostaria de o terminar. E acrescentou que, não obstante a linguagem obscena, estava a achá-lo cativante e inteligente.
Foi assim que, com este gesto, a minha memória ficou meticulosamente limpa, não restando qualquer ponta de pó sobre a recordação desse lado sempre surpreendente da minha Mãe.
© [m.m. botelho]
Contudo, com o afastamento físico, fui-me esquecendo destes traços característicos, da sua curiosidade sobre o que lhe é estranho, da sua voracidade em descobrir a novidade. A ausência do contacto diário como que deixou cair alguma poeira sobre isso.
Aguardando que eu terminasse um trabalho ao qual se encarregou de dar o devido destino postal, ela sentou-se em frente à minha secretária e começou a ler o «Dorme cá hoje», de João Gesta que, acabadinho de sair da minha caixa de correio, encimava uma pilha de livros.
Quando lhe entreguei o envelope contendo o trabalho por que esperava não havia sequer trinta minutos, comunicou-me que levaria consigo aquele livro, pois já o havia lido até à página 64 e gostaria de o terminar. E acrescentou que, não obstante a linguagem obscena, estava a achá-lo cativante e inteligente.
Foi assim que, com este gesto, a minha memória ficou meticulosamente limpa, não restando qualquer ponta de pó sobre a recordação desse lado sempre surpreendente da minha Mãe.
© [m.m. botelho]