Raramente bebo café fora de casa. Antes de mais, porque acho obsceno o preço de um café expresso em Portugal. No Majestic, por exemplo, um café, quer seja expresso, quer seja de saco, custa a bela quantia de 1,75€. Um café simples, daqueles pretos, básicos, que sabe a café e não sabe a mais nada, repito, custa a bela quantia de 1,75€. Mas a coisa não se fica por aqui. Na Casa do Livro, um local muito agradável para conversar e estar com os amigos, custa, se a memória me não atraiçoa, 1,50€. E que dizer do Piolho D’Ouro, esse ex libris da Baixa do Porto que, para servir ao cliente um café na esplanada, cobra nada mais, nada menos do que 0,80€?
Ainda me lembro da primeira vez que me insurgi contra o aumento do preço do café. Foi há já uns anos, andava eu pelos bancos da Faculdade, naqueles tempos em que o dinheiro era sempre pouco e o tempo sempre curto para tudo o que havia para fazer e comprar, incluindo o café, ao menos depois do almoço, para a cabeça não tombar sobre a sebenta durante as animadas tardes de douta prelecção. No local onde eu costumava beber café, a reboque da cedência de lugar do escudo ao Euro, o aumento foi de quase 50%. Quando, ao longe, o empregado me atirou com o novo preço – «Cinquenta cêntimos!» – pus-me a fazer contas rápidas de cabeça: «Cinquenta cêntimos são cem escudos, ora de sessenta para cem vão quarenta...». Indignada, levantei-me da cadeira e, chegando ao balcão, disparei: «Olha lá, mas está tudo doido?! Então ainda no Natal o café custava sessenta "paus" e agora em Janeiro custa mais quarenta?». Do outro lado, a explicação: «Ah pois! O que esperavas? Se fosses tu a ter uma casa aberta para um bando de tipos que andam sempre a contar os tostões que mal lhes dá para os copos, que só abancam aqui para beber a bica, também aproveitavas a oportunidade para mexer no preço!». Obviamente, paguei o café e pirei-me. Julgo que nem preciso dizer que comecei a beber muito menos café fora de casa do que bebia até então.
Ao cabo de todo este tempo, continuo a considerar que aquela resposta foi injusta. Quem fixa os preços dos bens que vende é, claro está, o comerciante. Mas não me parece honesto para com o cliente que se inflacione o preço de determinado produto muito acima do seu valor real apenas porque é um produto muito consumido (ou mesmo o mais consumido). É indubitável que a maior parte das pessoas que lê o jornal nas esplanadas deste país consome um café ou pouco mais, mas das três uma: (1) ou se incentiva o consumo de outro tipo de produtos, nomeadamente, divulgando-os (porque é que são tão raros os locais onde é fornecida ao consumidor a informação sobre os produtos ao seu dispor sem que aquele tenha de a pedir?) ou baixando-lhes o preço; (2) ou passa a comercializar-se apenas aquilo que é procurado; (3) ou se interioriza definitivamente que a palavra «negócio» pode ter dois significados: «lucro» e «prejuízo». Onerar o consumidor de um determinado produto de modo a compensar o investimento em produtos menos procurados e dos quais, portanto, o retorno apenas será alcançado a médio prazo é no mínimo injusto e no máximo desonesto para com o cliente.
Sorrateiramente, o fenómeno do aumento excessivo e injustificado do preço do café quando o mesmo passou a ser pago em Euros ocorreu em todo o lado, mesmo em espaços onde a justificação que me foi dada naquele dia frio de Janeiro nos meus tempos de faculdade não colhe, já que comercializam em larga escala outro tipo de bens, como são bons exemplos os que referi no início deste texto. Porém, se, aqui e ali, confronto amigos e conhecidos com o facto, perguntam-me o que haverão de fazer e logo se apressam a dizer que na vizinha Espanha, em França ou em Itália o café é ainda mais caro e quase nunca de melhor qualidade. Que me importa a mim que um expresso custe 2,50€ em Barcelona ou mesmo 3,00€ em Copenhaga?!
Eu, pela minha parte, sei o que fiz. Uma vez que não queria privar-me do consumo de café (uma das minhas bebidas preferidas) comprei uma máquina de café expresso e passei a bebê-lo em casa. Posso assegurar que o trabalho de limpar/carregar o manípulo e lavar a chávena é largamente compensado pela poupança monetária e que o retorno do investimento financeiro se alcança ao fim de escassos meses.
Além disso, fazer e beber o café em casa tem uma suprema vantagem: ninguém é obrigado a levar com os malfadados pauzinhos de canela que pululam por toda a parte e que todos os proprietários de estabelecimentos de restauração acham que são apreciados pelos clientes, mesmo quando não são**. Se, ao menos, nos dessem a possibilidade de escolher entre a canela e o metal das velhinhas colheres que dobrávamos para fazer alfinetes de gravata para os trajes académicos!... Sim, isto já é a saudade do tempo de estudante a falar por mim... A saudade do tempo em que a bica depois de almoço custava apenas sessenta "paus"...
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* Se bem que, às vezes, a prelecção causasse sonolência, não se pense que a culpa era sempre imputável aos Mestres, por quem, aliás, na sua maioria, tenho elevada consideração académica. A estafa era, as mais das vezes, a própria matéria...
** A minha indignação é suscitada por solidariedade, já que eu não adoço nem mexo o café.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho
Ainda me lembro da primeira vez que me insurgi contra o aumento do preço do café. Foi há já uns anos, andava eu pelos bancos da Faculdade, naqueles tempos em que o dinheiro era sempre pouco e o tempo sempre curto para tudo o que havia para fazer e comprar, incluindo o café, ao menos depois do almoço, para a cabeça não tombar sobre a sebenta durante as animadas tardes de douta prelecção. No local onde eu costumava beber café, a reboque da cedência de lugar do escudo ao Euro, o aumento foi de quase 50%. Quando, ao longe, o empregado me atirou com o novo preço – «Cinquenta cêntimos!» – pus-me a fazer contas rápidas de cabeça: «Cinquenta cêntimos são cem escudos, ora de sessenta para cem vão quarenta...». Indignada, levantei-me da cadeira e, chegando ao balcão, disparei: «Olha lá, mas está tudo doido?! Então ainda no Natal o café custava sessenta "paus" e agora em Janeiro custa mais quarenta?». Do outro lado, a explicação: «Ah pois! O que esperavas? Se fosses tu a ter uma casa aberta para um bando de tipos que andam sempre a contar os tostões que mal lhes dá para os copos, que só abancam aqui para beber a bica, também aproveitavas a oportunidade para mexer no preço!». Obviamente, paguei o café e pirei-me. Julgo que nem preciso dizer que comecei a beber muito menos café fora de casa do que bebia até então.
Ao cabo de todo este tempo, continuo a considerar que aquela resposta foi injusta. Quem fixa os preços dos bens que vende é, claro está, o comerciante. Mas não me parece honesto para com o cliente que se inflacione o preço de determinado produto muito acima do seu valor real apenas porque é um produto muito consumido (ou mesmo o mais consumido). É indubitável que a maior parte das pessoas que lê o jornal nas esplanadas deste país consome um café ou pouco mais, mas das três uma: (1) ou se incentiva o consumo de outro tipo de produtos, nomeadamente, divulgando-os (porque é que são tão raros os locais onde é fornecida ao consumidor a informação sobre os produtos ao seu dispor sem que aquele tenha de a pedir?) ou baixando-lhes o preço; (2) ou passa a comercializar-se apenas aquilo que é procurado; (3) ou se interioriza definitivamente que a palavra «negócio» pode ter dois significados: «lucro» e «prejuízo». Onerar o consumidor de um determinado produto de modo a compensar o investimento em produtos menos procurados e dos quais, portanto, o retorno apenas será alcançado a médio prazo é no mínimo injusto e no máximo desonesto para com o cliente.
Sorrateiramente, o fenómeno do aumento excessivo e injustificado do preço do café quando o mesmo passou a ser pago em Euros ocorreu em todo o lado, mesmo em espaços onde a justificação que me foi dada naquele dia frio de Janeiro nos meus tempos de faculdade não colhe, já que comercializam em larga escala outro tipo de bens, como são bons exemplos os que referi no início deste texto. Porém, se, aqui e ali, confronto amigos e conhecidos com o facto, perguntam-me o que haverão de fazer e logo se apressam a dizer que na vizinha Espanha, em França ou em Itália o café é ainda mais caro e quase nunca de melhor qualidade. Que me importa a mim que um expresso custe 2,50€ em Barcelona ou mesmo 3,00€ em Copenhaga?!
Eu, pela minha parte, sei o que fiz. Uma vez que não queria privar-me do consumo de café (uma das minhas bebidas preferidas) comprei uma máquina de café expresso e passei a bebê-lo em casa. Posso assegurar que o trabalho de limpar/carregar o manípulo e lavar a chávena é largamente compensado pela poupança monetária e que o retorno do investimento financeiro se alcança ao fim de escassos meses.
Além disso, fazer e beber o café em casa tem uma suprema vantagem: ninguém é obrigado a levar com os malfadados pauzinhos de canela que pululam por toda a parte e que todos os proprietários de estabelecimentos de restauração acham que são apreciados pelos clientes, mesmo quando não são**. Se, ao menos, nos dessem a possibilidade de escolher entre a canela e o metal das velhinhas colheres que dobrávamos para fazer alfinetes de gravata para os trajes académicos!... Sim, isto já é a saudade do tempo de estudante a falar por mim... A saudade do tempo em que a bica depois de almoço custava apenas sessenta "paus"...
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* Se bem que, às vezes, a prelecção causasse sonolência, não se pense que a culpa era sempre imputável aos Mestres, por quem, aliás, na sua maioria, tenho elevada consideração académica. A estafa era, as mais das vezes, a própria matéria...
** A minha indignação é suscitada por solidariedade, já que eu não adoço nem mexo o café.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho