Faço parte daquele grupo de gente que aos trinta anos parece que tem vinte. Não por causa do aspecto físico, já que as evidências de umas quantas directas ou noites mal dormidas porque demasiado bem passadas não me permitem manter um ar assim tão jovem e inocente quanto o que se tem aos vinte anos, mas sim no que respeita à independência. Eu explico.
Aos vinte anos eu vivia sozinha numa cidade distante daquela onde vivia a minha família. Aos vinte anos eu tinha a carteira confortavelmente forrada de notas para prover às minhas necessidades mais prementes (consumos culturais e de lazer, essencialmente, que aos vinte anos queremos ver, ouvir experimentar e descobrir tudo mesmo que não percebamos absolutamente nada), necessidades essas que era eu quem definia. Mas aos vinte anos eu tinha quem me lavasse e engomasse a roupa, me preparasse as refeições, tratasse do meu seguro de saúde, pagasse as minhas propinas, levasse o carro à revisão. Era um ser autónomo numa considerável parte da minha vida, mas pouco dado a independências nas matérias ditas "chatas".
Aos (quase) trinta anos, tal como aos vinte, vivo sozinha e continuo a ser eu a definir as minhas necessidades (embora agora o dinheiro com que as satisfaço seja fruto do meu próprio trabalho e não de uma saudosa mesada). Já não preciso de quem cozinhe o que vou comer ou pague as minhas propinas, mas há ainda um campo de coincidência entre alguns aspectos nas duas idades, relativas a pormenores que não é suposto que existam aos vinte, mas é praticamente obrigatório que ocorram aos trinta.
Falo, por exemplo, de coisas tão simples como desentupir uma sanita. Por muito complicado que pareça, acreditem, é algo bastante acessível. Na maior parte dos casos, basta bombear três ou quatro vezes com um desentupidor no orifício da sanita e ela volta a funcionar como nos seus melhores dias. O exemplo não é inocente, claro: aconteceu cá por casa esta semana.
Como menina desenrascada que me prezo de ser, assim que dei pelo inesperado ocorrido, respirei fundo e pensei imediatamente em procurar a solução no remédio santo para todos os males das gentes solteiras e que vivem sozinhas, esse maravilhoso mundo da internet. Aí fiquei a saber que me bastaria aplicar umas quantas colheres de um composto de hidróxido de sódio (a que também se dá o nome de soda cáustica) na sanita, regar tudo com um litro de água a ferver e esperar trinta minutos. Depois seria só lavar abundantemente com água bem quente e o problema estaria resolvido.
Fui espreitar no armário dos produtos químicos, mas da soda cáustica nem sinal. Lá tive de fazer uma passagem pelo supermercado para comprar uma embalagem do composto químico e um par de luvas de borracha, atento o meu tremendo (desa)jeito para tarefas que impliquem precisão. Mal cheguei a casa, enfiei orgulhosamente as luvas, despejei a soda cáustica pela sanita abaixo e atirei-lhe com um litro de água a escaldar. Depois fechei o tampo, a porta da casa-de-banho e fui empregar o tempo noutra coisa qualquer. Quando o telemóvel me avisou que já tinham passado trinta minutos, fui espreitar a minha sanita. Sucede que, depois de uns quantos litros de água a ferver como me recomendava a informação recolhida na internet, a sanita continuava entupida. Repeti o procedimento várias vezes, mas de todas elas sem resultados. Acabei por desistir.
O que é que, numa situação destas, faz uma daquelas pessoas que aos trinta anos parece que tem vinte? Telefona à mãe, claro, e pede-lhe socorro, auxílio, que a venha salvar das garras da tarefa hercúlea que lhe atormenta o corpo e a alma e que, de preferência, não demore mais do que cinco minutos a chegar. Se tivermos sorte, a nossa mãe atenderá o nosso suplicante rogo. Umas horas depois, a minha mãe chegou. Mal viu o triste espectáculo da minha sanita perguntou o que lhe pareceu mais óbvio: «Já experimentaste bombear com o desentupidor?». A seguir à minha envergonhada resposta negativa, tive de engolir em seco um «Bom, parece-me que é básico, não, Marta?». Claro, é «básico» para quem o sabe ou para quem já passou por situação semelhante, não para mim, uma novata nestas coisas cujo único entupimento com o qual está familiarizada é o das fossas nasais...
Escusado será dizer que em três tempos a sanita ficou perfeitamente operacional. Depois de me despedir da minha super-mãe-salvadora-que-tem-sempre-solução-para-tudo, pus-me a pensar no quanto ainda sou dependente dos seus sábios gestos. A verdade é que continuo a recorrer a ela quando tenho febre, quanto tenho uma nódoa na roupa, quando o esquentador não dispara, quando o carro não arranca, quando me cai um botão das calças ou quando é preciso ir tratar das papeladas dos impostos. E quem diz nestas situações, diz em muitas outras. Aos trinta anos, a minha mãe sabia fazer tudo isto e muito mais sozinha, sem precisar da ajuda de ninguém. Aos trinta anos, a minha mãe parecia ter trinta anos e não vinte, como eu.
O mais surpreendente no meio de tudo isto é que eu não sou caso único e se pensar nos amigos da minha idade, muitos deles continuam tão dependentes das mães e dos pais como eu. Não sei se isto significa que a minha geração cresceu mais devagar, se significa que cresceu em sentido diferente, embora queira muito convencer-me de que a segunda alternativa é a correcta. Julgo, porém, que dependências destas nada têm de mal, desde que não se mantenham para sempre e sirvam de lição para ocasiões futuras. Pela minha parte posso garantir que nunca mais me esquecerei de como se desentope uma sanita e me ofereço para explicar a quem não souber.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
Aos vinte anos eu vivia sozinha numa cidade distante daquela onde vivia a minha família. Aos vinte anos eu tinha a carteira confortavelmente forrada de notas para prover às minhas necessidades mais prementes (consumos culturais e de lazer, essencialmente, que aos vinte anos queremos ver, ouvir experimentar e descobrir tudo mesmo que não percebamos absolutamente nada), necessidades essas que era eu quem definia. Mas aos vinte anos eu tinha quem me lavasse e engomasse a roupa, me preparasse as refeições, tratasse do meu seguro de saúde, pagasse as minhas propinas, levasse o carro à revisão. Era um ser autónomo numa considerável parte da minha vida, mas pouco dado a independências nas matérias ditas "chatas".
Aos (quase) trinta anos, tal como aos vinte, vivo sozinha e continuo a ser eu a definir as minhas necessidades (embora agora o dinheiro com que as satisfaço seja fruto do meu próprio trabalho e não de uma saudosa mesada). Já não preciso de quem cozinhe o que vou comer ou pague as minhas propinas, mas há ainda um campo de coincidência entre alguns aspectos nas duas idades, relativas a pormenores que não é suposto que existam aos vinte, mas é praticamente obrigatório que ocorram aos trinta.
Falo, por exemplo, de coisas tão simples como desentupir uma sanita. Por muito complicado que pareça, acreditem, é algo bastante acessível. Na maior parte dos casos, basta bombear três ou quatro vezes com um desentupidor no orifício da sanita e ela volta a funcionar como nos seus melhores dias. O exemplo não é inocente, claro: aconteceu cá por casa esta semana.
Como menina desenrascada que me prezo de ser, assim que dei pelo inesperado ocorrido, respirei fundo e pensei imediatamente em procurar a solução no remédio santo para todos os males das gentes solteiras e que vivem sozinhas, esse maravilhoso mundo da internet. Aí fiquei a saber que me bastaria aplicar umas quantas colheres de um composto de hidróxido de sódio (a que também se dá o nome de soda cáustica) na sanita, regar tudo com um litro de água a ferver e esperar trinta minutos. Depois seria só lavar abundantemente com água bem quente e o problema estaria resolvido.
Fui espreitar no armário dos produtos químicos, mas da soda cáustica nem sinal. Lá tive de fazer uma passagem pelo supermercado para comprar uma embalagem do composto químico e um par de luvas de borracha, atento o meu tremendo (desa)jeito para tarefas que impliquem precisão. Mal cheguei a casa, enfiei orgulhosamente as luvas, despejei a soda cáustica pela sanita abaixo e atirei-lhe com um litro de água a escaldar. Depois fechei o tampo, a porta da casa-de-banho e fui empregar o tempo noutra coisa qualquer. Quando o telemóvel me avisou que já tinham passado trinta minutos, fui espreitar a minha sanita. Sucede que, depois de uns quantos litros de água a ferver como me recomendava a informação recolhida na internet, a sanita continuava entupida. Repeti o procedimento várias vezes, mas de todas elas sem resultados. Acabei por desistir.
O que é que, numa situação destas, faz uma daquelas pessoas que aos trinta anos parece que tem vinte? Telefona à mãe, claro, e pede-lhe socorro, auxílio, que a venha salvar das garras da tarefa hercúlea que lhe atormenta o corpo e a alma e que, de preferência, não demore mais do que cinco minutos a chegar. Se tivermos sorte, a nossa mãe atenderá o nosso suplicante rogo. Umas horas depois, a minha mãe chegou. Mal viu o triste espectáculo da minha sanita perguntou o que lhe pareceu mais óbvio: «Já experimentaste bombear com o desentupidor?». A seguir à minha envergonhada resposta negativa, tive de engolir em seco um «Bom, parece-me que é básico, não, Marta?». Claro, é «básico» para quem o sabe ou para quem já passou por situação semelhante, não para mim, uma novata nestas coisas cujo único entupimento com o qual está familiarizada é o das fossas nasais...
Escusado será dizer que em três tempos a sanita ficou perfeitamente operacional. Depois de me despedir da minha super-mãe-salvadora-que-tem-sempre-solução-para-tudo, pus-me a pensar no quanto ainda sou dependente dos seus sábios gestos. A verdade é que continuo a recorrer a ela quando tenho febre, quanto tenho uma nódoa na roupa, quando o esquentador não dispara, quando o carro não arranca, quando me cai um botão das calças ou quando é preciso ir tratar das papeladas dos impostos. E quem diz nestas situações, diz em muitas outras. Aos trinta anos, a minha mãe sabia fazer tudo isto e muito mais sozinha, sem precisar da ajuda de ninguém. Aos trinta anos, a minha mãe parecia ter trinta anos e não vinte, como eu.
O mais surpreendente no meio de tudo isto é que eu não sou caso único e se pensar nos amigos da minha idade, muitos deles continuam tão dependentes das mães e dos pais como eu. Não sei se isto significa que a minha geração cresceu mais devagar, se significa que cresceu em sentido diferente, embora queira muito convencer-me de que a segunda alternativa é a correcta. Julgo, porém, que dependências destas nada têm de mal, desde que não se mantenham para sempre e sirvam de lição para ocasiões futuras. Pela minha parte posso garantir que nunca mais me esquecerei de como se desentope uma sanita e me ofereço para explicar a quem não souber.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho