A partir de hoje restam apenas três dias de 2008, que é como quem diz, de ano velho. Logo a seguir, seremos todos presenteados com um pacote de 365 dias novinhos em folha, a estrear, a que chamaremos 2009. Diz-se por aí que será um ano de crise económica, de crise de valores, de crise no futebol, de crise na justiça, de crise na religião, de crise em tudo o que é canto. Esperemos, sinceramente, que, pelo menos, se salvem os éclairs da Leitaria da Quinta do Paço de que falei na crónica passada!
Na verdade, ninguém sabe como será o ano que aí vem, embora não faltem astrólogas e quejandos a anunciarem nas páginas dos jornais que detêm o precioso segredo do futuro. Não detêm, claro, mas a liberdade de expressão e as necessidades financeiras da imprensa escrita obrigam-nos a levarmos tanto com a verdade como com a mentira e, por isso, mais não resta do que cogitar sobre as universidades onde tal gente terá tirado o curso que lhes valeu o título de «professor»...
Tal como estes indivíduos com um especial fascínio por bolas de cristal, nenhum outro comum mortal é senhor do que haverá de vir. Em suma, andamos todos às apalpadelas à vida – uns mais, outros menos, claro – mas todos numa evidente salutar ignorância. Digo salutar porque, a este propósito, recordo-me de ouvir um professor (mas daqueles a sério, com doutoramento e tudo) dizer, em referência aos exames genéticos que permitem determinar a esperança de média de vida em função de factores hereditários, que, invariavelmente, ninguém é feliz a partir do dia em que conhece a data da sua morte, ou, pelo menos, o período de tempo em que a mesma pode estar iminente.
Transpondo, sem mais, o raciocínio, seríamos levados a crer que, de igual modo, seríamos todos profundamente infelizes logo a partir do dia 1 de Janeiro se soubéssemos o que vai acontecer no resto do ano, o que me parece um excelente motivo para não recorrer aos serviços da Maya, mas cada um sabe de si.
Voltando ao que importa, o factor surpresa parece, portanto, determinante para que nos sintamos entusiasmados para, além de estrear um novo ano, estrearmos cada um dos dias que o compõem. Talvez seja por isso, por causa dessa ausência de factor surpresa que, frequentemente, os últimos dias de Dezembro são dias negligenciados. Aqui entre nós: eu, no lugar do dia 31 de Dezembro, sentir-me-ia profundamente desanimada se, ano após ano, me visse descurada por causa do dia seguinte.
Convém não esquecer que o último dia do ano também o integra e, mais do que isso, que também é um dia, ou seja, uma dádiva, e que deve ser vivido com a mesma paixão, a mesma entrega e o mesmo sentimento de gratidão de todos os outros dias do ano. Lá porque é a chave que encerra o chamado «ano velho», não é necessariamente uma chave de latão.
Em suma, tenho de concluir que as palavras do meu insigne professor não se aplicam a tudo: lá porque já sabemos que o dia em que 2008 haverá de morrer é a próxima quarta-feira, ou seja, que poucos ou nenhuns cartuchos de factor surpresa restarão para queimar nesse dia, tal não deve ser sinónimo de desinteresse e, muito menos, de infelicidade.
Pela minha parte, tenciono, desta vez, encarar o último dia do ano com a mesmíssima alegria com que encarei o primeiro, independentemente de tudo. Afinal de contas, só haverá um dia 31 de Dezembro de 2008 e eu continuarei a ser uma privilegiada por vivê-lo, a cada segundo, até ao último dos segundos.
E faço votos, também para que todos sejamos capazes de encerrar 2008 como ele merece ser encerrado: não com chave de latão, mas com chave de ouro.
E que seja um muito feliz 2009!
[Também publicado emPnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
Na verdade, ninguém sabe como será o ano que aí vem, embora não faltem astrólogas e quejandos a anunciarem nas páginas dos jornais que detêm o precioso segredo do futuro. Não detêm, claro, mas a liberdade de expressão e as necessidades financeiras da imprensa escrita obrigam-nos a levarmos tanto com a verdade como com a mentira e, por isso, mais não resta do que cogitar sobre as universidades onde tal gente terá tirado o curso que lhes valeu o título de «professor»...
Tal como estes indivíduos com um especial fascínio por bolas de cristal, nenhum outro comum mortal é senhor do que haverá de vir. Em suma, andamos todos às apalpadelas à vida – uns mais, outros menos, claro – mas todos numa evidente salutar ignorância. Digo salutar porque, a este propósito, recordo-me de ouvir um professor (mas daqueles a sério, com doutoramento e tudo) dizer, em referência aos exames genéticos que permitem determinar a esperança de média de vida em função de factores hereditários, que, invariavelmente, ninguém é feliz a partir do dia em que conhece a data da sua morte, ou, pelo menos, o período de tempo em que a mesma pode estar iminente.
Transpondo, sem mais, o raciocínio, seríamos levados a crer que, de igual modo, seríamos todos profundamente infelizes logo a partir do dia 1 de Janeiro se soubéssemos o que vai acontecer no resto do ano, o que me parece um excelente motivo para não recorrer aos serviços da Maya, mas cada um sabe de si.
Voltando ao que importa, o factor surpresa parece, portanto, determinante para que nos sintamos entusiasmados para, além de estrear um novo ano, estrearmos cada um dos dias que o compõem. Talvez seja por isso, por causa dessa ausência de factor surpresa que, frequentemente, os últimos dias de Dezembro são dias negligenciados. Aqui entre nós: eu, no lugar do dia 31 de Dezembro, sentir-me-ia profundamente desanimada se, ano após ano, me visse descurada por causa do dia seguinte.
Convém não esquecer que o último dia do ano também o integra e, mais do que isso, que também é um dia, ou seja, uma dádiva, e que deve ser vivido com a mesma paixão, a mesma entrega e o mesmo sentimento de gratidão de todos os outros dias do ano. Lá porque é a chave que encerra o chamado «ano velho», não é necessariamente uma chave de latão.
Em suma, tenho de concluir que as palavras do meu insigne professor não se aplicam a tudo: lá porque já sabemos que o dia em que 2008 haverá de morrer é a próxima quarta-feira, ou seja, que poucos ou nenhuns cartuchos de factor surpresa restarão para queimar nesse dia, tal não deve ser sinónimo de desinteresse e, muito menos, de infelicidade.
Pela minha parte, tenciono, desta vez, encarar o último dia do ano com a mesmíssima alegria com que encarei o primeiro, independentemente de tudo. Afinal de contas, só haverá um dia 31 de Dezembro de 2008 e eu continuarei a ser uma privilegiada por vivê-lo, a cada segundo, até ao último dos segundos.
E faço votos, também para que todos sejamos capazes de encerrar 2008 como ele merece ser encerrado: não com chave de latão, mas com chave de ouro.
E que seja um muito feliz 2009!
[Também publicado emPnetMulher]
© Marta Madalena Botelho