Aqui entre nós que ninguém nos ouve: já estou fartinha até à ponta dos cabelos – e a minha melena é bem comprida, note-se! – de so called casos de justiça mediáticos em Portugal.
Seja no café, no quiosque ou no táxi, as conversas são sempre as mesmas, como são sempre as mesmas notícias a abrirem os telejornais, as mesmas parangonas nas primeiras páginas das revistas, para já não falar nas entrevistas, comentários e debates sobre o mesmo assunto, dias e dias a fio. Se não é a crise, é o Freeport, se não é o Freeport, são os despedimentos, se não é nenhuma das três é a crise da Justiça. Para além da maçada que é a falta de variedade dos temas, é extenuante ter de repetir os mesmos argumentos perante aspectos que são sistematicamente distorcidos pela comunicação social e repetidos até à náusea por pessoas que compram tudo o que lhes põem diante do nariz sem questionar. Nem Job, essa personagem bíblica inspiradora para todos os pais de filhos adolescentes, aguentaria tamanha provação.
Na sexta-feira à noite, num inexplicável exercício de masoquismo, sujeitei-me a ver o telejornal da TVI – e o telecomando ali tão perto, bastando simplesmente mudar de canal e pôr termo à dor! Estóica e incompreensivelmente, ouvi Manuela Moura Guedes fazer o relato das desgraças que assolam o país – desde a crise económica à quase inexistente assistência médica em algumas localidades, passando pela queda acentuada do índice PSI20, pelos prejuízos que a neve causou às colheitas e que ninguém se prontifica a indemnizar, pelas preocupações do Presidente da República com a pobreza potenciada pelo novo regime jurídico do divórcio – tudo muito composto num pomposo ramalhete por fim enfeitado pelo anúncio de um fim-de-semana chuvoso.
A cereja no topo do bolo que a TVI oferece todas as sextas-feiras à noite aos que resistem até ao fim de tamanha tortura – à qual se junta a inadjectivável aparência da pivot – é o comentário de Vasco Pulido Valente. Para esse, confesso, não sobrou dentro de mim uma réstia de paciência e tudo por causa da badalada entrevista a um senhor cujo nome não fixei (não é grave, certamente ouvirei falar dele ininterruptamente durante as próximas semanas), mas sobre quem tudo o que interessa saber é que conduz um Bentley e é tio de José Sócrates, a quem trata por «Zezito».
Trata-se da mesma pessoa que terá proferido as declarações que põem em causa o que o Primeiro-Ministro anda a apregoar desde 2005. O tio de Zezito afirma que foi ele próprio a entabular conversações com os representantes da Smith&Pedro para a realização de uma reunião entre estes e o então ministro do ambiente, reunião essa que este último nega ter ocorrido, garantindo até que não conhece Charles Smith. O tio de Zezito anda, portanto, a tramá-lo, tal como no passado fizeram outros, não se sabe ao certo porquê, embora no interior da sua cabecinha cada português – esse perito em investigação criminal com faro para detectar a marosca mais apurado do que o de um perdigueiro – tenha uma explicação diferente para tal.
Quer em entrevistas dadas pelo tio, quer um pouco por toda a parte, facto é que Zezito dá que falar. Depois das especulações sobre a sua orientação sexual, das dúvidas que rodearam a sua licenciatura em Engenharia na Universidade Independente, da celeuma causada pelos projectos improváveis que aprovou na Covilhã e de um pedido de desculpas público a que se viu submetido por causa de umas proibidas fumaças num avião, Sócrates vê-se novamente a braços com as especulações de uma imprensa sequiosa de escândalos e, talvez por isso, nem sempre muito rigorosa e com uma investigação criminal que se antevê prudente mas incisiva ao seu passado político.
Qualificando as polémicas que envolvem o Primeiro-Ministro há quem fale em «campanha negra», «cabala política», «ignomínia». A verdade contudo, é que apesar de tanto cheirar a esturro, José Sócrates parece nunca sair chamuscado. A principal prova de fogo será alcançar a vitória nas eleições legislativas deste ano, mas não será, certamente, a última. Sócrates parece ser uma caixinha de surpresas cheia de esqueletos no armário e sempre que um abana, o Primeiro-Ministro queixa-se de «perseguição». E o azar de Zezito é tanto que, mesmo com um sem-número de inimigos políticos, logo a bomba haveria de estoirar graças às inteligentes frases de um... tio. Com uma família assim, quem é que precisa de oposição? Não há pachorra, indeed.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho
Seja no café, no quiosque ou no táxi, as conversas são sempre as mesmas, como são sempre as mesmas notícias a abrirem os telejornais, as mesmas parangonas nas primeiras páginas das revistas, para já não falar nas entrevistas, comentários e debates sobre o mesmo assunto, dias e dias a fio. Se não é a crise, é o Freeport, se não é o Freeport, são os despedimentos, se não é nenhuma das três é a crise da Justiça. Para além da maçada que é a falta de variedade dos temas, é extenuante ter de repetir os mesmos argumentos perante aspectos que são sistematicamente distorcidos pela comunicação social e repetidos até à náusea por pessoas que compram tudo o que lhes põem diante do nariz sem questionar. Nem Job, essa personagem bíblica inspiradora para todos os pais de filhos adolescentes, aguentaria tamanha provação.
Na sexta-feira à noite, num inexplicável exercício de masoquismo, sujeitei-me a ver o telejornal da TVI – e o telecomando ali tão perto, bastando simplesmente mudar de canal e pôr termo à dor! Estóica e incompreensivelmente, ouvi Manuela Moura Guedes fazer o relato das desgraças que assolam o país – desde a crise económica à quase inexistente assistência médica em algumas localidades, passando pela queda acentuada do índice PSI20, pelos prejuízos que a neve causou às colheitas e que ninguém se prontifica a indemnizar, pelas preocupações do Presidente da República com a pobreza potenciada pelo novo regime jurídico do divórcio – tudo muito composto num pomposo ramalhete por fim enfeitado pelo anúncio de um fim-de-semana chuvoso.
A cereja no topo do bolo que a TVI oferece todas as sextas-feiras à noite aos que resistem até ao fim de tamanha tortura – à qual se junta a inadjectivável aparência da pivot – é o comentário de Vasco Pulido Valente. Para esse, confesso, não sobrou dentro de mim uma réstia de paciência e tudo por causa da badalada entrevista a um senhor cujo nome não fixei (não é grave, certamente ouvirei falar dele ininterruptamente durante as próximas semanas), mas sobre quem tudo o que interessa saber é que conduz um Bentley e é tio de José Sócrates, a quem trata por «Zezito».
Trata-se da mesma pessoa que terá proferido as declarações que põem em causa o que o Primeiro-Ministro anda a apregoar desde 2005. O tio de Zezito afirma que foi ele próprio a entabular conversações com os representantes da Smith&Pedro para a realização de uma reunião entre estes e o então ministro do ambiente, reunião essa que este último nega ter ocorrido, garantindo até que não conhece Charles Smith. O tio de Zezito anda, portanto, a tramá-lo, tal como no passado fizeram outros, não se sabe ao certo porquê, embora no interior da sua cabecinha cada português – esse perito em investigação criminal com faro para detectar a marosca mais apurado do que o de um perdigueiro – tenha uma explicação diferente para tal.
Quer em entrevistas dadas pelo tio, quer um pouco por toda a parte, facto é que Zezito dá que falar. Depois das especulações sobre a sua orientação sexual, das dúvidas que rodearam a sua licenciatura em Engenharia na Universidade Independente, da celeuma causada pelos projectos improváveis que aprovou na Covilhã e de um pedido de desculpas público a que se viu submetido por causa de umas proibidas fumaças num avião, Sócrates vê-se novamente a braços com as especulações de uma imprensa sequiosa de escândalos e, talvez por isso, nem sempre muito rigorosa e com uma investigação criminal que se antevê prudente mas incisiva ao seu passado político.
Qualificando as polémicas que envolvem o Primeiro-Ministro há quem fale em «campanha negra», «cabala política», «ignomínia». A verdade contudo, é que apesar de tanto cheirar a esturro, José Sócrates parece nunca sair chamuscado. A principal prova de fogo será alcançar a vitória nas eleições legislativas deste ano, mas não será, certamente, a última. Sócrates parece ser uma caixinha de surpresas cheia de esqueletos no armário e sempre que um abana, o Primeiro-Ministro queixa-se de «perseguição». E o azar de Zezito é tanto que, mesmo com um sem-número de inimigos políticos, logo a bomba haveria de estoirar graças às inteligentes frases de um... tio. Com uma família assim, quem é que precisa de oposição? Não há pachorra, indeed.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho