placa toponímica da Praça Dr. Oliveira Salazar, em Odemira, existente há largos anos.
[fotografia de Luís Bonifácio]
[fotografia de Luís Bonifácio]
CComo muitos, também eu achei inusitada a escolha do dia 25 de Abril para a inauguração da Praça António de Oliveira Salazar em Santa Comba Dão. Com tantos dias no calendário foi, dir-se-ia, provocatório fazer coincidir uma homenagem a Salazar com o dia em quem se cumpriam 35 anos sobre o princípio do fim de uma era tão negativamente marcada pelo seu espectro.
Porém, coincidências de datas à parte, devo dizer que não me perturba minimamente que Santa Comba Dão tenha atribuído a uma praça o nome de um filho da terra. Há que compreender as razões que levaram a isso e, para tanto, convém não esquecer que Salazar não foi só o odioso presidente do Conselho que instaurou uma ditadura antiliberal e anticomunista em Portugal, mas também um conterrâneo daquelas gentes (já que nasceu no Vimieiro, uma freguesia do concelho de Santa Comba Dão) e, ainda, um brilhante professor de Direito e um notável académico na sua área (formou-se com 19 valores em Direito, em Coimbra, onde foi regente da cadeira de Economia e Finanças Públicas e se doutorou com apenas 29 anos). Embora a memória colectiva e mais recente tenda a realçar apenas o que Salazar tinha de negativo - e era tanto! - é redutor e mesmo injusto ignorar isto, correndo-se o risco de, como dizem os ingleses, deitar fora o bebé com a água do banho.
Posso até compreender que se apelide o gesto dos santacombadenses de provinciano, embora me pareça muito mais tacanho e vergonhoso promover a general alguém que foi julgado e condenado (e só posteriormente amnistiado) por ter sido líder de uma organização terrorista responsável por ataques bombistas que mataram dezassete pessoas. Muito mais provinciano me parece que essa mesma pessoa tenha adquirido o estatuto de personagem de grande relevo histórico, com honras de aparição em tudo quanto são filmes e documentários sobre a revolução dos cravos como se do único elemento do MFA ainda vivo se tratasse...
Retomando o tema: ao contrário de alguns, não creio que atribuir o nome Salazar a uma praça seja sintoma de que se vivem tempos "salazaristas" em Portugal, embora reconheça que, aqui e ali sempre se poderiam descortinar alguns traços "salazarentos" nos tempos que correm (recordemos o não muito distante autoritarismo de uma certa directora regional de educação do Norte que, sem apelo nem agravo instaurou um procedimento disciplinar a um professor a propósito de uma piada e, ainda, os dois momentos de grande elevação parlamentar em que um primeiro-ministro respondeu a um deputado «não seja ridículo» e a outro «esteja mas é caladinho»).
Em todo o caso, afigura-se tão legítimo existir uma Praça Salazar em Santa Comba Dão como uma Praça Marquês de Pombal em Lisboa. Se o primeiro foi inegavelmente um ditador, o segundo, ao assumir o papel de «mão invisível» do Absolutismo em Portugal, não o foi menos.
No fundo, impõe-se perceber porque é que tais praças foram nomeadas Salazar e Marquês de Pombal, se para exaltar os ditadores, se para homenagear algumas qualidades que (queira-se ou não, goste-se ou não) ambos terão demonstrado. A mim parece claro que foi pelo segundo motivo e, se assim é, o rigor impõe que se o diga, tal como o respeito pelos valores democráticos exigem que se aceite que a realidade é tão rica quanto o pensamento dos homens e que nela há lugar tanto para os que exaltam os defeitos de Salazar como para os que lhe exaltam as virtudes. Façamo-lo e não serão nunca os nomes das praças deste país a fazer a diferença, mas sim, sempre e só, os seus cidadãos.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho
Porém, coincidências de datas à parte, devo dizer que não me perturba minimamente que Santa Comba Dão tenha atribuído a uma praça o nome de um filho da terra. Há que compreender as razões que levaram a isso e, para tanto, convém não esquecer que Salazar não foi só o odioso presidente do Conselho que instaurou uma ditadura antiliberal e anticomunista em Portugal, mas também um conterrâneo daquelas gentes (já que nasceu no Vimieiro, uma freguesia do concelho de Santa Comba Dão) e, ainda, um brilhante professor de Direito e um notável académico na sua área (formou-se com 19 valores em Direito, em Coimbra, onde foi regente da cadeira de Economia e Finanças Públicas e se doutorou com apenas 29 anos). Embora a memória colectiva e mais recente tenda a realçar apenas o que Salazar tinha de negativo - e era tanto! - é redutor e mesmo injusto ignorar isto, correndo-se o risco de, como dizem os ingleses, deitar fora o bebé com a água do banho.
Posso até compreender que se apelide o gesto dos santacombadenses de provinciano, embora me pareça muito mais tacanho e vergonhoso promover a general alguém que foi julgado e condenado (e só posteriormente amnistiado) por ter sido líder de uma organização terrorista responsável por ataques bombistas que mataram dezassete pessoas. Muito mais provinciano me parece que essa mesma pessoa tenha adquirido o estatuto de personagem de grande relevo histórico, com honras de aparição em tudo quanto são filmes e documentários sobre a revolução dos cravos como se do único elemento do MFA ainda vivo se tratasse...
Retomando o tema: ao contrário de alguns, não creio que atribuir o nome Salazar a uma praça seja sintoma de que se vivem tempos "salazaristas" em Portugal, embora reconheça que, aqui e ali sempre se poderiam descortinar alguns traços "salazarentos" nos tempos que correm (recordemos o não muito distante autoritarismo de uma certa directora regional de educação do Norte que, sem apelo nem agravo instaurou um procedimento disciplinar a um professor a propósito de uma piada e, ainda, os dois momentos de grande elevação parlamentar em que um primeiro-ministro respondeu a um deputado «não seja ridículo» e a outro «esteja mas é caladinho»).
Em todo o caso, afigura-se tão legítimo existir uma Praça Salazar em Santa Comba Dão como uma Praça Marquês de Pombal em Lisboa. Se o primeiro foi inegavelmente um ditador, o segundo, ao assumir o papel de «mão invisível» do Absolutismo em Portugal, não o foi menos.
No fundo, impõe-se perceber porque é que tais praças foram nomeadas Salazar e Marquês de Pombal, se para exaltar os ditadores, se para homenagear algumas qualidades que (queira-se ou não, goste-se ou não) ambos terão demonstrado. A mim parece claro que foi pelo segundo motivo e, se assim é, o rigor impõe que se o diga, tal como o respeito pelos valores democráticos exigem que se aceite que a realidade é tão rica quanto o pensamento dos homens e que nela há lugar tanto para os que exaltam os defeitos de Salazar como para os que lhe exaltam as virtudes. Façamo-lo e não serão nunca os nomes das praças deste país a fazer a diferença, mas sim, sempre e só, os seus cidadãos.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho