fonte: visto aqui
A imagem publicada acima é o espelho da verdadeira motivação dos que no sábado, dia 20 de Fevereiro de 2010, se manifestaram na Avenida da Liberdade em Lisboa. A organização da manifestação (a Plataforma Cidadania e Casamento) pretendeu passar a ideia de que o objectivo era a exigência do referendo nacional à alteração do Código Civil que permite o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Todavia, bastava ler o manifesto para perceber que esse era o objectivo que acobertava um outro.
Do manifesto constavam estas frases: «Quem constrói a solidariedade? Quem aposta na maternidade e na paternidade dignas? Quem ensina nas escolas? Quem trabalha e gera riqueza? Quem faz a história? Tu e Eu. Homem e Mulher.», nas quais é evidente o preconceito para com os homossexuais. Não se trata de argumentos de validade jurídica ou social para sustentar uma posição, mas sim de um ataque, por contraposição, a um grupo de pessoas, com base na sua orientação sexual - como se não fossem solidários, nem pais e mães dignos, não transmitissem valores, não trabalhassem nem gerassem riqueza, não fizessem História. Isto tem um nome: discriminação e incitamento ao ódio sob a forma de homofobia.
Mas ainda mais evidente do que isto foram os cartazes e faixas que os manifestantes não se envergonharam de empunhar, onde era possível ler: «O casamento é e sempre será entre um homem e uma mulher», «Eu quero uma família verdadeira! Com pai e mãe!», «Não tratar igual aquilo que é diferente», «Casamento é vida, não morte», «Pela família contra o lóbi gay», «Todos nascemos de um pai e de uma mãe verdadeiros», «Liberdade não é sinal de perversidade», «A natureza diz "não"», «A prática homossexual não gera vida» e - a pérola que escolhi para ilustrar este texto - «Tu acomodas-te, eles incomodam-te».
O verdadeiro e único propósito desta manifestação é este: pôr termo ao incómodo que os homossexuais são para quem não consegue estar de bem consigo face à existência de outros. Afinal, o que eles querem não é o referendo, é pôr termo ao incómodo, porque se os homossexuais tiverem acesso ao casamento civil isso incomodará esta gente. Se isto não é uma claríssima demonstração de homofobia, não sei o que seja.
Envergonha-me, por isso, que isto tenha sucedido no meu país, na sociedade na qual me movo e existo, a coberto das Leis às quais decidi votar a minha vida profissional, com o beneplácito das mais eminentes figuras da religião a que pertenço. Envergonha-me que as pessoas que participaram naquela manifestação sejam incapazes de respeitar o Outro e se achem donas dos conceitos de "casamento", "família", "maternidade", "paternidade" e "História", entre outros. Envergonha-me que haja quem sem pudor algum desça a Avenida da Liberdade (que ironia, o nome desta via!) agitando cartazes que são autênticas rajadas de insultos para outras pessoas apenas por causa da sua orientação sexual. Envergonha-me o ódio que esta gente exibiu e proclamou em altos brados. Envergonha-me que se invoque a democracia para a subverter num instrumento de ataque aos outros cidadãos, perante a passividade de quase todos.
Hoje estas pessoas sentem-se incomodadas pelos homossexuais, amanhã sentir-se-ão incomodadas pelos emigrantes, pelos que têm outra religião, pelos que são de outra etnia, pelos pobres, pelas prostitutas, pelos toxicodependentes, pelos velhos, por todos aqueles por quem se sintam ameaçadas. O ódio haverá de tocar todas as casas, se a passividade persistir.
Neste momento, relembro as palavras de John Donne que o Professor Doutor Costa Andrade disse na minha primeira aula de Direito Penal e que jamais esqueci: Se um torrão de terra for levado pelas águas até ao mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio [...]. E por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
É tempo de nenhum de nós se acomodar perante esta vergonha.
© Marta Madalena Botelho
Do manifesto constavam estas frases: «Quem constrói a solidariedade? Quem aposta na maternidade e na paternidade dignas? Quem ensina nas escolas? Quem trabalha e gera riqueza? Quem faz a história? Tu e Eu. Homem e Mulher.», nas quais é evidente o preconceito para com os homossexuais. Não se trata de argumentos de validade jurídica ou social para sustentar uma posição, mas sim de um ataque, por contraposição, a um grupo de pessoas, com base na sua orientação sexual - como se não fossem solidários, nem pais e mães dignos, não transmitissem valores, não trabalhassem nem gerassem riqueza, não fizessem História. Isto tem um nome: discriminação e incitamento ao ódio sob a forma de homofobia.
Mas ainda mais evidente do que isto foram os cartazes e faixas que os manifestantes não se envergonharam de empunhar, onde era possível ler: «O casamento é e sempre será entre um homem e uma mulher», «Eu quero uma família verdadeira! Com pai e mãe!», «Não tratar igual aquilo que é diferente», «Casamento é vida, não morte», «Pela família contra o lóbi gay», «Todos nascemos de um pai e de uma mãe verdadeiros», «Liberdade não é sinal de perversidade», «A natureza diz "não"», «A prática homossexual não gera vida» e - a pérola que escolhi para ilustrar este texto - «Tu acomodas-te, eles incomodam-te».
O verdadeiro e único propósito desta manifestação é este: pôr termo ao incómodo que os homossexuais são para quem não consegue estar de bem consigo face à existência de outros. Afinal, o que eles querem não é o referendo, é pôr termo ao incómodo, porque se os homossexuais tiverem acesso ao casamento civil isso incomodará esta gente. Se isto não é uma claríssima demonstração de homofobia, não sei o que seja.
Envergonha-me, por isso, que isto tenha sucedido no meu país, na sociedade na qual me movo e existo, a coberto das Leis às quais decidi votar a minha vida profissional, com o beneplácito das mais eminentes figuras da religião a que pertenço. Envergonha-me que as pessoas que participaram naquela manifestação sejam incapazes de respeitar o Outro e se achem donas dos conceitos de "casamento", "família", "maternidade", "paternidade" e "História", entre outros. Envergonha-me que haja quem sem pudor algum desça a Avenida da Liberdade (que ironia, o nome desta via!) agitando cartazes que são autênticas rajadas de insultos para outras pessoas apenas por causa da sua orientação sexual. Envergonha-me o ódio que esta gente exibiu e proclamou em altos brados. Envergonha-me que se invoque a democracia para a subverter num instrumento de ataque aos outros cidadãos, perante a passividade de quase todos.
Hoje estas pessoas sentem-se incomodadas pelos homossexuais, amanhã sentir-se-ão incomodadas pelos emigrantes, pelos que têm outra religião, pelos que são de outra etnia, pelos pobres, pelas prostitutas, pelos toxicodependentes, pelos velhos, por todos aqueles por quem se sintam ameaçadas. O ódio haverá de tocar todas as casas, se a passividade persistir.
Neste momento, relembro as palavras de John Donne que o Professor Doutor Costa Andrade disse na minha primeira aula de Direito Penal e que jamais esqueci: Se um torrão de terra for levado pelas águas até ao mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio [...]. E por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
É tempo de nenhum de nós se acomodar perante esta vergonha.
© Marta Madalena Botelho