Na passada quarta-feira, 10 de Março, quando prestava declarações perante a Comissão Parlamentar Eventual Para o Acompanhamento Político do Fenómeno da Corrupção e Para a Análise Integrada de Soluções com Vista ao seu Combate (nome pomposo, é verdade), a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, directora do DIAP de Lisboa, defendeu, como proposta para resolver algumas das dificuldades da investigação criminal e entre outras medidas, a "eliminação da fase de instrução", considerando-a "uma inutilidade face aos mecanismos de sindicância no inquérito", provocando aquilo que designou de "morosidade mórbida".
Interpretei as declarações de Maria José Morgado como sendo exclusivas para o tipo de criminalidade que estava em discussão na Comissão Parlamentar e para a criminalidade altamente organizada (com especial incidência na criminalidade financeira), e não para todos os processos-crime. Assim, julgo que a sua sugestão seria eliminar a fase da instrução apenas naqueles processos.
Admito que a posição seja discutível. Admito até que seja criticável - como entende a constitucionalista Isabel Moreira -, mas também admito que há casos em que a instrução não se justifica e outros em que é de elementar necessidade, se não para pôr termo a um processo que não deve ser submetido a julgamento, ao menos para expurgar o processo de questões que não devem ser levadas para a audiência final (e pena é que não se "aproveite" mais vezes a fase de instrução para o fazer).
Sucede que, no que respeita à criminalidade económica, a experiência demonstra (e se Morgado não é nenhuma "autoridade" científica no Direito, pelo menos devemos respeitar a sua necessariamente avalizada opinião no que respeita à prática) que a instrução, na esmagadora maioria das vezes, é instrumentalizada pela defesa. Seja porque há quem entenda que fazer demorar os processos pode ter boas consequências (o que não é o meu caso); seja porque a fase de instrução é uma forma de tentar diminuir o trabalho da investigação, mormente o do Ministério Público; seja porque a fase da instrução é uma forma de ganhar mais uns trocos (sou Advogada e não tenho qualquer gosto em criticar a classe, mas reconheço que há causídicos que não perdem uma oportunidade para fazerem um requerimento, uma diligência, uma fotocópia desde que isso lhes permita cobrar mais honorários e despesas aos seus clientes); seja porque se tem uma embirração com o juiz de instrução criminal e se pretende dar-lhe mais trabalho (exemplo verídico que ocorreu em diversos processos em que fui interveniente, em que um Advogado requeria sempre a abertura da instrução para, como o próprio me disse, "chatear o JIC e dar-lhe que fazer"); enfim, seja por que motivo for, certo é que quem está frequentemente nos tribunais e em processos-crime sabe que a fase da instrução é demasiadas vezes utilizada para perverter a sua finalidade e o próprio processo penal.
Ora, atendendo a que, no caso da criminalidade económica, isso é ainda mais frequente, julgo que valerá a pena considerar a opinião de Morgado, averiguar se nela não residirá algum fundamento e pô-la sobre a mesa para a discutir com profundidade e seriedade - ainda que seja para concluir pela sua improcedência.
Nota final: a minha experiência pessoal diz-me que, raramente, a abertura de instrução resulta em não pronúncia (muitas vezes, em prejuízo da posição por mim defendida). Todavia, não entendo que isso se deva ao facto de juízes de instrução e magistrados do Ministério Público almoçarem juntos, partilharem a bancada na sala de audiências ou trabalharem no mesmo edifício, como alguns apregoam. Às vezes é mesmo porque, não obstante os argumentos da defesa até poderem, em certos aspectos, colher, não é líquida a Justiça de uma decisão de não pronúncia, acabando os juízes de instrução, nestes casos e fundamentadamente, por inclinar-se para a solução de que o crime está suficientemente indiciado, optando por remeter o processo para a fase de julgamento. Ou seja, às vezes a instrução não é o meio de evitar que o arguido seja julgado porque o Ministério Público faz bem o seu trabalho e defende bem a sua posição no debate instrutório. Mas esta é a minha opinião, decorrente, como disse, da minha experiência, das impressões que troco com outras pessoas que também exercem profissões jurídicas e da minha enorme resistência em subscrever "teorias da conspiração" por tudo e por nada, no que ao sistema judiciário português respeita.
© Marta Madalena Botelho
Interpretei as declarações de Maria José Morgado como sendo exclusivas para o tipo de criminalidade que estava em discussão na Comissão Parlamentar e para a criminalidade altamente organizada (com especial incidência na criminalidade financeira), e não para todos os processos-crime. Assim, julgo que a sua sugestão seria eliminar a fase da instrução apenas naqueles processos.
Admito que a posição seja discutível. Admito até que seja criticável - como entende a constitucionalista Isabel Moreira -, mas também admito que há casos em que a instrução não se justifica e outros em que é de elementar necessidade, se não para pôr termo a um processo que não deve ser submetido a julgamento, ao menos para expurgar o processo de questões que não devem ser levadas para a audiência final (e pena é que não se "aproveite" mais vezes a fase de instrução para o fazer).
Sucede que, no que respeita à criminalidade económica, a experiência demonstra (e se Morgado não é nenhuma "autoridade" científica no Direito, pelo menos devemos respeitar a sua necessariamente avalizada opinião no que respeita à prática) que a instrução, na esmagadora maioria das vezes, é instrumentalizada pela defesa. Seja porque há quem entenda que fazer demorar os processos pode ter boas consequências (o que não é o meu caso); seja porque a fase de instrução é uma forma de tentar diminuir o trabalho da investigação, mormente o do Ministério Público; seja porque a fase da instrução é uma forma de ganhar mais uns trocos (sou Advogada e não tenho qualquer gosto em criticar a classe, mas reconheço que há causídicos que não perdem uma oportunidade para fazerem um requerimento, uma diligência, uma fotocópia desde que isso lhes permita cobrar mais honorários e despesas aos seus clientes); seja porque se tem uma embirração com o juiz de instrução criminal e se pretende dar-lhe mais trabalho (exemplo verídico que ocorreu em diversos processos em que fui interveniente, em que um Advogado requeria sempre a abertura da instrução para, como o próprio me disse, "chatear o JIC e dar-lhe que fazer"); enfim, seja por que motivo for, certo é que quem está frequentemente nos tribunais e em processos-crime sabe que a fase da instrução é demasiadas vezes utilizada para perverter a sua finalidade e o próprio processo penal.
Ora, atendendo a que, no caso da criminalidade económica, isso é ainda mais frequente, julgo que valerá a pena considerar a opinião de Morgado, averiguar se nela não residirá algum fundamento e pô-la sobre a mesa para a discutir com profundidade e seriedade - ainda que seja para concluir pela sua improcedência.
Nota final: a minha experiência pessoal diz-me que, raramente, a abertura de instrução resulta em não pronúncia (muitas vezes, em prejuízo da posição por mim defendida). Todavia, não entendo que isso se deva ao facto de juízes de instrução e magistrados do Ministério Público almoçarem juntos, partilharem a bancada na sala de audiências ou trabalharem no mesmo edifício, como alguns apregoam. Às vezes é mesmo porque, não obstante os argumentos da defesa até poderem, em certos aspectos, colher, não é líquida a Justiça de uma decisão de não pronúncia, acabando os juízes de instrução, nestes casos e fundamentadamente, por inclinar-se para a solução de que o crime está suficientemente indiciado, optando por remeter o processo para a fase de julgamento. Ou seja, às vezes a instrução não é o meio de evitar que o arguido seja julgado porque o Ministério Público faz bem o seu trabalho e defende bem a sua posição no debate instrutório. Mas esta é a minha opinião, decorrente, como disse, da minha experiência, das impressões que troco com outras pessoas que também exercem profissões jurídicas e da minha enorme resistência em subscrever "teorias da conspiração" por tudo e por nada, no que ao sistema judiciário português respeita.
© Marta Madalena Botelho