Pode até ser um disparate, uma estupidez, um sinal de desinteligência, mas eu sou daquelas pessoas que, no que respeita a relações humanas, precisa que lhe expliquem tudo muito bem explicadinho. Por exemplo, se alguém está aborrecido comigo, agradeço e espero que me diga que está e porquê. Depois, eu posso optar por retorquir dando o meu ponto de vista e esclarecer o que entenda que tem de ser esclarecido ou, simplesmente, arrumar os meus tarecos e pôr-me a milhas.
Porque é que eu preciso que as pessoas ajam assim comigo? Simples: porque eu ajo assim com as pessoas. Para os outros, que sejam lá como quiserem, anjos ou filhos da puta, que a mim tanto me faz; que sejam como os outros exigirem; que sejam como a educação de cada um ditar; que sejam como o carácter de cada um disser que devem ser, mas comigo, comigo, se fazem o favor, que sejam exactamente da mesma forma que eu sou: absolutamente francos, honestos e claros, muito claros, de preferência. Isto, claro, se quiserem dar-se ao trabalho. Se não quiserem, como eu não posso obrigar ninguém a fazer nada, resta-me a felicidade de saber que a porta da rua é serventia da casa.
Se há coisa que abomino é a hipocrisia. E, logo a seguir, a mentira. Prefiro que me digam o que pensam sobre mim, ainda que isso seja terrível, do que finjam que está tudo bem e «beijinho para cá e beijinho para lá», «minha querida» e o diabo a quatro, quando, na realidade, estão a representar ou a ocultar alguma coisa de menos positivo que sentem em relação a mim. Prefiro que não me atendam o telefone a que atendam e depois se limitem a «hums», «ahs» e «pois». Prefiro que me mandem um sms dizendo «não me escrevas mais» do que não respondam e, da próxima vez que nos vejamos ou falemos, se dirijam a mim com a maior das latas para me dar dois beijos no rosto. Não tenho pachorra para hipocrisias, para faz-de-conta, para silêncios ditos eloquentes que no fundo não dizem nada. Fazerem-me isso é o pior que me podem fazer, porque é do que mais me magoa.
Não é preciso chamar «cabrão» a alguém para lhe dizer que não o queremos na nossa vida. Não é preciso ser mal-educado, fazer uma cena melodramática, sequer abdicar dos salamaleques linguísticos. Não era o António Aleixo que dizia «Digo verdades a rir / aos que me mentem a sério»? Pois bem, nem sequer é preciso ser muito carrancudo para dizer umas verdades. Basta dizer, com toda a pompa e circunstância ou então seca, mas educadamente, «não te quero na minha vida e agradeço que não me contactes». Nem sequer é preciso dizer, como fazem os putos, «vai morrer longe»; basta dizer «não me interessas mais e não quero ter mais nada que ver contigo». Mas quando assim for, que se admita que é para sempre, porque se há coisa que não cabe nestas matérias é o «quem sabe daqui a uns tempos» ou o «depois logo se vê». Depois não se vê nada, porque, citando novamente o Aleixo: «Vinho que vai para vinagre / não retrocede caminho / só por obra de milagre / pode de novo ser vinho».
Se formos pessoas civilizadas e minimamente francas, assim daquelas com um pingo (só um pingo, não é preciso mais) de decência, diremos os motivos que nos levam a tomar tal atitude de «chega para lá». Não porque tenhamos obrigatoriamente que nos justificar - porque, como diz uma grande Amiga, as pessoas têm liberdade para fazerem tudo o que quiserem, inclusivé, acrescento eu, para não fazerem nada -, mas porque, digamos, é um bocadinho menos cruel e mais humano que expliquemos ao outro porque é que não o gramamos. E quanto mais rápido isso for dito e explicado, melhor, porque assim não se criam momentos constrangedores entre as pessoas, nem anda o tipo que nós não gramamos a maçar-nos a vida e a perder o seu precioso tempo, o que é uma chatice para ambos.
Lembro-me, a este propósito, de uma coisa que me disseram sobre um assunto que eu andava a adiar porque sabia que no dia em que batesse com a porta, não haveria quem me substituísse. Disseram-me que quanto mais adiasse a coisa, mais mal-entendidos se criariam, mais situações de desconforto seriam geradas e isso era totalmente desnecessário e poderia ter efeitos nefastos para as relações pessoais. E isto, para além de ser uma grande verdade, tem aplicação universal a tudo o que acontece na nossa vida.
Uma das expressões de que eu mais gosto diz assim: «mata-se o bicho, acaba a peçonha». O mesmo sucede com os episódios da vida: diz-se o que se tem a dizer, sem margem para dúvidas e sem andar a dar umas no cravo e outras na ferradura e pronto, cada um vai à sua vida e, com sorte, será feliz para sempre, como nos contos de fadas. Bastante simples, desde que inequívoco.
A maior parte das pessoas com quem falo sobre isto acha que as coisas não são assim. Acham que basta um sinal, uma coisa subentendida, que basta que não se tome iniciativas (ainda que se responda às iniciativas alheias) para que se deixe muito claro que não se quer mais nada daquela pessoa que não distância. Já eu, tenho alguma dificuldade em perceber que distância quer quem não diz nada durante meses, mas depois um dia nos encontra e nos quer cumprimentar com dois beijinhos, que distância quer quem não liga, mas atende o telefone se formos nós a ligar, que distância quer quem não fala de si mas até quer saber coisas sobre nós, se nós as contarmos.
Como estou em minoria, devo ser eu que estou errada, dizem-me, mas, palavra de honra, por muito respeito e consideração que tenha pelas opiniões alheias em geral e por estas em particular, com esta visão das coisas não concordo de todo, porque isto não se afere por probabilidades e por estatísticas. Os que dizem «bom dia» quando entram no elevador também são uma minoria, os que não têm dívidas também são uma minoria, os Advogados que se levantam quando o juiz se levanta também são uma minoria, os que não fumam em frente aos pais também são uma minoria, os que dizem «saúde» quando alguém espirra também são uma minoria e nem por isso estão errados. Eu faço isso tudo e, azar do caraças, também pertenço à minioria dos totós que apreciam a frontalidade e a honestidade e que, portanto, precisam que lhes digam, com as letrinhas todas, que querem distância deles quando é isso que querem.
Mandem-me à caca, mas mandem-me mesmo, não me façam sinais de fumo nem se escondam atrás do que a maioria faz para justificar que, assim sendo, está bem feito, porque é o normal, porque não é preciso mais, porque chega. Não chega. Para mim, não chega. Chamem-me burrinha, que é para o lado que eu durmo melhor, mas concedam-me pelo menos o direito de desejar que as pessoas tenham comigo a franqueza que eu tenho com elas porque, caramba, eu não mereço menos do que isso e essa é a única coisa que eu peço. Sim, porque eu nem sequer peço a ninguém que me aprecie ou goste de mim. Só peço que, caso queira mandar-me às urtigas, mande mesmo, sem margem para dúvidas, sem fugir às palavras. A falar é que a gente se entende, não é? Então falem, digam, escrevam, sem subterfúgios comodistas, porque só a falar é que a gente se faz entender.
© [m.m. botelho]
Porque é que eu preciso que as pessoas ajam assim comigo? Simples: porque eu ajo assim com as pessoas. Para os outros, que sejam lá como quiserem, anjos ou filhos da puta, que a mim tanto me faz; que sejam como os outros exigirem; que sejam como a educação de cada um ditar; que sejam como o carácter de cada um disser que devem ser, mas comigo, comigo, se fazem o favor, que sejam exactamente da mesma forma que eu sou: absolutamente francos, honestos e claros, muito claros, de preferência. Isto, claro, se quiserem dar-se ao trabalho. Se não quiserem, como eu não posso obrigar ninguém a fazer nada, resta-me a felicidade de saber que a porta da rua é serventia da casa.
Se há coisa que abomino é a hipocrisia. E, logo a seguir, a mentira. Prefiro que me digam o que pensam sobre mim, ainda que isso seja terrível, do que finjam que está tudo bem e «beijinho para cá e beijinho para lá», «minha querida» e o diabo a quatro, quando, na realidade, estão a representar ou a ocultar alguma coisa de menos positivo que sentem em relação a mim. Prefiro que não me atendam o telefone a que atendam e depois se limitem a «hums», «ahs» e «pois». Prefiro que me mandem um sms dizendo «não me escrevas mais» do que não respondam e, da próxima vez que nos vejamos ou falemos, se dirijam a mim com a maior das latas para me dar dois beijos no rosto. Não tenho pachorra para hipocrisias, para faz-de-conta, para silêncios ditos eloquentes que no fundo não dizem nada. Fazerem-me isso é o pior que me podem fazer, porque é do que mais me magoa.
Não é preciso chamar «cabrão» a alguém para lhe dizer que não o queremos na nossa vida. Não é preciso ser mal-educado, fazer uma cena melodramática, sequer abdicar dos salamaleques linguísticos. Não era o António Aleixo que dizia «Digo verdades a rir / aos que me mentem a sério»? Pois bem, nem sequer é preciso ser muito carrancudo para dizer umas verdades. Basta dizer, com toda a pompa e circunstância ou então seca, mas educadamente, «não te quero na minha vida e agradeço que não me contactes». Nem sequer é preciso dizer, como fazem os putos, «vai morrer longe»; basta dizer «não me interessas mais e não quero ter mais nada que ver contigo». Mas quando assim for, que se admita que é para sempre, porque se há coisa que não cabe nestas matérias é o «quem sabe daqui a uns tempos» ou o «depois logo se vê». Depois não se vê nada, porque, citando novamente o Aleixo: «Vinho que vai para vinagre / não retrocede caminho / só por obra de milagre / pode de novo ser vinho».
Se formos pessoas civilizadas e minimamente francas, assim daquelas com um pingo (só um pingo, não é preciso mais) de decência, diremos os motivos que nos levam a tomar tal atitude de «chega para lá». Não porque tenhamos obrigatoriamente que nos justificar - porque, como diz uma grande Amiga, as pessoas têm liberdade para fazerem tudo o que quiserem, inclusivé, acrescento eu, para não fazerem nada -, mas porque, digamos, é um bocadinho menos cruel e mais humano que expliquemos ao outro porque é que não o gramamos. E quanto mais rápido isso for dito e explicado, melhor, porque assim não se criam momentos constrangedores entre as pessoas, nem anda o tipo que nós não gramamos a maçar-nos a vida e a perder o seu precioso tempo, o que é uma chatice para ambos.
Lembro-me, a este propósito, de uma coisa que me disseram sobre um assunto que eu andava a adiar porque sabia que no dia em que batesse com a porta, não haveria quem me substituísse. Disseram-me que quanto mais adiasse a coisa, mais mal-entendidos se criariam, mais situações de desconforto seriam geradas e isso era totalmente desnecessário e poderia ter efeitos nefastos para as relações pessoais. E isto, para além de ser uma grande verdade, tem aplicação universal a tudo o que acontece na nossa vida.
Uma das expressões de que eu mais gosto diz assim: «mata-se o bicho, acaba a peçonha». O mesmo sucede com os episódios da vida: diz-se o que se tem a dizer, sem margem para dúvidas e sem andar a dar umas no cravo e outras na ferradura e pronto, cada um vai à sua vida e, com sorte, será feliz para sempre, como nos contos de fadas. Bastante simples, desde que inequívoco.
A maior parte das pessoas com quem falo sobre isto acha que as coisas não são assim. Acham que basta um sinal, uma coisa subentendida, que basta que não se tome iniciativas (ainda que se responda às iniciativas alheias) para que se deixe muito claro que não se quer mais nada daquela pessoa que não distância. Já eu, tenho alguma dificuldade em perceber que distância quer quem não diz nada durante meses, mas depois um dia nos encontra e nos quer cumprimentar com dois beijinhos, que distância quer quem não liga, mas atende o telefone se formos nós a ligar, que distância quer quem não fala de si mas até quer saber coisas sobre nós, se nós as contarmos.
Como estou em minoria, devo ser eu que estou errada, dizem-me, mas, palavra de honra, por muito respeito e consideração que tenha pelas opiniões alheias em geral e por estas em particular, com esta visão das coisas não concordo de todo, porque isto não se afere por probabilidades e por estatísticas. Os que dizem «bom dia» quando entram no elevador também são uma minoria, os que não têm dívidas também são uma minoria, os Advogados que se levantam quando o juiz se levanta também são uma minoria, os que não fumam em frente aos pais também são uma minoria, os que dizem «saúde» quando alguém espirra também são uma minoria e nem por isso estão errados. Eu faço isso tudo e, azar do caraças, também pertenço à minioria dos totós que apreciam a frontalidade e a honestidade e que, portanto, precisam que lhes digam, com as letrinhas todas, que querem distância deles quando é isso que querem.
Mandem-me à caca, mas mandem-me mesmo, não me façam sinais de fumo nem se escondam atrás do que a maioria faz para justificar que, assim sendo, está bem feito, porque é o normal, porque não é preciso mais, porque chega. Não chega. Para mim, não chega. Chamem-me burrinha, que é para o lado que eu durmo melhor, mas concedam-me pelo menos o direito de desejar que as pessoas tenham comigo a franqueza que eu tenho com elas porque, caramba, eu não mereço menos do que isso e essa é a única coisa que eu peço. Sim, porque eu nem sequer peço a ninguém que me aprecie ou goste de mim. Só peço que, caso queira mandar-me às urtigas, mande mesmo, sem margem para dúvidas, sem fugir às palavras. A falar é que a gente se entende, não é? Então falem, digam, escrevam, sem subterfúgios comodistas, porque só a falar é que a gente se faz entender.
© [m.m. botelho]