Olhei para a tomada, olhei para os fios, olhei novamente para a tomada e resolvi tudo fazendo apelo aos meus mais científicos padrões decisórios: escolhi os fios de acordo com as minhas preferências de cor.
Cedo me dei conta de que não perceber «bolha» de informática tem os seus contratempos, principalmente quando se é tremendamente dependente de computadores e novas tecnologias, como eu. Uma vez que lá por casa toda a gente usava o computador essencialmente para navegar na internet, processar texto e jogar uns jogos muito «fatelas» (como o Minesweeper e o Solitaire), não havia alternativa senão dedicar-me de forma muito intensa ao estudo solitário do assunto. Graças a isso, não pode propriamente dizer-se que seja uma nulidade no assunto.
Já quanto aos imbricados caminhos das canalizações e da electricidade, assumo-me do mais ignorante que há. Não obstante, a minha mãe, que sempre se mostrou muito mais desembaraçada para lidar com essas coisas do que qualquer outra mulher que eu conheço, é capaz de consertar canos, tomadas, fazer ligações, trocar fichas e muitas outras tarefas que a mim nem me passa pela cabeça sejam sequer possíveis.
Há uns anos, convicta de que bastava assistir aos consertos da minha mãe para ficar perita na matéria, não tremi perante uma ficha arrancada a um amplificador. Olhei para a tomada, olhei para os fios, olhei novamente para a tomada e resolvi tudo fazendo apelo aos meus mais científicos padrões decisórios: escolhi os fios de acordo com as minhas preferências de cor.
Por sorte, entre os fios que eu introduzi na tomada não estava o fio-terra (na altura, eu nem sequer sabia o que era um fio-terra). O amplificador produzia som, era tudo quanto me interessava para me achar uma sumidade em electricidade. Quando, mais tarde, em conversa com quem realmente percebia do assunto, me apercebi do perigo em que me tinha envolvido e do quão inconsciente tinha sido, jurei a mim mesma que, fosse em que circunstância fosse, jamais me atreveria a mexer no que não conheço, muito menos se houver a remota possibilidade de em seguida se espalhar pelo ar um intenso aroma a queimado...
Assim sendo, resta-me resignar-me e admitir que terei de esperar que, amanhã, um par de olhos mais experientes e sábios se debrucem sobre a tomada para ver o que se passa. Em voz baixa, estarei a fazer todas as invocações que me lembrar para que sejam suficientemente dotados para consertar o problema. Por este andar, daqui a pouco dou em extraterrestre, já que estou cada vez mais alheada do mundo. Agora, além da minha televisão que volta e meia se recusa a funcionar, fiquei também sem aparelhagem (logo, sem rádio) na sala. Logo hoje, noite de entrega de Oscars! Resta-me o consolo de ainda me poder dar ao luxo de beber um chá quente e comer umas torradas preparados num microondas e numa torradeira que se mantêm resistentes a este meu karma destruidor de electrodomésticos.
[Banda sonora: Ellis Regina. «Alô, alô Marciano». Do álbum «Saudade do Brasil». 1980.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho
Cedo me dei conta de que não perceber «bolha» de informática tem os seus contratempos, principalmente quando se é tremendamente dependente de computadores e novas tecnologias, como eu. Uma vez que lá por casa toda a gente usava o computador essencialmente para navegar na internet, processar texto e jogar uns jogos muito «fatelas» (como o Minesweeper e o Solitaire), não havia alternativa senão dedicar-me de forma muito intensa ao estudo solitário do assunto. Graças a isso, não pode propriamente dizer-se que seja uma nulidade no assunto.
Já quanto aos imbricados caminhos das canalizações e da electricidade, assumo-me do mais ignorante que há. Não obstante, a minha mãe, que sempre se mostrou muito mais desembaraçada para lidar com essas coisas do que qualquer outra mulher que eu conheço, é capaz de consertar canos, tomadas, fazer ligações, trocar fichas e muitas outras tarefas que a mim nem me passa pela cabeça sejam sequer possíveis.
Há uns anos, convicta de que bastava assistir aos consertos da minha mãe para ficar perita na matéria, não tremi perante uma ficha arrancada a um amplificador. Olhei para a tomada, olhei para os fios, olhei novamente para a tomada e resolvi tudo fazendo apelo aos meus mais científicos padrões decisórios: escolhi os fios de acordo com as minhas preferências de cor.
Por sorte, entre os fios que eu introduzi na tomada não estava o fio-terra (na altura, eu nem sequer sabia o que era um fio-terra). O amplificador produzia som, era tudo quanto me interessava para me achar uma sumidade em electricidade. Quando, mais tarde, em conversa com quem realmente percebia do assunto, me apercebi do perigo em que me tinha envolvido e do quão inconsciente tinha sido, jurei a mim mesma que, fosse em que circunstância fosse, jamais me atreveria a mexer no que não conheço, muito menos se houver a remota possibilidade de em seguida se espalhar pelo ar um intenso aroma a queimado...
Assim sendo, resta-me resignar-me e admitir que terei de esperar que, amanhã, um par de olhos mais experientes e sábios se debrucem sobre a tomada para ver o que se passa. Em voz baixa, estarei a fazer todas as invocações que me lembrar para que sejam suficientemente dotados para consertar o problema. Por este andar, daqui a pouco dou em extraterrestre, já que estou cada vez mais alheada do mundo. Agora, além da minha televisão que volta e meia se recusa a funcionar, fiquei também sem aparelhagem (logo, sem rádio) na sala. Logo hoje, noite de entrega de Oscars! Resta-me o consolo de ainda me poder dar ao luxo de beber um chá quente e comer umas torradas preparados num microondas e numa torradeira que se mantêm resistentes a este meu karma destruidor de electrodomésticos.
[Banda sonora: Ellis Regina. «Alô, alô Marciano». Do álbum «Saudade do Brasil». 1980.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho