A propósito do programa Prós e Contras de 16/02, acerca da questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que acompanhei em directo com algumas centenas de pessoas via Twitter, considero ser importante fazer uma súmula do que de mais importante se passou, para daí tirar as devidas conclusões.
Os convidados do painel foram Isabel Moreira (constitucionalista e professora universitária) e Miguel Vale de Almeida (antropólogo e professor universitário) pelo Pró, e António Vaz Pinto, s.j. (sacerdote católico) e Pedro Vaz Patto (juiz de Direito) pelo Contra.
Como já aconteceu em programas anteriores, foi patente o desequilíbrio entre as duas facções. Como ficou evidente, a preparação não foi a mesma, nem perto disso. Do lado do Pró estiveram dois discursos incisivos, pertinentes, preocupados em centrar a discussão no tema, abrangentes (focando aspectos jurídicos, antropológicos, sociais, históricos e culturais), transparentes e honestos. Do lado do Contra esteve um discurso demasiado centrado na moral e na religião (o de Vaz Pinto) e um discurso nebuloso, pouco profundo e com algumas imprecisões jurídicas, evidenciando alguma confusão sobre aspectos como o papel do Estado, a função da figura jurídica do casamento e a adopção por pessoas homossexuais.
Na plateia, o Pró contou ainda com discursos muito serenos e destemidos, directos, concisos e bem fundamentados e, acima de tudo, diversificados. Já do lado do Contra, a ladainha era sempre a mesma. Perante o notório desnorte, a questão foi algumas vezes desviada para a adopção, para as manobras políticas, para a perspectiva religiosa e para o que se revelou um recorrente recurso, tal era a falta de argumentos: a tentativa de "colar" a homossexualidade à bissexualidade, à poligamia e ao incesto, ou seja, a conceitos-limite com forte conotação social negativa mas que, ainda assim, são vistos de modo bastante diferente pelo Direito (e também pela sociedade) como, de resto, Isabel Moreira brilhantemente explicou.
Foram várias as abordagens infundadas e as imprecisões proferidas pelos defensores do Contra, o que ficou demonstrado em certas confusões sobre a noção de bissexualidade, sobre aspectos de Direito Constitucional e da Família, sobre a separação da questão religiosa da questão política, entre outras, já para não falar em algumas propostas sem qualquer fundamento para as quais não foram apresentados argumentos sólidos, como a de alterar casuisticamente as matérias jurídicas das sucessões e do arrendamento de modo a produzir os efeitos do casamento (feita por Eduardo Nogueira Pinto) ou a de atribuir outra designação a um instituto em tudo igual ao casamento se se tratar de uma união entre pessoas do mesmo sexo apenas por esse facto (defendida por vários dos presentes, como Vaz Pinto, Salter Cid e Pinheiro Torres).
Importa ainda deixar uma nótula sobre o facto de, do lado do Contra, existir uma coincidência de perfis entre os defensores, todos eles do sexo masculino, todos eles nas casas dos trinta e dos quarenta anos (com excepção, talvez, de Vaz Pinto e Vaz Patto), todos eles (à excepção de Vaz Pinto) juristas, Advogados e/ou políticos. O mesmo já não acontecia com os defensores do Pró, entre os quais se encontravam indivíduos de ambos os sexos, de diversas idades (Rui Tavares, Paulo Pamplona Corte-Real e Isabel Moreira na casa dos trinta, Fernanda Câncio, Daniel Oliveira e Vale de Almeida na dos quarenta, Carlos Pamplona Corte-Real talvez já na dos setenta) e com múltiplas profissões, ligadas a áreas tão díspares como o Direito (Isabel Moreira e Carlos Pamplona Corte-Real), a Antropologia (Vale de Almeida), o Jornalismo (Fernanda Câncio e Daniel Oliveira) e a Economia (Paulo Pamplona Corte-Real). Não admira, portanto, que a abordagem do lado do Contra fosse demasiado uniforme e demasiado presa às mesmas questões, o que teve um efeito bastante nefasto para esta "ala" do programa: uma vez derrubados pelo Pró os seus argumentos, os defensores do Contra caiam na repetição, por falta de alternativa como resultado da uniformidade de formações que reflectiu uma também uniforme abordagem.
Como momentos chave do debate destaco, pela positiva, as intervenções inicial e final de Miguel Vale de Almeida (aliás, considero a sua última intervenção, que encerrou o programa, o melhor momento de todo o debate), a intervenção muito ponderada e esclarecedora de Rui Tavares e as intervenções inicial e final de Isabel Moreira (com maior destaque para a primeira), apesar de ter denotado alguma impaciência e exaltação.
Entre os momentos negativos contam-se a intervenção de Salter Cid, profundamente infeliz quando felicitou Vale de Almeida pela coragem de assumir a sua homossexualidade (o que o próprio rapidamente esclareceu ter feito há muitos anos, tendo em seguida rejeitado a felicitação) e igualmente lamentável quando pretendeu afirmar que em breve também os bissexuais iriam exigir a consagração do casamento entre três pessoas, bem como a primeira intervenção de Eduardo Nogueira Pinto, cheia de incorrecções jurídicas, e a intervenção de Rui Castro, pela repetida tentativa de conotação da homossexualidade com outras realidades muito diferentes.
Entre os momentos impagáveis do programa há a referir a explicação que, pacientemente, Fernanda Câncio (que também esteve bem logo na primeira intervenção, em resposta a Eduardo Nogueira Pinto) deu a Salter Cid sobre a bissexualidade, o momento em que Carlos Pamplona Corte-Real apelidou de "atoardas" a intervenção de Pinheiro Torres e as excelentes lições de Direito Constitucional com que Isabel Moreira presenteou Vaz Patto, logo no início do programa e Eduardo Nogueira Pinto, depois.
Em suma, julgo que, sem margem para grandes divergências, os espectadores estarão de acordo que, neste programa, a posição mais bem fundamentada, estruturada e defendida foi a do Pró. Pelo menos, esse é o meu entendimento. Se argumentos jurídicos e éticos que defendo não fossem já o bastante para me levarem a subscrever a eliminação da referência ao sexo dos cônjuges nos requisitos para a celebração do casamento impostos pelo Código Civil, este debate teria sido suficientemente esclarecedor para tornar evidente por que razões o deveria fazer. A súmula da premência da questão, nas palavras de Vale de Almeida, encerrou o debate e encerrará também este texto, em jeito de lema a adoptar, sem receio nem reservas, nesta matéria: «a igualdade ou nada»!
© Marta Madalena Botelho
Os convidados do painel foram Isabel Moreira (constitucionalista e professora universitária) e Miguel Vale de Almeida (antropólogo e professor universitário) pelo Pró, e António Vaz Pinto, s.j. (sacerdote católico) e Pedro Vaz Patto (juiz de Direito) pelo Contra.
Como já aconteceu em programas anteriores, foi patente o desequilíbrio entre as duas facções. Como ficou evidente, a preparação não foi a mesma, nem perto disso. Do lado do Pró estiveram dois discursos incisivos, pertinentes, preocupados em centrar a discussão no tema, abrangentes (focando aspectos jurídicos, antropológicos, sociais, históricos e culturais), transparentes e honestos. Do lado do Contra esteve um discurso demasiado centrado na moral e na religião (o de Vaz Pinto) e um discurso nebuloso, pouco profundo e com algumas imprecisões jurídicas, evidenciando alguma confusão sobre aspectos como o papel do Estado, a função da figura jurídica do casamento e a adopção por pessoas homossexuais.
Na plateia, o Pró contou ainda com discursos muito serenos e destemidos, directos, concisos e bem fundamentados e, acima de tudo, diversificados. Já do lado do Contra, a ladainha era sempre a mesma. Perante o notório desnorte, a questão foi algumas vezes desviada para a adopção, para as manobras políticas, para a perspectiva religiosa e para o que se revelou um recorrente recurso, tal era a falta de argumentos: a tentativa de "colar" a homossexualidade à bissexualidade, à poligamia e ao incesto, ou seja, a conceitos-limite com forte conotação social negativa mas que, ainda assim, são vistos de modo bastante diferente pelo Direito (e também pela sociedade) como, de resto, Isabel Moreira brilhantemente explicou.
Foram várias as abordagens infundadas e as imprecisões proferidas pelos defensores do Contra, o que ficou demonstrado em certas confusões sobre a noção de bissexualidade, sobre aspectos de Direito Constitucional e da Família, sobre a separação da questão religiosa da questão política, entre outras, já para não falar em algumas propostas sem qualquer fundamento para as quais não foram apresentados argumentos sólidos, como a de alterar casuisticamente as matérias jurídicas das sucessões e do arrendamento de modo a produzir os efeitos do casamento (feita por Eduardo Nogueira Pinto) ou a de atribuir outra designação a um instituto em tudo igual ao casamento se se tratar de uma união entre pessoas do mesmo sexo apenas por esse facto (defendida por vários dos presentes, como Vaz Pinto, Salter Cid e Pinheiro Torres).
Importa ainda deixar uma nótula sobre o facto de, do lado do Contra, existir uma coincidência de perfis entre os defensores, todos eles do sexo masculino, todos eles nas casas dos trinta e dos quarenta anos (com excepção, talvez, de Vaz Pinto e Vaz Patto), todos eles (à excepção de Vaz Pinto) juristas, Advogados e/ou políticos. O mesmo já não acontecia com os defensores do Pró, entre os quais se encontravam indivíduos de ambos os sexos, de diversas idades (Rui Tavares, Paulo Pamplona Corte-Real e Isabel Moreira na casa dos trinta, Fernanda Câncio, Daniel Oliveira e Vale de Almeida na dos quarenta, Carlos Pamplona Corte-Real talvez já na dos setenta) e com múltiplas profissões, ligadas a áreas tão díspares como o Direito (Isabel Moreira e Carlos Pamplona Corte-Real), a Antropologia (Vale de Almeida), o Jornalismo (Fernanda Câncio e Daniel Oliveira) e a Economia (Paulo Pamplona Corte-Real). Não admira, portanto, que a abordagem do lado do Contra fosse demasiado uniforme e demasiado presa às mesmas questões, o que teve um efeito bastante nefasto para esta "ala" do programa: uma vez derrubados pelo Pró os seus argumentos, os defensores do Contra caiam na repetição, por falta de alternativa como resultado da uniformidade de formações que reflectiu uma também uniforme abordagem.
Como momentos chave do debate destaco, pela positiva, as intervenções inicial e final de Miguel Vale de Almeida (aliás, considero a sua última intervenção, que encerrou o programa, o melhor momento de todo o debate), a intervenção muito ponderada e esclarecedora de Rui Tavares e as intervenções inicial e final de Isabel Moreira (com maior destaque para a primeira), apesar de ter denotado alguma impaciência e exaltação.
Entre os momentos negativos contam-se a intervenção de Salter Cid, profundamente infeliz quando felicitou Vale de Almeida pela coragem de assumir a sua homossexualidade (o que o próprio rapidamente esclareceu ter feito há muitos anos, tendo em seguida rejeitado a felicitação) e igualmente lamentável quando pretendeu afirmar que em breve também os bissexuais iriam exigir a consagração do casamento entre três pessoas, bem como a primeira intervenção de Eduardo Nogueira Pinto, cheia de incorrecções jurídicas, e a intervenção de Rui Castro, pela repetida tentativa de conotação da homossexualidade com outras realidades muito diferentes.
Entre os momentos impagáveis do programa há a referir a explicação que, pacientemente, Fernanda Câncio (que também esteve bem logo na primeira intervenção, em resposta a Eduardo Nogueira Pinto) deu a Salter Cid sobre a bissexualidade, o momento em que Carlos Pamplona Corte-Real apelidou de "atoardas" a intervenção de Pinheiro Torres e as excelentes lições de Direito Constitucional com que Isabel Moreira presenteou Vaz Patto, logo no início do programa e Eduardo Nogueira Pinto, depois.
Em suma, julgo que, sem margem para grandes divergências, os espectadores estarão de acordo que, neste programa, a posição mais bem fundamentada, estruturada e defendida foi a do Pró. Pelo menos, esse é o meu entendimento. Se argumentos jurídicos e éticos que defendo não fossem já o bastante para me levarem a subscrever a eliminação da referência ao sexo dos cônjuges nos requisitos para a celebração do casamento impostos pelo Código Civil, este debate teria sido suficientemente esclarecedor para tornar evidente por que razões o deveria fazer. A súmula da premência da questão, nas palavras de Vale de Almeida, encerrou o debate e encerrará também este texto, em jeito de lema a adoptar, sem receio nem reservas, nesta matéria: «a igualdade ou nada»!
© Marta Madalena Botelho