Noventa e quatro parece ter sido o número que mais andou nas bocas do mundo na passada semana e tudo por causa de Cristiano Ronaldo. A quantia paga pelo Real Madrid deixou uns boquiabertos, alguns orgulhosos e outros tantos invejosos. Se é muito ou pouco dinheiro depende da perspectiva.
Não sei por que carga de água é frequente achar-se que todo o português adora futebol e, por isso, defende as cores da sua selecção e vibra com os campeonatos, jogadores, treinadores e adjuntos com a mesma intensidade, isto é, imenso. Já nem as mulheres, dantes salvaguardadas desta visão linear das coisas, estão a salvo. Agora até delas se espera que saibam quem é o guarda-redes da Académica, o árbitro do jogo contra a Suécia e o nome do estádio em que vai disputar-se a final da taça EUFA.
Sucede que, daquilo que me é dado a conhecer, há muitos portugueses – e portuguesas, claro! – que não fazem sequer a mais pálida ideia das regras do jogo. Outros há, como eu, que até sabem as regras (e que até já praticaram a modalidade!), mas de bom grado trocam um jogo de futebol, mesmo que recheado de estrelas ou uma final de uma importante competição, por hora e meia de uma boa soneca. Regra geral, estas confissões em público dão logo direito a ser fulminado por diversos olhares vindos de todas as direcções, sendo certo e sabido que o momento do insulto acontece quando a/o pobre fulminada/o confessa achar todas as manifestações de nacionalismo folclórico, a começar pelas relacionadas com a bola, uma grande treta. Já me aconteceu, por isso sei bem do que estou a falar. Não fosse eu senhora de bons reflexos e pés rápidos e quem sabe o meu carro não teria um risco de uma ponta à outra à conta de uma observação do género.
Há quem diga que, de acordo com as regras do bom nacionalismo, português que é português deveria rejubilar intensamente com o facto de Cristiano Ronaldo ter sido o jogador mais caro de sempre. Aliás, há até quem diga que cada português deveria sentir-se ele próprio merecedor de alguns euros dos noventa e quatro milhões que o Real Madrid pagou pelo jogador porque, afinal de contas, Ronaldo é português, é "nosso", logo, o seu valor também.
Parece-me que não é preciso ir daqui a Badajoz (a alusão à cidade espanhola é pura provocação) para perceber o quão iludidos estão. A não ser que Ronaldo nunca se esqueça de que é português para contrariar isso com todas as forças, não estou mesmo a ver em que é que a nacionalidade tenha ajudado.
É óbvio que se há factor que conduziu Cristiano Ronaldo ao elevado patamar onde está, esse factor é com certeza a sua tendência para contrariar esta bonomia tão lusa. No fundo, tudo o que ele faz é esforçar-se por ser o mínimo português possível. Atrever-me-ia até a dizer que, provavelmente, nem sequer gosta de fado! Porém, a grande diferença está nisto: está consciente das suas capacidades e não está à espera que os outros façam aquilo que só depende dele. Isto é ser português? Não, pelo contrário!
Conforme o ponto de vista, noventa e quatro milhões de euros pode ser muito ou pouco dinheiro pela compra de um jogador como ele. Para mim, por exemplo, Ronaldo está a ser mal pago. Bem vistas as coisas, o seu esforço é redobrado, o que, em consequência, deveria ser pago a dobrar. Além de ter de se empenhar em ser um excepcional jogador, todos os dias tem de contrariar os seus genes portugueses, o que deve ser altamente desgastante, senão mesmo heróico!
É uma evidência: mais do que os pés e a criatividade de Cristiano Ronaldo, a sua capacidade de ser pouco português é que o levou onde ele chegou. Isso vale muitíssimo mais do que noventa e quatro milhões de euros. Isso vale muito mais do que qualquer clube de futebol poderia comprar. Isso é impagável.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho
Não sei por que carga de água é frequente achar-se que todo o português adora futebol e, por isso, defende as cores da sua selecção e vibra com os campeonatos, jogadores, treinadores e adjuntos com a mesma intensidade, isto é, imenso. Já nem as mulheres, dantes salvaguardadas desta visão linear das coisas, estão a salvo. Agora até delas se espera que saibam quem é o guarda-redes da Académica, o árbitro do jogo contra a Suécia e o nome do estádio em que vai disputar-se a final da taça EUFA.
Sucede que, daquilo que me é dado a conhecer, há muitos portugueses – e portuguesas, claro! – que não fazem sequer a mais pálida ideia das regras do jogo. Outros há, como eu, que até sabem as regras (e que até já praticaram a modalidade!), mas de bom grado trocam um jogo de futebol, mesmo que recheado de estrelas ou uma final de uma importante competição, por hora e meia de uma boa soneca. Regra geral, estas confissões em público dão logo direito a ser fulminado por diversos olhares vindos de todas as direcções, sendo certo e sabido que o momento do insulto acontece quando a/o pobre fulminada/o confessa achar todas as manifestações de nacionalismo folclórico, a começar pelas relacionadas com a bola, uma grande treta. Já me aconteceu, por isso sei bem do que estou a falar. Não fosse eu senhora de bons reflexos e pés rápidos e quem sabe o meu carro não teria um risco de uma ponta à outra à conta de uma observação do género.
Há quem diga que, de acordo com as regras do bom nacionalismo, português que é português deveria rejubilar intensamente com o facto de Cristiano Ronaldo ter sido o jogador mais caro de sempre. Aliás, há até quem diga que cada português deveria sentir-se ele próprio merecedor de alguns euros dos noventa e quatro milhões que o Real Madrid pagou pelo jogador porque, afinal de contas, Ronaldo é português, é "nosso", logo, o seu valor também.
Parece-me que não é preciso ir daqui a Badajoz (a alusão à cidade espanhola é pura provocação) para perceber o quão iludidos estão. A não ser que Ronaldo nunca se esqueça de que é português para contrariar isso com todas as forças, não estou mesmo a ver em que é que a nacionalidade tenha ajudado.
É óbvio que se há factor que conduziu Cristiano Ronaldo ao elevado patamar onde está, esse factor é com certeza a sua tendência para contrariar esta bonomia tão lusa. No fundo, tudo o que ele faz é esforçar-se por ser o mínimo português possível. Atrever-me-ia até a dizer que, provavelmente, nem sequer gosta de fado! Porém, a grande diferença está nisto: está consciente das suas capacidades e não está à espera que os outros façam aquilo que só depende dele. Isto é ser português? Não, pelo contrário!
Conforme o ponto de vista, noventa e quatro milhões de euros pode ser muito ou pouco dinheiro pela compra de um jogador como ele. Para mim, por exemplo, Ronaldo está a ser mal pago. Bem vistas as coisas, o seu esforço é redobrado, o que, em consequência, deveria ser pago a dobrar. Além de ter de se empenhar em ser um excepcional jogador, todos os dias tem de contrariar os seus genes portugueses, o que deve ser altamente desgastante, senão mesmo heróico!
É uma evidência: mais do que os pés e a criatividade de Cristiano Ronaldo, a sua capacidade de ser pouco português é que o levou onde ele chegou. Isso vale muitíssimo mais do que noventa e quatro milhões de euros. Isso vale muito mais do que qualquer clube de futebol poderia comprar. Isso é impagável.
[Também publicado em PnetCrónicas.]
© Marta Madalena Botelho