© explodingdog [19.11.2009]
Cândida Almeida foi hoje ouvida na comissão parlamentar eventual de combate à corrupção, na qualidade de directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCCIAP). Sobre o facto, o jornalista Luciano Alvarez escreveu uma notícia no «Público».
Praticamente toda a notícia (concretamente, nove parágrafos) se refere aos esclarecimentos prestados por aquela procuradora-geral adjunta na comissão, designadamente, acerca do funcionamento do DCIAP, do número de funcionários, inspectores e magistrados que lá trabalham, do número de investigações realizadas nos últimos dez anos, da cooperação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária e da actual legislação contra a corrupção.
Todavia, o jornalista que assina o artigo preferiu começar a notícia pelas respostas que Cândida Almeida deu aos jornalistas, à saída da referida Comissão, as quais incidiram sobre o chamado "caso Freeport". São dois parágrafos: o primeiro, sobre a hipótese de dedução de acusação contra o Primeiro-Ministro – que Cândida Almeida não confirmou nem desmentiu, limitando-se a relembrar que José Sócrates não é sequer arguido; o segundo, sobre a data de conclusão do inquérito daquele processo.
Assim, de um lado temos nove parágrafos sobre o acontecimento que motivou a presença de Cândida Almeida no Parlamento – a comissão parlamentar eventual contra a corrupção, onde esteve presente cerca de três horas; do outro temos dois parágrafos acerca de um assunto marginal em relação a essa presença na AR e que só foi abordado à saída, em respostas aos jornalistas – o "caso Freeport".
Não surpreendentemente, o jornalista entendeu que o destaque do título de uma notícia de onze parágrafos deveria ir... para os dois parágrafos sobre o "caso Freeport". Uma vez que, como leitora, já estou habituada a títulos que se reportam à parte (regra geral) menos importante da notícia, a estupefacção não vem daí, mas sim do facto de o jornalista ter empregado naquele título a palavra "iliba" - assim, com aspas e tudo - para dizer que «Cândida Almeida "iliba" José Sócrates do caso Freeport».
Daqui se depreende, portanto, que, segundo o jornalista, quando o Ministério Público não deduz acusação contra determinada pessoa, está a "ilibá-la" (com aspas, claro). Decerto, o jornalista olvida que o Ministério Público não iliba ninguém: ou tem matéria probatória suficientemente consistente para suportar uma acusação, ou não tem, isto é, ou acusa, ou não acusa. Com efeito, o Ministério Público pode não acusar apenas porque não tem prova, não significando que essa pessoa não possa ter cometido crime. Do mesmo modo que os Tribunais não declaram ninguém "inocente", antes absolvendo os arguidos quando não é feita prova de que eles hajam cometido os crimes pelos quais vêm acusados, também o Ministério Público não iliba as pessoas que não acusa, limitando-se a, perante a ausência de prova bastante, não as acusar. A grande diferença entre o entendimento do jornalista e a realidade reside nisto: o MP e os Tribunais respeitam o princípio da presunção de inocência, por isso não "inocentam" nem "ilibam" (mesmo que com aspas) as pessoas, pelo simples facto de que o seu ponto de partida é o de que elas são, mesmo depois de acusadas... inocentes; já o jornalista opta por fazer tábua rasa daquela presunção, já que, ao entender que é necessário ilibar as pessoas, está a partir do pressuposto que elas são, mesmo antes de acusadas... culpadas.
Todo este meu arrazoado pode parecer a concessão de excessiva importância a um pormenor ou mesmo um preciosismo terminológico da minha parte, mas pode parecer também uma escolha tendenciosa e incorrecta de palavras por parte do jornalista. Cada um avaliará por si.
© Marta Madalena Botelho
Praticamente toda a notícia (concretamente, nove parágrafos) se refere aos esclarecimentos prestados por aquela procuradora-geral adjunta na comissão, designadamente, acerca do funcionamento do DCIAP, do número de funcionários, inspectores e magistrados que lá trabalham, do número de investigações realizadas nos últimos dez anos, da cooperação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária e da actual legislação contra a corrupção.
Todavia, o jornalista que assina o artigo preferiu começar a notícia pelas respostas que Cândida Almeida deu aos jornalistas, à saída da referida Comissão, as quais incidiram sobre o chamado "caso Freeport". São dois parágrafos: o primeiro, sobre a hipótese de dedução de acusação contra o Primeiro-Ministro – que Cândida Almeida não confirmou nem desmentiu, limitando-se a relembrar que José Sócrates não é sequer arguido; o segundo, sobre a data de conclusão do inquérito daquele processo.
Assim, de um lado temos nove parágrafos sobre o acontecimento que motivou a presença de Cândida Almeida no Parlamento – a comissão parlamentar eventual contra a corrupção, onde esteve presente cerca de três horas; do outro temos dois parágrafos acerca de um assunto marginal em relação a essa presença na AR e que só foi abordado à saída, em respostas aos jornalistas – o "caso Freeport".
Não surpreendentemente, o jornalista entendeu que o destaque do título de uma notícia de onze parágrafos deveria ir... para os dois parágrafos sobre o "caso Freeport". Uma vez que, como leitora, já estou habituada a títulos que se reportam à parte (regra geral) menos importante da notícia, a estupefacção não vem daí, mas sim do facto de o jornalista ter empregado naquele título a palavra "iliba" - assim, com aspas e tudo - para dizer que «Cândida Almeida "iliba" José Sócrates do caso Freeport».
Daqui se depreende, portanto, que, segundo o jornalista, quando o Ministério Público não deduz acusação contra determinada pessoa, está a "ilibá-la" (com aspas, claro). Decerto, o jornalista olvida que o Ministério Público não iliba ninguém: ou tem matéria probatória suficientemente consistente para suportar uma acusação, ou não tem, isto é, ou acusa, ou não acusa. Com efeito, o Ministério Público pode não acusar apenas porque não tem prova, não significando que essa pessoa não possa ter cometido crime. Do mesmo modo que os Tribunais não declaram ninguém "inocente", antes absolvendo os arguidos quando não é feita prova de que eles hajam cometido os crimes pelos quais vêm acusados, também o Ministério Público não iliba as pessoas que não acusa, limitando-se a, perante a ausência de prova bastante, não as acusar. A grande diferença entre o entendimento do jornalista e a realidade reside nisto: o MP e os Tribunais respeitam o princípio da presunção de inocência, por isso não "inocentam" nem "ilibam" (mesmo que com aspas) as pessoas, pelo simples facto de que o seu ponto de partida é o de que elas são, mesmo depois de acusadas... inocentes; já o jornalista opta por fazer tábua rasa daquela presunção, já que, ao entender que é necessário ilibar as pessoas, está a partir do pressuposto que elas são, mesmo antes de acusadas... culpadas.
Todo este meu arrazoado pode parecer a concessão de excessiva importância a um pormenor ou mesmo um preciosismo terminológico da minha parte, mas pode parecer também uma escolha tendenciosa e incorrecta de palavras por parte do jornalista. Cada um avaliará por si.
© Marta Madalena Botelho