A pouco e pouco, o Porto vai assistindo ao encerramento ou descaracterização das suas salas de cinema. Dizem que, em grande parte, e no que respeita de modo particular à Baixa, é mais uma consequência da desertificação daquela zona da cidade. Apenas alguns escolhem, deliberadamente, viver onde as casas estão degradadas, as ruas esburacadas, os acessos são difíceis e tortuosos, os bens de primeira necessidade estão distantes e arrumar o carro é quase impossível.
Entre os que se debruçam sobre as causas e as soluções para este estado de coisas, há quem abra a boca muitas vezes para invocar esse milagroso elixir que curaria a Baixa de todos os seus males: a «requalificação da malha social». Porém, a desertificação não é justificação para tudo.
No Porto há um profundo desinteresse público e privado pela conservação dos espaços físicos - imóveis e vias públicas. A cidade envelhece a olhos vistos e, às vezes, chega mesmo a cair de podre (quando não somos nós a cair nos seus buracos). Os interesses monetários e a especulação imobiliária falam mais alto. Por isso, no Porto sacrifica-se o que existe em função do que poderá vir a existir (e que, as mais das vezes, nunca chega a existir). Investir no que já está edificado parece não mobilizar os detentores do capital. Por sua vez, recuperar e reconstruir não são escolhas para os proprietários, para quem os valores ridículos das rendas justificam suficientemente a falta de iniciativa.
A somar a isso, é cada vez mais evidente uma quase absoluta indiferença dos habitantes em relação a fenómenos que conduzem à diminuição da qualidade de vida. Talvez falte a consciência de que o encerramento de espaços culturais é, efectivamente, sinónimo de diminuição de qualidade de vida. Perante tal cenário, somente um silêncio demasiado perturbador.
Pior do que uma cidade que vai morrendo aos poucos, é uma cidade que não denuncia os seus homicidas. O Porto, lamentavelmente, cala e consente. Só as madeiras rangem um pouco por toda a parte, nesta cidade-fantasma.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho
Entre os que se debruçam sobre as causas e as soluções para este estado de coisas, há quem abra a boca muitas vezes para invocar esse milagroso elixir que curaria a Baixa de todos os seus males: a «requalificação da malha social». Porém, a desertificação não é justificação para tudo.
No Porto há um profundo desinteresse público e privado pela conservação dos espaços físicos - imóveis e vias públicas. A cidade envelhece a olhos vistos e, às vezes, chega mesmo a cair de podre (quando não somos nós a cair nos seus buracos). Os interesses monetários e a especulação imobiliária falam mais alto. Por isso, no Porto sacrifica-se o que existe em função do que poderá vir a existir (e que, as mais das vezes, nunca chega a existir). Investir no que já está edificado parece não mobilizar os detentores do capital. Por sua vez, recuperar e reconstruir não são escolhas para os proprietários, para quem os valores ridículos das rendas justificam suficientemente a falta de iniciativa.
A somar a isso, é cada vez mais evidente uma quase absoluta indiferença dos habitantes em relação a fenómenos que conduzem à diminuição da qualidade de vida. Talvez falte a consciência de que o encerramento de espaços culturais é, efectivamente, sinónimo de diminuição de qualidade de vida. Perante tal cenário, somente um silêncio demasiado perturbador.
Pior do que uma cidade que vai morrendo aos poucos, é uma cidade que não denuncia os seus homicidas. O Porto, lamentavelmente, cala e consente. Só as madeiras rangem um pouco por toda a parte, nesta cidade-fantasma.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho