16.3.08

família, escola e Estado: o necessário compromisso triangular

Há muito tempo – há, provavelmente, demasiado tempo –, instalou-se entre nós a ideia de que formação e educação são uma e a mesma coisa. Daí a pensar-se que o professor é, antes de tudo o resto, um educador, foi um ápice. Este estado de coisas foi-se cristalizando até se tornar definitivo e, pelo andar da carruagem, parece cada vez mais improvável a inversão da situação.

Por um lado, os pais e a sociedade civil foram-se lentamente demitindo da sua verdadeira função em relação aos seus filhos e cidadãos: a de educar e ser exemplo. Por outro lado, a comunidade escolar, professores e auxiliares de acção educativa, passaram a carregar às costas, numa atitude de passividade e de aceitação incontestada, um papel que não lhes cabe, o de educador, olvidando que a outra face da moeda seria o descurar do papel formativo e instrutivo da Escola. Quanto aos responsáveis políticos e, seja-me permitida a menção, os agentes sindicais, foi vê-los de mãos nos bolsos, assobiando para o ar, vendo a banda passar como se nada fosse com eles. Mas nada disto é de estranhar, se tivermos em conta que o confronto entre Governo e sindicatos só surge quando se fala em salários ou na (re)definição do status quo dos docentes. O resultado é, quase sempre, crispação e endurecimento de posições, até que um lado da "barricada" acaba por reconhecer que perdeu a batalha, clamando, com voz de bravo soldado ferido mas não morto, que não perdeu a guerra. Sucede, porém, que ninguém se dedica a contabilizar as baixas e elas são sempre demasiadas para aquilo que um pequeno país como o nosso pode suportar.

No Portugal contemporâneo, a Educação é uma área tão desfalcada de compromisso social e de participação cívica como qualquer outra. Assim é também, e de modo flagrante, na Cidadania, na Justiça, na Saúde, na Economia, na Cultura e numa infinidade de outras matérias onde os bons projectos ficam na gaveta, as negociações emperram porque são bloqueadas pela lógica de manutenção dos pequenos poderes e as reformas – as tão ansiadas, faladas e indispensáveis reformas! – ou são verdadeiros nados-mortos ou se revelam, na prática, um elefante numa loja de porcelanas: desadequadas e destrutivas e, não raras vezes, instalam o caos.

A função precípua da Escola é formar, isto é, através do ensino apetrechar os seus alunos com ferramentas que lhes permitam, desde o início, compreender o que lhes é transmitido, desenvolver raciocínios próprios, pensar em abstracto, posicionar-se criticamente em relação a tudo – mesmo tudo! –, desenvolver teorias e, em última instância, serem os cidadãos que uma sociedade empenhada em superar-se constantemente precisa.

Aos pais, por seu turno, incumbe a transmissão dos (bons) valores, das boas maneiras, dos bons comportamentos e da noção do que se é e do espaço que se ocupa em cada situação concreta. É competência dos pais valorizarem os filhos enquanto seres humanos e despertarem neles o interesse pelo que os rodeia. É tarefa parental educar a criança para a vida em sociedade, para a partilha do espaço comunitário e para o respeito pelos direitos e características do outro, por mais dissemelhante que ele seja ou possa parecer. O ponto de partida de tudo isto só pode ser um: a dádiva dos afectos.

Ao governo e às forças de mobilização social, em comunhão de esforços, caberá o papel conformador destas funções das células familiar e escolar, através da criação das condições para que cada uma delas possa levar a cabo, da melhor forma, a sua missão. Essas condições estão longe de serem, como parece pensar-se, apenas materiais. Mais importante do que uma escola equipada com bons meios é uma escola que reúna bons recursos humanos, gente capaz, dedicada e realizada: professores que gostem do que fazem e que não vejam o ensino como o reduto dos que necessitam de um vínculo laboral relativamente estável ou não conseguem colocação nas profissões para as quais se sentem verdadeiramente vocacionados; professores que tenham condições para leccionar, para explorar as capacidades dos seus discentes e que não se vejam reduzidos à função de vigilantes, de substitutos de estruturas de ocupação de tempos livres ou, pior ainda, de famílias ausentes ou desinteressadas da educação dos filhos. Igualmente imperioso é que os alunos respeitem os professores, reconhecendo neles verdadeiros mestres a quem devem atenção; que sejam polidos e educados com os seus pedagogos, funcionários e colegas e que, já agora e se não for pedir muito, tenham alguns hábitos de concentração e de estudo.

Implementar tudo isto, já se sabe, quase nunca se coaduna com brandos costumes, com falinhas mansas, com falta de coragem para limpar a eira. Definir convenientemente os papéis de cada um dos intervenientes no desenvolvimento das crianças e jovens e, mais fundamental ainda, fazer com que as crianças e os jovens o assimilem devidamente, nunca será produto apenas do esforço isolado de um dos vértices do triângulo formado pela Família, a Escola e o Estado. Enquanto em Portugal não for abandonada a ideia de que só tem de fazer-se o que se pode e que a mais não se é obrigado, mantendo esta cultura de sacudir a água do seu capote para o capote do vizinho, não teremos apenas, de tempos a tempos, uma «geração rasca» como, polemicamente, Vicente Jorge Silva chamou à minha. Teremos um país inteiro cego, surdo e mudo a assistir à sua própria ruína desde a infância.

Nota: alguns dos conceitos utilizados neste texto não respeitam integralmente a rigidez das definições vocabulares constantes dos dicionários. Algumas palavras que são sinónimos no dicionário são aqui usadas num sentido muito específico.


[Também publicado em PNETcrónicas.]

© Marta Madalena Botelho

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