30.4.11

«uma riqueza» e «muitas alegrias»

Sete e meia da manhã, dia de semana. Entro numa pastelaria na companhia de uma Amiga para experimentar uns famosos croissants da terra. Numa mesa, dois rapazes, provavelmente na década dos 20, visivelmente ainda sob o efeito do álcool ingerido madrugada fora.

Dirijo-me de imediato ao WC para lavar as mãos. Enquanto isso, ouço os dois sujeitos a tentar entabular conversa com a minha Amiga que, muito bem disposta, remata o assunto dizendo logo que nós não somos dali, que somos do Algarve. Um deles, aproveita logo para dizer à minha Amiga que a avó dele sempre lhe disse que ele era «uma riqueza». «Uma riqueza», repetia ela às gargalhadas quando me contou isto que eu já não ouvi.

Eu regresso à mesa. A minha Amiga levanta-se e é a vez dela de ir ao WC. Os dois totós desatam, então, a falar daquilo que conheciam sobre o Algarve, enquanto eu vou acenando pacientemente com a cabeça como se estivesse a sorver cada uma das suas palavras, fazendo apelo ao meu «lado Madre Teresa de Calcutá». É então que um dos sujeitos se levanta, vem ao pé de mim e pergunta se somos de Portimão. A minha Amiga, entretanto regressada, responde: «Qual Portimão! Somos de Faro!» e eu, completamente a leste do que ela lhes havia dito mais sobre nós enquanto eu estivera ausente, limito-me a sorrir.

O sujeito diz que Faro é uma terra linda, onde se pode ver isto e aquilo e que já lá esteve algumas vezes a passar férias e mais não sei o quê. A minha Amiga entra na brincadeira e fala-lhe da Ilha. Ele diz logo que já lá esteve. Eu continuo a sorrir, pensando já só nos elogiados croissants que em breve nos serão servidos.

Eis senão quando o tipo que está em pé me pergunta o meu nome. Eu, que não tenho queda para a mentira nem estou habituada a ter de lidar com estes marmelos logo de manhã, respondo «Marta». O outro fulano, sentado na outra mesa, pergunta «Marta quê?». Surpreendida pela questão, esbugalho os olhos e ele acrescenta «Sim, Marta é o primeiro, mas o último, como é o teu último nome?». Eu, feita parva, em vez de dizer «Silva» ou «Costa» ou outra coisa qualquer, digo mesmo «Botelho», enquanto a minha Amiga se ri e acha imensa graça à situação e me pergunta se eu não podia ter inventado um nome qualquer.

Entretanto, entra na pastelaria um amigo dos dois sujeitos e diz-lhes que paguem a conta para irem embora, que ele já ali está e tem o carro mal parado. O tipo que estava sentado pergunta-me se, por acaso, eu não quero dar-lhe o meu número de telemóvel. Eu sorrio e respondo «Claro que não». Ele pergunta se eu quero o dele e leva com a mesma explícita resposta.

É então que o tipo que estava em pé, junto à nossa mesa, se volta para mim e pede que olhe para ele, o que, meio-contrariada, lá faço. E sai-se com esta: «Marta Botelho, eu sou o Nuno [qualquer coisa que eu não percebi]. Fixa o meu nome, Marta Botelho. Sou o Nuno [outra vez o sobrenome que eu não percebi]. Fixa bem o meu nome, Marta Botelho, porque o meu nome ainda te vai dar muitas alegrias».

E foram-se embora. Eu e a minha Amiga ficámos atónitas com a situação [ela, obviamente, aproveitando-se da mesma para troçar de mim às gargalhadas e me lembrar que o rapaz era «uma riqueza», porque a avó dele lhe estava sempre a dizer que ele era «uma riqueza»]. Finalmente, lá vieram os afamados croissants e não houve mais conversa, só mesmo tempo para os devorar, deliciosos que são.

Nunca me tinha acontecido tal, mas bem diz o povo que «há sempre uma vez para tudo». A única coisa que me preocupa verdadeiramente, é que, pelos vistos, o tal «Nuno» ainda me vai dar muitas alegrias e eu nem sequer sei o sobrenome dele. Enfim, resta-me a esperança de que ele, que sabe o meu nome e o meu sobrenome, venha ao meu encontro para me mostrar que alegrias serão essas. Em todo o caso, sempre me fica uma hilariante história para contar aos netos: as coisas que podem acontecer-nos nas pastelarias daquela terra às sete e meia da manhã de um dia de semana.

© [m.m. botelho]

26.4.11

mudar o mundo

Aparece na cozinha, onde se preparava o jantar, de comando da TV na mão e dirige-se para a varanda. Abre a porta e sai. Aponta o comando para o céu e começa a carregar em vários botões. O pai, intrigado, pergunta-lhe: «Filho, o que estás a fazer?», ao que ele responde: «Estou a mudar o mundo, Papá.».

O F., dois anos e nove meses acabados de fazer, já consciente de que o mundo precisa de ser mudado. Claro que rebento de orgulho nestes feitos aparentemente pouco importantes do meu sobrinho-afilhado. Este orgulho não se explica, sente-se, ponto final. A única coisa de que tenho pena é que a mudança não seja tão fácil como ele imagina, porque de resto, ele, tão pequenino, é capaz de transmitir aos crescidos que o mundo necessita de mudança e que ele está empenhadíssimo em fazer a sua parte para que isso aconteça.

© [m.m. botelho]

23.4.11

instantâneos [31]

visto aqui

[E não é preciso acrescentar mais nada, porque nesta frase está dito muito do que renegamos, mas sabemos ser indelével e inteiramente verdade.]

© [m.m. botelho]

22.4.11

memoráveis

Quarta feira, 20 de Abril de 2011 e quinta-feira, 21 de Abril de 2011, foram dos dias mais memoráveis da minha vida. Obrigada a quem os partilhou comigo. Obrigada pelo privilégio.

© [m.m. botelho]

20.4.11

«tenho uma lágrima no canto do olho»

Ao longo dos anos, fui juntando um conjunto de canções a que chamo, muito intimamente, «a listinha». São canções que considero especialmente bem conseguidas e com a dose certa de sex appeal, cujas possibilidades de aplicação me escuso a explicar por me parecerem demasiado óbvias. Entre elas contam-se, para dar apenas alguns exemplos, «Need you tonight», dos INXS, «Sexy boy», dos Air, «Moments in love», dos Art of Noise, «Lullaby», dos The Cure, «I want your sex», do George Michael, «Queer», dos Garbage, «Ride a white horse», da Goldfrapp e «Where life begins», da Madonna.

Há uns tempos, descobri que uma pessoa que eu conheço anda a fazer uma listinha, mas de «músicas de dor de corno», de onde, obviamente, constam aquelas canções onde são relatadas histórias de envolvimentos terminados mas que, para quem canta, nunca terão fim, muitas lágrimas à mistura, de preferência até uns gritinhos de diva de vez em quando («yeah», «oh baby» e coisas do género) e umas pianadas parolas nas introduções, para dar seriedade à coisa (se não tiver um piano, não é verdadeiramente uma «canção de dor de corno»).

Eu, que sou grande adepta de listas (por cores e ordem de importância, com separadores, de todas as formas e feitios possíveis de imaginar), não acho mal, não senhora, mas não empregaria o meu precioso tempo nem a ouvir tais canções, nem a fazer tal lista. O tipo de listinha que eu prefiro fazer está exposto ali em cima. E daqui se conclui que a cada um dá-lhe para onde lhe dá e não vale a pena tecer grandes comentários sobre isso.

[O título do post é de uma canção do Bonga, essa sim sobre um motivo pelo qual vale a pena chorar, mas aviso desde já que lencinhos brancos para enxugar as lágrimas é na porta ao lado: nós estamos fechadas para férias da Páscoa desde segunda-feira passada.]

© [m.m. botelho]

19.4.11

cada um é como cada qual

Pelo que tenho visto por aí fora, o padrão da moda para este Verão é floreado. Flores pequeninas, de várias cores, sobre fundos escuros ou brancos. Em t-shirts, camisas, túnicas. Ora, eu sempre fui fã dos lisos. Os padrões que aprecio são muito poucos: tweed, escocês, riscas na vertical e na horizontal (estas últimas, mais para os cavalheiros) e mais um par deles que não me ocorre agora. Tenho uma infinidade de peças de roupa do mesmo modelo, mudando apenas a cor, mas todas elas lisas. Os padrões mais arrojados deixo-os para os acessórios: lenços, cachecóis, anéis. Raramente perco mais do que três minutos a pensar no que vou vestir e os lisos facilitam imenso a tarefa, porque apenas tenho de pensar nas cores.

Talvez possa dizer-se que sou uma clássica, para outros talvez eu não passe de uma básica. Whatever. O que visto, tal como o que digo e o que faço, sou eu que o decido e tendo em conta o melhor para mim, o que me é mais confortável. Não vou em modas, nem convenções, nem ditames, nem no mainstream, nem no que é suposto. Mas não sou uma desajustada, longe disso. Passo perfeitamente despercebida entre a multidão e convivo pacificamente com ela. Simplesmente, não sou parte dela. Nem no que visto, nem no que digo, nem no que faço e sou cada vez mais assim.

Assim, este Verão, quando os outros andarem de camisa às flores, eu andarei de t-shirt lisa. Conviveremos todos muito saudavelmente, porque embora saiba muito bem o que quero para mim, nunca me dei ao trabalho de o querer impor aos outros (sou um bocadinho egoísta nessa matéria: acho que não compensa a maçada e eu gosto de me poupar a chatices desnecessárias). Esforço-me por respeitar a regra de que cada um é como cada qual. Nos trapos e em tudo o resto.

© [m.m. botelho]

carne

«Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne,
e sangra todo dia.»
José Saramago [1922-2010], «Os poemas possíveis» [1981]

18.4.11

fóculporto-sporting

Dada a minha complicada relação com tudo o que implique estar parada sem estímulo intelectual durante mais do que dez minutos, eu sabia que não conseguiria assistir a todo o jogo de ontem entre o Fóculporto e o Sporting. Assim sendo, não foi mau de todo ter chegado a tempo de ver apenas a segunda parte e, mesmo assim, com algum sofrimento. Não fosse a belíssima companhia, que sempre me recebe tão bem, e as bocas que íamos trocando e eu, que sou aquela sujeita que aguenta quatro ou cinco dias sem pregar olho, teria adormecido em frente ao televisor num fósforo.

Em suma, ontem relembrei que não devemos negar à partida o interesse de uma aventura à qual nunca nos propusemos. Afianço que é possível juntar numa mesma sala uma sportinguista doente, uma portista bastante convicta e uma sportinguista simpatizante (esta última, como é óbvio, sou eu) e nenhuma de nós sair de lá com o mínimo arranhão. Porque, tal como sucede com o verniz com que se pintam as unhas, não são as camisolas que se envergam que fazem das pessoas gente boa, mas sim o carácter que essas pessoas têm. E, sem falsa modéstia, estavam ali três pessoas em condições, que souberam respeitar-se apesar das suas diferenças e para quem a amizade fala muito mais alto do que qualquer outra coisa.

Consta que para a semana há outro jogo qualquer importante (tão importante que eu nem memorizei qual é) e eu já fui convidada para repetir a dose, embora ainda não tenha aceitado porque estou para ver os efeitos secundários que a noite de ontem terá na minha sanidade mental. Era só mesmo o que me faltava agora, ficar fã destas coisas da bola! Mas aposto que se levar um livro e me puser a ler, ninguém dá por nada. Afinal de contas, eu não percebo nada daquilo e o resto da malta está ali concentradíssima a analisar o jogo, por isso basta-me dizer de vez em quando que «É falta!» e os noventa minutos passam num instantinho. Bom, tudo dependerá dos efeitos secundários. Vamos lá, então, ver se isto não fica pior.

© [m.m. botelho]

17.4.11

nojo

Como diria o outro (ou a outra, já não sei) é oficial: estou naquela fase que a minha querida Isabel previu que haveria de chegar porque, no seu entender, ainda não havia aflorado com a intensidade que era suposto, tendo em conta os contornos do que me tinha acontecido. Disse-me ela variadas vezes que eu ainda não me tinha zangado o suficiente, que eu ainda não me tinha zangado «a sério» com as pessoas e as situações que me fizeram muito mal.

É engraçado que isto suceda logo agora, quando eu me sinto lindamente com a vida, muito satisfeita comigo e muito bem com os meus amigos e família e todos os que gostam de mim. É engraçado que estando eu tão bem, seja precisamente agora que, em relação aos protagonistas do episódio lamentável em que me vi envolvida há uns tempos, eu esteja a desenvolver uma espécie de aversão. É muito mais do que irritação, é aversão. Diria nojo, mesmo. Daí a vontade e a necessidade da distância, de não ouvir sequer os nomes das pessoas em causa, de não querer saber nada de nada que diga respeito a essa gente.

É curioso que eu tenha demorado tanto tempo a chegar aqui, mas isto levou-me a concluir que sou lenta no processamento das emoções negativas e, simultaneamente, impaciente na concretização das emoções positivas. Quero logo resolver o mal para que tudo fique bem e fico tempos infinitos agarrada à utopia de que tudo se vai compor, sem sequer me aperceber de que não há composição possível. Por isso é que demoro imenso tempo - muito mais do que seria desejável - a zangar-me. Acho sempre que é desnecessário. Mas não é. Zangar-me a valer com quem se portou muito mal comigo é absolutamente essencial para resolver e ultrapassar as coisas, porque não há perdões nem superações no que toca a traições [que também foi outra coisa que eu demorei a perceber, irra!].

Se me fosse dado escolher um dia da minha vida para alterar, sei exactamente qual escolheria. Não escolheria aquele em que fui traída, escolheria o dia em que conheci cada um dos traidores. Apagá-los-ia do meu percurso, não quereria sequer conhecê-los. Se pudesse, escolhia que a minha vida nunca se tivesse cruzado com essas vidas. Isto é mais do que aversão, não é? É, pois. Isto é nojo, do mais puro e do mais profundo. Não há dúvidas, portanto, de que estou a entrar na fase que a minha querida Isabel anteviu e disse estar a demorar demasiado. Finalmente!

Obviamente, eu podia ser muito pudica e não o confessar, porque silenciando o que sinto evitava que as pessoas soubessem o que me vai no peito, mas enfim, nunca fui dissimulada e a estas horas já não é novidade para ninguém que eu não gosto das pessoas em causa porque já o disse directamente a quem de direito. Por outro lado, mantendo o silêncio sobre a coisa também evitava ferir as susceptibilidades das ditas pessoas, que até podem vir a ler isto que está na internet à vista de toda a gente, mas que se lixe, que leiam se cá vierem parar, azar o seu, porque eu, a esta altura do campeonato, já me estou nas tintas para as suas susceptibilidades, tal como as referidas criaturas se estiveram nas tintas para as minhas quando decidiram fazer o que fizeram, magoando-me como me magoaram e por aqui me fico. Vai daí, em vez de pudica, prefiro ser honesta e franca e escrevê-lo com as letras todas, leia isto quem vier a ler, porque neste momento me apetece dizê-lo, sem estar a pensar em quem vai ler ou no que quem vai ler vai pensar: tenho nojo daquela gente, repulsa pura e dura, uma repugnância imensa.

Na altura não percebi, mas no dia em que me traíram, saiu-me a sorte grande: começou a sua saída da minha vida, a purga do meu espaço, a limpeza dos meus dias. Já considerei aquele o pior dia da minha vida, mas hoje considero-o um dos melhores. Sem dúvida, um dos melhores. Só lamento que a revelação da podridão que me rodeava não tivesse ocorrido mais cedo mas, felizmente, a verdade é como o azeite e, por isso, vem sempre acima. E, um dia, eu haveria de a ver, caramba. Bem me dizia a minha querida Isabel que um dia eu haveria de a ver.

© [m.m. botelho]

instantâneos [30]

© Erin Hanson
visto aqui

[Nota: «I will remember you» e não «I will miss you». É que, parecendo que não, é completamente diferente.]

© [m.m. botelho]

16.4.11

memórias e saudades

Uma das minhas mais marcantes características é conseguir pôr as pessoas que estão em contacto comigo bem-dispostas. Não sou o «bobo da corte», mas consigo criar momentos de descontracção e risota a partir de simples observações, que não precisam de ser apimentadas nem maldosas, nem de escarnecer de nada nem de ninguém. Geralmente, são observações nonsense, que são as que eu mais gosto. Creio que herdei esta característica do meu Avô materno, ao pé de quem ninguém chorava ou ficava triste. [Obrigada, Avô.]

Talvez seja por isso que é tão fácil que as pessoas me apreciem. Não preciso de recorrer à beleza, nem à inteligência, nem ao saldo da conta bancária para que as pessoas, mal entram em contacto comigo, gostem de me ouvir e de partilhar comigo as suas histórias. Sou capaz de quebrar o mais rígido dos gelos, desenhando sorrisos nos rostos das pessoas mesmo quando o assunto é um funeral. Não sei porque sou assim, nem sei explicar como o faço. É-me inato, é uma característica minha como tantas outras [boas e más].

Há dias disseram-me que eu era uma daquelas pessoas de quem os outros podem não sentir saudades, mas de quem nunca se esquecem. Disseram-me que a propósito de palavras, situações ou lugares, volta e meia eu haveria de lhes surgir na memória, elas haveriam de se lembrar do quanto eu as fiz rir ou de uma observação qualquer que eu tenha feito. Ouvi atentamente e acabei por dar razão à minha interlocutora. O mesmo sucede comigo quando conheço pessoas assim, como eu. É por isso que haverá sempre expressões, lugares e situações que eu associarei a determinadas pessoas, o que me fará lembrar que elas existem algures à face desta Terra, sem que isso signifique que tenho saudades delas. Prefiro que seja assim: memórias sem saudades e sem nostalgia. As memórias reservo-as para os bons momentos, por isso são sempre boas. A saudade é outra coisa, é uma falta, é a angústia proveniente da necessidade de uma partilha naquele exacto momento e a constatação da sua impossibilidade.

Uma noite, numa despedida, disse a alguém que haveria de ter saudades suas durante muito tempo, mas que haveria de passar. Não fazia ideia de que, naquele momento, estava a proferir uma das frases que incluo no grupo das «frases da minha vida». É verdade, temos saudades das pessoas durante muito tempo, mas depois passa. As memórias, que eu reservo para o bom, ficam e, não havendo saudades, não me custa regressar a elas.

Demora-se uma data de tempo a chegar aqui, mas chega-se. É por isso que, depois das saudades passadas, nos é indiferente saber por onde essas pessoas andam, o que fazem, com quem estão, se pensam muito, pouco ou mesmo nada em nós. O que passa a interessar-nos e o que mantemos vivos são as memórias das coisas boas e, mesmo essas, só nos importam quanto nos afloram a propósito de algo que as vai despertar. O resto é ruído e, um dia, o ruído passa a silêncio. Deve ser nessa altura que as saudades que se tinha passam. E o sentimento que se instala é bom, é tranquilo. Rasga-nos um sorriso e liberta-nos para coisas novas, que esperamos melhores. Ter saudades é uma grande chatice. Ter memórias faz de nós gente com história, dá-nos património e, acima de tudo, faz-nos crescer, ainda que não envelheçamos.

[Growing up it's a long hard way, but it's definitely worth it.]

© [m.m. botelho]

instantâneos [29]

visto aqui

15.4.11

equilibrar a balança

Já cheguei àquele estádio da existência em que não faço as coisas 1. pelo efeito que elas têm nos outros; 2. porque os outros me digam que as faça; 3. porque são o que a mim me parece ser o melhor para os outros. A este último ponto não cheguei há muito. Mesmo sem ter muita consciência disso, padecia de uma maleita que poderíamos designar por «de vez em quando, tenho a mania de que sou Deus» e, por isso, às vezes incorria na veleidade de achar que sabia o que era melhor para os outros, principalmente quando os outros me eram muito importantes. Poderia ter resolvido a coisa comprando um cão e fazendo dele a minha cobaia para extravasar esta maleita [«Rufus, senta. Rufus, deita. Rufus, rebola. Rufus, vamos às vacinas que tu precisas de ser vacinado.»], mas não, resolvi-a mesmo tirando a coisa do meu corpinho e da minha cabeça, com muito sangue, suor e lágrimas - e sem almoços grátis.

Não me aborreço, por isso, quando as pessoas que me querem bem continuam a alertar-me para a necessidade de agir por mim e pelo que a mim me faz sentido. Já não é [tão] necessário que o façam, mas nunca é demais ouvi-lo, por isso, mais do que não me aborrecer, até agradeço. Porém, não me façam repetir muitas vezes que quando eu agora faço alguma coisa já não o faço pelos motivos que, às vezes, dantes fazia. É que eu não tenho nada que provar a ninguém, por isso, se digo o que digo é porque é verdade.

Há uma diferença entre «reacção» e «acção». Assim, ainda que possa parecer que eu estou a actuar por «reacção», pode ser que não seja bem assim. Às vezes, estou só mesmo a «agir». A confusão é possível, visto que as acções não são isoladas e vêm no seguimento de acontecimentos, mas há, repito, uma diferença entre «acção» e «reacção» e embora a fronteira seja ténue, há que a ver, porque ela existe.

Nunca fui muito de dizer ou fazer as coisas de ânimo leve e quem me conhece sabe disso. Só que lá chega o dia em que e a consciência de que não há mais nada a fazer senão limpar, cortar, arrancar. A partir do momento em que eu decido fazer isso, já nada me magoa, porque eu não deixo. Se alguém tentar magoar-me, eu devolvo. Não dou mais, nem dou menos, não acrescento uma vírgula, não faço nenhum esclarecimento. Devolvo exactamente como me enviaram. Podem, por isso, tentar atingir-me ou magoar-me, que já não conseguem. Levam troco, o mesmíssimo que me deram, porque da linha que eu tracei com a minha própria mão não passam.

Não estou a ficar uma sacana, muito pelo contrário. Estou só a deixar de dar espaço e importância ao que a não tem na minha vida. Estou, no fundo, a equilibrar uma balança que andou desalinhada demasiado tempo.

Costumava dizer, face à minha incapacidade de disfarçar quando algo me incomodava, que não era nenhum oráculo ou livro secreto, que o que se via era o que eu era. Agora posso acrescentar mais isto: «o que me deres será o que terás». A balança está, finalmente, a ficar equilibrada e nada nem ninguém vai descalibrá-la, porque eu não deixo. Palavra de honra, não deixo mesmo. Já foi tempo e foi demais.

© [m.m. botelho]

14.4.11

abril

Sempre gostei do mês de Abril. É o mês do meu aniversário, é o mês em que a Primavera mais se sente, o mês em que a percepção de que os dias estão mais longos é maior e em que as noites estão mais quentes, é o mês em que se comemora a Liberdade.

Estou a gostar tanto deste Abril! Começou leve, solto, simples, mas a mexer a toda a velocidade. Começou como eu gosto, começou um pouco como eu sou. E eu faço questão de aproveitar cada segundo que ele durar, tal como a vida, que é demasiado preciosa para ser desperdiçada com o que não vale a pena.

Perceber isto não é uma questão de genialidade, porque se há coisa que qualquer tonto sabe é isto: a vida é demasiado preciosa para ser desperdiçada seja de que maneira for. Isto é uma questão de bom-senso e clarividência e são estas duas características que, às vezes, nos escasseiam a todos, enquanto andamos um bocadinho às turras com o mundo. Não vale a pena, é um facto. Alguns, como eu, percebem isso [mais cedo ou mais tarde]. Outros, não e ficam para sempre agarrados ao que não tem significado nem importância, fazendo disso o centro da sua existência. Felizmente, eu tenho Abril. Felizmente, eu sou de Abril.

© [m.m. botelho]

em lume brando

Os 31 começaram atolados em coisas para fazer. Bastante trabalho, muita necessária reorganização no escritório e em casa, um monte de tralhas para arquivar, outras tantas para deitar fora. E não foram só tralhas no sentido literal do termo, mas adiante. A iniciativa a regressar e eu a senti-la, finalmente. O estado de espírito é excelente. A vida a entrar nos eixos. A respiração mais pausada e muito, muito menos ruído à minha volta.

Compreende-se, por isso, que o tempo para a escrita aqui no blogue tenha diminuído um pouco, mas isso não significa, nem um pouco, que tenha deixado de ter vontade, assunto ou motivo para o fazer. Isto está em lume brando, mas vai cozinhando e eu, que sempre fui uma atadinha de primeira no que aos tachos e panelas respeita, estou a revelar-me uma verdadeira chef.

© [m.m. botelho]

7.4.11

instantâneos [28]

do filme «Alice in Wonderland [2010], de Tim Burton
visto aqui

6.4.11

negociação vs. imaginação

«O amor move-se na área da obrigatória negociação, por isso é que é exigente. Já a paixão move-se na área da deliciosa imaginação, por isso é que as calças de cabedal, que você não suporta em ninguém, a ele lhe ficam a matar.»
Júlio Machado Vaz, «O amor é», 05.04.2011 [citado de memória]

5.4.11

odette e odile

Ontem à noite vi, finalmente, o filme «Black Swan». Depois de também ter visto «The King's Speech», não percebo como é que foi este e não o filme de Darren Aronofsky a ganhar o Oscar de melhor filme, mas, enfim, a Academia lá terá tido as suas razões.

Em «The King's Speech» os diálogos são muito intensos. Em «Black Swan» passa-se justamente o contrário. As palavras são escassas, as sequências de diálogos são curtas. O filme vive muito das imagens, da música, da leitura que o próprio espectador tem de fazer daquilo que vai vendo e ouvindo, como se as palavras, não estando lá, tivessem de ser lá postas por nós.

A personagem Beth, interpretada por Winona Ryder, é muito mais importante e desestabilizadora do que à primeira vista parece. Ela encarna tudo aquilo que Nina, a personagem de Natalie Portman, deseja e repele, em simultâneo. Ela é, na vida real, Odette (o Cisne Branco) e Odile (o Cisne Negro), a conjugação dos dois lados que Nina só consegue soltar no palco e que no dia-a-dia se recusa a encarar.

Uma vez mais, trata-se do confronto de cada um de nós com dois dos muitos lados que todos temos. Se em «The King's Speech» somos alertados para a necessidade de desenvolver a capacidade de resiliência, em «Black Swan» somos confrontados com a importância do reconhecimento da existência do nosso lado menos bom (o nosso Cisne Negro) a par do nosso lado bom (o nosso Cisne Branco).

O filme termina com a personagem Nina dizendo a frase «I was perfect». Talvez ela tenha razão quando o afirma: só quando aceitamos a existência dos dois cisnes dentro de nós é que atingimos o estado de equilíbrio. Talvez esse equilíbrio seja, no fundo, a perfeição que todos buscamos.

© [m.m. botelho]

4.4.11

instantâneos [27]

visto aqui

«note to self»

Bem vistas as coisas, todos os posts deste blogue poderiam, como o post anterior, ser antecedidos pela expressão «note to self», porque todos eles são escritos por mim, sobre mim e para mim.

A maior parte dos blogues de cariz pessoal, como este, são compostos por exercícios de reflexão do próprio (outros há que têm outros propósitos, mas sobre isso não me pronuncio, até porque não devo). Porque é que é alguns de nós não o fazemos simplesmente para a gaveta e o fazemos num blogue? Não sei responder pelos outros, mas eu faço-o porque a sensação de enviar para o éter da internet algumas das minhas reflexões me ajuda no processo de libertação de algumas coisas que me "atormentam", como se escrever em vez de simplesmente pensar e escrever aqui e não num mero papel levasse as coisas para longe de mim, para fora do meu alcance, para uma dimensão virtual fora do meu controlo. Como se tudo o que aqui é escrito continuasse meu, mas já não sob o meu controle.

Há quem diga que isto de ter um blogue tem o seu quê de narcísico. Até pode ser que tenha. Eu não escrevo para os outros nem para ser lida pelos outros, mas seja narcísico ou não, ajuda-me. É por isso que eu, que durante tanto tempo achei este blogue uma tontaria pegada, gosto, cada dia que passa, um pouco mais dele.

© [m.m. botelho]

não tenhas pressa, só não desistas

«Forget your personal tragedy. We are all bitched from the start and you especially have to be hurt like hell before you can write seriously. But when you get the damned hurt use it — don't cheat with it. Be as faithful to it as a scientist — but don't think anything is of any importance because it happens to you or anyone belonging to you
Ernest Hemingway [1899-1961], numa carta dirigida a F. Scott Fitzgerald [1896-1940]
[negritos meus] [fonte: visto aqui]

[Note to self: Não tenhas pressa. Praticamente ninguém faz nada de jeito antes dos 30, porque até lá andamos quase todos a brincar aos crescidos sem o sermos. Não tenhas pressa. O que queres fazer haverá de te sair de dentro com a força de um tsunami e haverá de corresponder ao que desejas, não menos do que isso. Deixa que a vida te dê a experiência e a sabedoria indispensáveis, a matéria-prima, o princípio e o fim. Não tenhas pressa, só não desistas. Nunca desistas do que queres para ti e nunca deixes de acreditar que haverás de o alcançar. E repete isto todos os dias. Todos os dias da tua vida.]

ironias do des(a)tino

É frequente ouvir algumas pessoas tecerem juízos de valor sobre comportamentos alheios. Os assuntos podem até nem lhes dizer respeito, mas, ainda assim, acham que, do alto da sua sabedoria de vão-de-escada, lhes assiste o direito de aprovar ou reprovar o que os outros fazem e de os aconselhar assim ou assado. Os mais ousados, cuja sabedoria continua a ser de vão-de-escada mas usa uns fatinhos mais aprumados e põe água de colónia ao fim-de-semana, atrevem-se mesmo a fazer iluminadas interpretações sobre os motivos que levam as pessoas a fazer o que fazem ou a não fazer o que não fazem. Geralmente, concluem que os outros são sempre uns grandes palermas e que eles é que estão certos, que os outros andam sempre a fugir dos desafios da vida em vez de os enfrentarem, que os outros optam sempre pela solução menos trabalhosa em vez de arriscarem. São tão tolos, tão tolos, que até ousam saber o melhor para a vida dos outros e dar-lhes conselhos e, nos casos mais graves de tolice, até fazer comparações sobre o que desconhecem. E fazem-no porque acham que sabem tudo sobre tudo. Fazem-no porque acham que, se as coisas fossem consigo, teriam tudo sob controlo e saberiam sempre como agir e o que dizer, o que é o certo e o errado, onde é que a espada da Justiça tem de cortar para cortar bem. A verdade é que, as mais das vezes, os que tanto analisam a vida alheia e tão lampeiros são a julgar e condenar os outros, nem o que vai na sua cabecinha são capazes de entender. Andam tão ocupados a tentar perceber os outros que se esquecem de se perceber a si mesmos.

Curiosamente, é também frequente ver que as mesmas pessoas que criticaram os comportamentos alheios, acabam, mais tarde ou mais cedo, por adoptá-los, ainda que com contornos diferentes, que cada vida é uma história. E, ao fazerem-no, estão a sentar-se não no banco dos réus onde os outros que eles julgaram serão agora os seus juízes (os outros, se forem inteligentes, estão-se nas tintas para o julgamento), mas antes nos bancos da escola que é a vida, onde aprenderão preciosas lições. Uma chatice, pois, mas as lições de vida são absolutamente indispensáveis para mostrar aos que se acham muito inteligentes, perspicazes, seguros e bons ajuizadores que eles, tal como todos os outros seres humanos, afinal também fazem grandes disparates e se enganam e, às vezes, de que maneira! E quanto a isto não há volta a dar-lhe: a força da gravidade é um facto e quem cospe para o ar tem necessariamente de levar com a saliva de volta, em cheio, na testa, como o desgraçado Newton levou com a maçã enquanto pensava sabe-se lá em quê.

Se é verdade que, como dizia Oscar Wilde, «a vida imita a arte», também é verdade que às vezes as vidas imitam outras vidas. Quando estamos a fazer aquele exercício de nos pormos nos sapatos dos outros, aquele exercício que todos achamos que fazemos e fazemos bem (e que quase ninguém é capaz sequer de fazer, quanto mais de fazer bem), apontamos o dedinho ao parceiro, juramo-nos incapazes de fazer e dizer certas coisas, usamos palavras definitivas e implacáveis como «imperdoável» ou «nunca mais» e até levamos a mãozinha à boca quando pensamos no que os outros fizeram. «Eu, jamais!», dizemos, «Eu, nunca!». A grande maçada é que, às vezes, a vida prega-nos partidas, porque ainda o demo não esfregou um olho e já nós damos por nós a fazer a mesmíssima coisa que avidamente criticámos nos outros. Lá está: a vida imita a arte, mas a vida também imita a vida.

Nesses momentos, em que revelamos ao mundo que o que andamos a fazer é o mesmo que há pouco criticávamos nos outros, transformamo-nos em algo muito divertido de se ver de fora: desnorteados, tontinhos, incoerentes, à deriva, inconsistentes, dizendo uma coisa na segunda-feira e o seu contrário na quinta, quebrando todas as promessas e todos os «jamais», fazendo o que jurámos nunca fazer e proclamando as grandes intenções para o futuro, adiantando resoluções sobre tudo e sobre nada. Resoluções essas que, como o tempo se encarrega de demonstrar, são sol de pouca dura: não passa um mês (podia dizer uma semana, mas apetece-me ser generosa no espaço de tempo a referir) e já a banda toca outro pasodoble.

É por isso que o povo diz e com razão que «quem muito fala, pouco acerta» e que a minha Avó materna me repete, há décadas, que «só se sabe o que se diz e só se lê o que está escrito». Para viver sabiamente o melhor, mesmo, é, para não correr o risco de não se saber o que se está a dizer, estar caladinho. Porque tudo o que dissermos, desde as críticas aos conselhos, passando pelas juras, as promessas, os «jamais» e os cantares de galo e a esperteza saloia, haverão de transformar-se em enormes gotas quando a saliva que cuspimos para o ar iniciar o seu movimento descendente e ela inicia-o sempre. Então, haveremos de dar por nós, testa a escorrer de cuspo, a olhar para os pés cravados de balas que nós mesmos disparámos, comprometidos com o que dissemos quando, na realidade, não sabíamos o que estávamos a dizer. E a sentença que aplicámos ao outro, teremos coragem de a aplicar a nós? Era lindo, era, mas a maior parte de nós não tem porque, já se sabe, «ninguém é bom juiz em causa própria».

É claro que podemos sempre mudar de ideias e dizer o contrário do anteriormente dito a cada dia que passa, porque nós podemos tudo, sempre. Todavia, se as ideias não tiverem sido ditas, só nós é que daremos conta das nossas contradições, não os outros e, portanto, as nossas incoerências ficarão sempre só nossas. Existem, o que não é nada bom, mas pelo menos não são visíveis, não estão expostas, não serão motivo da troça de ninguém.

Não foi à toa que os romanos, creio, criaram três máximas que se encadeiam umas nas outras: 1. se pensares, não digas; 2. se disseres, não escrevas; 3. se escreveres, não assines. Foi precisamente para nos alertar que, porque a vida dá muitas voltas, nos devemos poupar à exibição das nossas incoerências e das nossas vacilações, porque todos as temos, mas só uns é que são totós ao ponto de as confessar publicamente. No fundo, é fazer o velho exercício do «pensar primeiro e falar depois», que é como quem diz falar só se valer a pena, se for para manter o que foi dito, se for para manter a face, se se tiver a certeza de que a situação, ainda que só seja eterna enquanto durar (a devida vénia ao Vinicius), que pelo menos dure um tempinho considerável que lhe dê ao menos a aparência de séria.

A essas incoerências expostas, a essa lastimosa revelação ao mundo de que o tabuleiro de jogo virou e nós perdemos as fichas (e com que rapidez ele vira e nós as perdemos!), a essas testas cheias de saliva cuspida para o ar, a esses tiros no pé disparados pelo próprio achando que fazia grande coisa, a tudo isso há quem chame «ironias do destino». Eu, que mesmo depois de estar tudo inventado desde a Babilónia Antiga tenho esta minha mania de tentar ser autêntica, prefiro chamar-lhes «ironias do desatino». Para mim, é só mesmo isso que são.

© [m.m. botelho]

2.4.11

a benesse da justificação

Concordo em absoluto com o que é dito no «instantâneo» do post que antecede este. É por isso que eu ainda vou concedendo a benesse da justificação às pessoas que dão os chamados "pontapés na vida", mas são novas, inexperientes e imaturas e, portanto, embora pensem que sim, não sabem bem o que estão a fazer (já todos andámos lá, não há quem possa atirar a primeira pedra). Todavia, já não consigo concedê-la a quem já viveu umas quantas experiências e tem idade e maturidade para saber distinguir o que é verdadeiramente importante e irrepetível do que é um disparate, um capricho ou um devaneio. Por isso, se no primeiro caso ainda atribuo a burrice ao cheiro a leite, no segundo só posso atribuí-la à estupidez.

À medida que vamos ficando mais velhos e vamos adoptando um discurso paternalista em relação aos outros, principalmente se mais jovens do que nós, convém que ajamos em coerência com esse tom de quem sabe muito porque já viveu muito. Caso contrário, os mais novos podem até ouvir, mas dificilmente levarão a sério o que lhes é dito. E aquilo que se leva uma vida inteira a conquistar, perde-se num segundo: a admiração. E depois da admiração perdida, resta muito pouco. Resta o respeito, se o outro (o jovem que ainda não viveu nada e devia sorver cada palavra do que lhe é dito por quem tem a autoridade dos anos, de preferência fazendo vénias a cada frase proferida) for de boa cêpa, senão, nem isso. Perde-se tudo e é uma maçada.

Eu tenho sérias dúvidas se alguma vez se recupera seja o que for, mas isso sou eu, 31 anos, meia vida ainda não vivida, quiçá algum cheiro a leite ainda a aflorar dos colarinhos. Daqui a uns anos, talvez volte aqui com outra perspectiva, outras conclusões, outras certezas. Dando a vida as voltas que dá, qui sapit?

© [m.m. botelho]

instantâneos [26]

visto aqui

1.4.11

fazer 31 anos é magnífico

Se calhar, só eu e Deus sabemos o quanto eu quis livrar-me de 2010. Recordo-me bem da passagem de ano de 2009-2010 e foi muito, muito boa. Estava muito feliz, foi uma grande noite na companhia de pessoas que eu amava muito e por quem era amada. Os primeiros telefonemas, foram para outros da mesma condição com quem, infelizmente, não pude estar ao vivo. Bati com tachos e panelas na varanda, atordoando o Porto. Dei abraços e beijos. Lavei a loiça do jantar e depois saímos para dançar. Lembro-me da animação do sítio, das palavras sussurradas ao ouvido, do isqueiro preto no bolso a acender os cigarros de toda a gente.

Também me recordo bem do dia em que fiz 30 anos. A manhã foi passada em Lisboa, a tarde em Sintra. Lembro-me do que vesti nesse dia: jeans, camisa azul escura, camisola de algodão vermelha, casaco e botas verde-tropa. Fartei-me de passear por Sintra. Andei imenso, subi ladeiras, desci a pé uma estrada pejada de automóveis que contornei com a testa a transpirar, mas com a satisfação de ter calcorreado aquilo tudo a pé. Parei na Piriquita e, depois de esperar numa fila considerável, comprei travesseiros, queijadas e uma garrafa de água lisa. Depois, fui de carro para o Parque da Pena. Comi um travesseiro ainda no carro, estacionado no parque, entre os carvalhos. As portas abertas, o calor de um dia de Primavera, um braço esticado para fora do carro e, na ponta, um cigarro. Bebi água lisa. Lembro-me muito bem da primeira frase que disse quando entrei no Parque da Pena: disse o mesmo que dizia sempre que entrava num sítio onde ainda não tinha estado. Lembro-me dos minutos de descanso junto ao bar do Palácio da Pena e do telefonema para reservar a mesa no Restô, «uma das que ficam voltadas para a janela, por favor». Lembro-me do menu: mousse de queijos, cogumelos Portobello gratinados, veado à Vila Viçosa, picanha com chocolate, uma garrafa de água lisa e natural, uma garrafa de EA tinto de 2008, tarte de framboesa para a sobremesa, dois cafés e um par de cigarros no terraço que dá para o bar. Lembro-me de tudo muito bem. Feliz ou infelizmente - confesso que já não sei - tenho uma memória do caraças.

Mas a verdade é que eu queria muito livrar-me dos 30. Gostei muito do dia em que fiz 30 anos, tanto, que ainda me lembro exactamente do que fiz e dos telefonemas que recebi, dos mimos que me deram, mas não gostei do facto de fazer 30 anos. Não sei porquê, não me interessa. Agora não quero pensar nisso. Não sei se alguma vez quererei.

Hoje, estou finalmente em 2011 e finalmente nos 31! Sinto um misto de alívio, leveza, felicidade, alegria e emoção. Fazer 31 anos é, neste momento, para mim, simplesmente maravilhoso! É grandioso! É libertador! Sinto-me feliz, caramba! Sinto-me bem! Sinto que é um novo ciclo que começa. Um ciclo que se iniciou no dia 1 de Janeiro, mas que arranca definitivamente no dia 1 de Abril. Um ciclo que se iniciou com a chegada de 2011, mas que arranca definitivamente com os meus 31 anos.

Os 30 foram, na globalidade, bastante maus, tal como 2010 foi um ano, na generalidade, também mau. Sim, foi quase tudo péssimo, mas eu não quero mais pensar nem em 2010 nem nos 30. Quero olhar para tudo o que me aconteceu enquanto os dois (ano e aniversário) se sobrepuseram como se tivesse acontecido numa outra encarnação. Quero começar de novo e, para isso, nada melhor do que um aniversário. Hoje não irei a Lisboa, nem a Sintra, nem jantarei no Restô numa mesa voltada para a janela, mas serei igualmente feliz. Vou voltar a vestir jeans, mas tudo o resto será diferente. Não será melhor, nem pior, será só diferente. De uma diferença pacífica, de uma diferença desejada. De uma diferença que me faz sentir que hoje é um novo começo. Não sei dizer isto de outra forma: fazer 31 anos é magnífico. E eu precisava tanto disto, meu Deus, como, provavelmente, só eu e Tu sabemos.

© [m.m. botelho]

trinta e um

[m.m. botelho]

Finalmente: trinta e um.

[E que melhor presente do que um texto escrito com o coração pela minha Mana, que quis o acaso nascesse no mesmo dia que eu (ou eu no mesmo dia que ela, que quando eu nasci, ela já cá andava)? Sou uma mulher de muita sorte por ter alguém como a minha Mana na minha vida. Não, isto é sorte: é fortuna, nas duas acepções do termo. É fortuna e é imensa.]

© [m.m. botelho]

eu

[m.m. botelho] || Marta Madalena Botelho
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