30.3.08

o espectáculo da vida de cada um

A morte senta-se sempre na primeira fila. Imóvel, impassível, impenetrável. Não cheira a nada e, no entanto, é como se lhe sentíssemos o odor a cada inspiração; não tem sabor, mas é como se lhe provássemos o gosto a cada garfada; não tem rosto, mas é como se a víssemos em todas as esquinas que dobramos. Está sentada na primeira fila, assistindo ao espectáculo da vida de cada um de nós. Em silêncio, presencia cada acontecimento marcante, cada grito, cada choro, cada beijo, cada gargalhada, todos os abraços que damos e todos os palavrões que dizemos. Vê-nos dormir, acordar, trabalhar, amar e odiar com a cumplicidade dos grandes amigos, dos grandes amores, da família mais próxima.

Desde a infância até à velhice, a percepção e a certeza da morte são companheiras permanentes de caminho. Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, mas inevitavelmente, o confronto sucederá: infalível, inelutável, irrepetível.

Morrer pode ser libertador ou penalizador, dependendo daquilo que já fizemos e do que ainda queremos fazer e, é claro, da qualidade de vida ou falta dela. A consciência da morte apressa-nos, faz-nos sôfregos de ser e estar, empurra-nos para o vórtice das sensações e das emoções, conduz-nos ao excesso e ao desvario. Por outro lado, incute-nos o desejo de realização pessoal, de superação contínua e máxima, faz-nos ultrapassar limites, traçar alargados objectivos, progredir, desejar aproveitar do melhor modo possível cada minuto que passa.

A noção da finitude da vida, qual espada de Dâmocles que pende sobre todas as cabeças, pode surtir em nós os melhores ou os piores efeitos, dar-nos a melhor ou a pior perspectiva das coisas, ser factor de felicidade ou de desespero. Estar consciente de que se vai morrer e ter de ficar à espera que a morte venha ter connosco pode, contudo, ser angustiante. E, até, em certa medida, injusto.

Viver não deveria, nunca, ser uma obrigação, nem uma imposição de regimes políticos, religiões, concepções morais e/ou éticas. Morrer também não. Vida e morte não são valores absolutos, mas circunstâncias que dependem, as mais das vezes, do imprevisto (por acaso, ainda estou viva para escrever esta crónica, mas não sei se, igualmente por acaso, não estarei morta para a semana, mesmo a tempo de não escrever a próxima). Uma autêntica roleta russa, esta coisa da sucessão dos dias. Ora (ainda) se é, ora (já) não se é.

De cada vez que lançamos o olhar para o público, lá está ela. A morte continua ali, sentada na primeira fila, assistindo ao desenrolar dos nossos dias. Se não foi convidada por ninguém, então, certamente, pagou o justo preço do bilhete. Não defraudemos, pois, as suas elevadas expectativas. Até ao cair do pano, o espectáculo deve continuar e, no final, ouvir-se o som dos aplausos. Coloquemos a persona e prossigamos com a representação. A vida, afinal, é muito (d)isso.

[Também publicado em PNETcrónicas.]

© Marta Madalena Botelho

eu

[m.m. botelho] || Marta Madalena Botelho
blogues: viagens interditas [textos] || vermelho.intermitente [textos]
e-mail: viagensinterditas @ gmail . com [remover os espaços]

blogues

os meus refúgios || 2 dedos de conversa || 30 and broke || a causa foi modificada [off] || a cidade dos prodígios || a cidade surpreendente || a curva da estrada || a destreza das dúvidas || a dobra do grito || a livreira anarquista || a mulher que viveu duas vezes || a outra face da cidade surpreendente || a minha vida não é isto || a montanha mágica || a namorada de wittgenstein || a natureza do mal || a tempo e a desmodo || a terceira noite || as folhas ardem || aba da causa || adufe || ágrafo || ainda não começámos a pensar || albergue dos danados || alexandre soares silva [off] || almocreve das petas [off] || animais domésticos || associação josé afonso || ana de amsterdam || antónio sousa homem || atum bisnaga || avatares de um desejo || beira-tejo || blecaute-boi || bibliotecário de babel || blogtailors || blogue do jornal de letras || bolha || bomba inteligente || cadeirão voltaire || café central || casadeosso || causa nossa || ciberescritas || cibertúlia || cine highlife || cinerama || coisas do arco da velha || complexidade e contradição || córtex frontal [off] || crítico musical [off] || dados pessoais || da literatura || devaneios || diário de sombras || dias assim || dias felizes || dias im[perfeitos] || dias úteis || educação irracional || entre estantes || explodingdog > building a world || f, world [guests only] || fogo posto || francisco josé viegas - crónicas || french kissin' || gato vadio [livraria] || guilhermina suggia || guitarra de coimbra 4 [off] || húmus. blogue rascunho.net || il miglior fabbro || imitation of life || indústrias culturais || inércia introversão intusiasmo || insónia || interlúdio || irmão lúcia || jugular || lei e ordem || lei seca [guests only] || leitura partilhada || ler || literatura e arte || little black spot || made in lisbon || maiúsculas [off] || mais actual || medo do medo || menina limão || menino mau || miss pearls || modus vivendi || monsieur|ego || moody swing || morfina || mundo pessoa || noite americana || nuno gomes lopes || nu singular || o amigo do povo || o café dos loucos || o mundo de cláudia || o que cai dos dias || os livros ardem mal || os meus livros || oldies and goldies || orgia literária || ouriquense || paulo pimenta diários || pedro rolo duarte || pequenas viagens || photospathos || pipoco mais salgado || pó dos livros || poesia || poesia & lda. || poetry café || ponto media || poros || porto (.) ponto || postcard blues [off] || post secret || p.q.p. bach || pura coincidência || quadripolaridades || quarta república || quarto interior || quatro caminhos || quintas de leitura || rua da judiaria || saídos da concha || são mamede - cae de guimarães || sem compromisso || semicírculo || sem pénis nem inveja || sem-se-ver || sound + vision || teatro anatómico || the ballad of the broken birdie || the sartorialist || theoria poiesis praxis || theatro circo || there's only 1 alice || torreão sul || ultraperiférico || um amor atrevido || um blog sobre kleist || um voo cego a nada || vida breve || vidro duplo || vodka 7 || vontade indómita || voz do deserto || we'll always have paris || zarp.blog

cultura e lazer

agenda cultural de braga || agenda cultura de évora || agenda cultural de lisboa || agenda cultural do porto || agenda cultural do ministério da cultura || agenda cultural da universidade de coimbra || agenda de concertos - epilepsia emocional || amo.te || biblioteca nacional || CAE figueira da foz || café guarany || café majestic || café teatro real feitorya || caixa de fantasia || casa agrícola || casa das artes de vila nova de famalicão || casa da música || centro cultural de belém || centro nacional de cultura || centro português de fotografia || cinecartaz || cinema 2000 || cinema passos manuel || cinema português || cinemas medeia || cinemateca portuguesa || clube de leituras || clube literário do porto || clube português artes e ideias || coliseu do porto || coliseu dos recreios || companhia nacional de bailado || culturgest || culturgest porto || culturporto [rivoli] || culturweb || delegação regional da cultura do alentejo || delegação regional da cultura do algarve || delegação regional da cultura do centro || delegação regional da cultura do norte || e-cultura || egeac || era uma vez no porto || europarque || fábrica de conteúdos || fonoteca || fundação calouste gulbenkian || fundação de serralves || fundação engenheiro antónio almeida || fundação mário soares || galeria zé dos bois || hard club || instituto das artes || instituto do cinema, audiovisual e multimédia || instituto português da fotografia || instituto português do livro e da biblioteca || maus hábitos || mercado das artes || mercado negro || museu nacional soares dos reis || o porto cool || plano b || porto XXI || rede cultural || santiago alquimista || são mamede - centro de artes e espectáculos de guimarães || sapo cultura || serviço de música da fundação calouste gulbenkian || teatro académico gil vicente || teatro aveirense || teatro do campo alegre || theatro circo || teatro helena sá e costa || teatro municipal da guarda || teatro nacional de são carlos || teatro nacional de são joão || teatropólis || ticketline || trintaeum. café concerto rivoli

leituras e informação

365 [revista] || a cabra - jornal universitário de coimbra || a oficina [centro cultural vila flor - guimarães] || a phala || afrodite [editora] || águas furtadas [revista] || angelus novus [editora] || arquitectura viva || arte capital || assírio & alvim [editora] || associação guilhermina suggia || attitude [revista] || blitz [revista] || bodyspace || book covers || cadernos de tipografia || cosmorama [editora] || courrier international [jornal] || criatura revista] || crí­tica || diário de notícias [jornal] || el paí­s [jornal] || el mundo [jornal] || entre o vivo, o não-vivo e o morto || escaparate || eurozine || expresso [jornal] || frenesi [editora] || goldberg magazine [revista] || granta [revista] || guardian unlimited [jornal] || guimarães editores [editora] || jazz.pt || jornal de negócios [jornal] || jornal de notí­cias [jornal] || jusjornal [jornal] || kapa [revista] || la insignia || le cool [revista] || le monde diplomatique [jornal] || memorandum || minguante [revista] || mondo bizarre || mundo universitário [jornal] || os meus livros || nada || objecto cardí­aco [editora] || pc guia [revista] || pnethomem || pnetmulher || poets [AoAP] || premiere [revista] || prisma.com [revista] || público pt [jornal] || público es [jornal] || revista atlântica de cultura ibero-americana [revista] || rezo.net || rolling stone [revista] || rua larga [revista] || sol [jornal] || storm magazine [revista] || time europe [revista] || trama [editora] || TSF [rádio] || vanity fair [revista] || visão [revista]

direitos de autor dos textos

Os direitos de autor dos textos publicados neste blogue, com excepção das citações com autoria devidamente identificada, pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução, ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

direitos de autor das imagens

Os direitos de autor de todas as imagens publicadas neste blogue cuja autoria ou fonte não sejam identificadas como pertencendo a outras pessoas ou entidades pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

algumas notas importantes sobre os direitos de autor

» O âmbito do direito de autor e os direitos conexos incidem a sua protecção sobre duas realidades: a tutela das obras e o reconhecimento dos respectivos direitos aos seus autores.
» O direito de autor protege as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
» Obras originais são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação ou objecto.
» Uma obra encontra-se protegida, logo que é criada e fixada sob qualquer tipo de forma tangível de modo directo ou com a ajuda de uma máquina.
» A protecção das obras não está sujeita a formalização alguma. O direito de autor constitui-se pelo simples facto da criação, independentemente da sua divulgação, publicação, utilização ou registo.
» O titular da obra é, salvo estipulação em contrário, o seu criador.
» A obra não depende do conhecimento pelo público. Ela existe independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, apenas se lhe impondo, para beneficiar de protecção, que seja exteriorizada sob qualquer modo.
» O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.