Chega o tempo quente e com ele o prenúncio de férias. Férias, essa palavra simultaneamente tão desejada e tão temida pelos casais.
Se é verdade que as férias podem e devem ser sinónimo de descanso, também é verdade que, em alguns casos, acabam por ser um período de reflexão em que se chega a uma penosa conclusão: a da incontornável finitude das relações amorosas.
Não é por acaso que a maior parte dos casais se separa – muitas vezes de modo definitivo – após as férias de Verão. São, pelo menos, duas semanas em que cada um dos elementos do casal tem necessariamente de conviver com o outro, muitas vezes exclusivamente um com o outro, sem o subterfúgio que podem ser os filhos e os amigos. E é nessas circunstâncias que se começa a ter percepção daquilo que realmente subsistiu da relação entre ambos. E, às vezes, o que subsistiu foi muito pouco.
Costumo gracejar e dizer que o Verão traz consigo dois factores essenciais à correcta percepção dos amores: a claridade da luz do sol e os corpos ao léu. A claridade é fundamental porque nos permite ver melhor quem temos ao nosso lado e toda a panóplia de características que o/a compõem. Os corpos ao léu, por sua vez, têm uma dupla virtude: se, por um lado – e metaforicamente falando –, revelam o que verdadeiramente existe, sem quaisquer artificialismos, por outro lado – e concretamente falando –, são o melhor meio de aferir o quão a pessoa com quem partilhamos a vida gosta de admirar «o alheio», consoante siga mais ou menos disfarçadamente (inclinando corpo, cabeça e o mais que houver para inclinar) todo e qualquer corpinho descascado que lhe passe pela frente dos olhos.
Brincadeiras à parte, diria que o modo como os casais vivem o período de férias é fundamental para a continuidade das relações e todos teríamos a lucrar se tomássemos consciência disso. Tempo sem trabalho é tempo para pensarmos em nós e nas nossas necessidades. Em síntese e sem rodeios: é tempo de egoísmo. Nas férias queremos fazer o que nos dá na realíssima gana (seja isso beber até cair todas as noites, seja ler «Os Miseráveis» de uma assentada). Só que fazer o que nos apetece exibe um pouco daquilo que somos. E esse pouco acaba por ser muitíssimo, já que, regra geral, coincide com aquilo que tentamos que passe despercebido durante o resto do ano.
Partilhar as férias com alguém pode significar o confronto com o que é aquela pessoa sem disfarces. E isso nem sempre é agradável e/ou vai de encontro às nossas expectativas. É aí que entra aquela malvada sensação que tanto nos consome e que tanto procuramos ignorar e que se chama «desilusão». Porém, julgar que a desilusão apenas vem do lado do outro é, no mínimo, ingénuo. Durante as férias o tempo também nos sobra para pensarmos no que fizemos durante o ano que passou, no que crescemos, no que fizemos o outro crescer, nos objectivos que cumprimos, nos que ajudámos o outro a cumprir, no quanto nos entregámos ao amor e no quanto deixámos que o outro a ele se entregasse. As conclusões a que chegamos nestas matérias ficam muitas vezes longe daquilo que imaginávamos que estivessem e é aí que somos confrontados com as nossas próprias (imensas) falhas.
Frequentemente, os meses de Verão, em consequência da maior disponibilidade, são meses de observância atenta e ponderada das relações amorosas. Frequentemente, os meses pós-Verão, em consequência da reflexão antes levada a cabo, são meses de decisões sérias e definitivas sobre o estado das relações amorosas. É um dado adquirido, quase um cliché social. Quero acreditar que não há nada de errado nisso e que se trata somente de uma consequência normal do desgaste que afecta as pessoas. Contudo, confesso que dou por mim a pensar se não seria bem diferente se todos fossemos quem realmente somos e tivéssemos a ousadia de fazer o que nos dá na real gana ao longo de todo o ano. Talvez então as férias fossem tempo de não pensar em nada, verdadeiras férias, merecido descanso.
[Também publicado emPNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho
Se é verdade que as férias podem e devem ser sinónimo de descanso, também é verdade que, em alguns casos, acabam por ser um período de reflexão em que se chega a uma penosa conclusão: a da incontornável finitude das relações amorosas.
Não é por acaso que a maior parte dos casais se separa – muitas vezes de modo definitivo – após as férias de Verão. São, pelo menos, duas semanas em que cada um dos elementos do casal tem necessariamente de conviver com o outro, muitas vezes exclusivamente um com o outro, sem o subterfúgio que podem ser os filhos e os amigos. E é nessas circunstâncias que se começa a ter percepção daquilo que realmente subsistiu da relação entre ambos. E, às vezes, o que subsistiu foi muito pouco.
Costumo gracejar e dizer que o Verão traz consigo dois factores essenciais à correcta percepção dos amores: a claridade da luz do sol e os corpos ao léu. A claridade é fundamental porque nos permite ver melhor quem temos ao nosso lado e toda a panóplia de características que o/a compõem. Os corpos ao léu, por sua vez, têm uma dupla virtude: se, por um lado – e metaforicamente falando –, revelam o que verdadeiramente existe, sem quaisquer artificialismos, por outro lado – e concretamente falando –, são o melhor meio de aferir o quão a pessoa com quem partilhamos a vida gosta de admirar «o alheio», consoante siga mais ou menos disfarçadamente (inclinando corpo, cabeça e o mais que houver para inclinar) todo e qualquer corpinho descascado que lhe passe pela frente dos olhos.
Brincadeiras à parte, diria que o modo como os casais vivem o período de férias é fundamental para a continuidade das relações e todos teríamos a lucrar se tomássemos consciência disso. Tempo sem trabalho é tempo para pensarmos em nós e nas nossas necessidades. Em síntese e sem rodeios: é tempo de egoísmo. Nas férias queremos fazer o que nos dá na realíssima gana (seja isso beber até cair todas as noites, seja ler «Os Miseráveis» de uma assentada). Só que fazer o que nos apetece exibe um pouco daquilo que somos. E esse pouco acaba por ser muitíssimo, já que, regra geral, coincide com aquilo que tentamos que passe despercebido durante o resto do ano.
Partilhar as férias com alguém pode significar o confronto com o que é aquela pessoa sem disfarces. E isso nem sempre é agradável e/ou vai de encontro às nossas expectativas. É aí que entra aquela malvada sensação que tanto nos consome e que tanto procuramos ignorar e que se chama «desilusão». Porém, julgar que a desilusão apenas vem do lado do outro é, no mínimo, ingénuo. Durante as férias o tempo também nos sobra para pensarmos no que fizemos durante o ano que passou, no que crescemos, no que fizemos o outro crescer, nos objectivos que cumprimos, nos que ajudámos o outro a cumprir, no quanto nos entregámos ao amor e no quanto deixámos que o outro a ele se entregasse. As conclusões a que chegamos nestas matérias ficam muitas vezes longe daquilo que imaginávamos que estivessem e é aí que somos confrontados com as nossas próprias (imensas) falhas.
Frequentemente, os meses de Verão, em consequência da maior disponibilidade, são meses de observância atenta e ponderada das relações amorosas. Frequentemente, os meses pós-Verão, em consequência da reflexão antes levada a cabo, são meses de decisões sérias e definitivas sobre o estado das relações amorosas. É um dado adquirido, quase um cliché social. Quero acreditar que não há nada de errado nisso e que se trata somente de uma consequência normal do desgaste que afecta as pessoas. Contudo, confesso que dou por mim a pensar se não seria bem diferente se todos fossemos quem realmente somos e tivéssemos a ousadia de fazer o que nos dá na real gana ao longo de todo o ano. Talvez então as férias fossem tempo de não pensar em nada, verdadeiras férias, merecido descanso.
[Também publicado emPNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho