26.10.08

deus tem sentido de humor, alguns portugueses é que não.

Durante esta semana foi noticiado que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) recebeu mais de setenta queixas motivadas por um sketch intitulado «Louvado sejas, ó Magalhães», que integrou o episódio 3 do último programa dos Gato Fedorento, «Zé Carlos», no qual alguém envergando uma batina celebra uma cerimónia muito semelhante a uma missa em louvor do Magalhães, que termina com o sacrifício de um dos presentes, todos eles professores. Segundo um comunicado da ERC, as queixas apresentadas a propósito deste sketch, todas em nome individual, centram-se «essencialmente na ofensa, no achincalhamento e na falta de respeito pelos símbolos religiosos católicos, em especial pelos rituais da Eucaristia».

Ainda é recente a memória da suspensão da emissão dos programas de Herman José na R.T.P. por ter parodiado a Última Ceia. A sorte de Manuel Luís Goucha e de Teresa Guilherme foi ainda mais insólita: foram ambos despedidos da Rádio Renascença por terem contado aos microfones daquela estação de rádio uma anedota em que uma das personagens era Deus.

Lamentavelmente, não se pode dizer que seja propriamente novidade em Portugal o que está a suceder aos Gato Fedorento, tal como não pode dizer que o que aconteceu a Herman, Goucha e Teresa Guilherme sejam apenas vagas lembranças. Em Portugal continua a haver quem ainda não consiga distinguir a caricatura da ofensa, a crítica do ultraje, a liberdade de expressão da afronta.

Há quatro aspectos comuns a estas três histórias: (1) são momentos humorísticos (2) de certa forma relacionados com a religião que (3) foram transmitidos em meios de comunicação social e (4) que suscitaram sentimentos de ofensa em alguém. Contudo, há anos a separá-las. Anos que, supostamente, deveriam ter surtido algum efeito no modo como os portugueses reagem ao humor, mas que não surtiram.

Com efeito, continua a haver em Portugal quem ache que há temas absolutamente vedados ao humor. Alguns nacionalistas, por exemplo, acham que cantar o hino nacional com uma letra alterada deveria ser razão mais do que suficiente para encarcerar alguém durante, no mínimo, vinte anos (mas estou certa de que se lhes perguntássemos o nome de quem escreveu a música e a letra de «A Portuguesa», não saberiam dizer). Por seu turno, os adeptos dos clubes de futebol continuam a zangar-se uns com os outros só à conta de umas anedotas que alguém com excesso de tempo livre põe a circular via e-mail. Alguns católicos, por sua vez, acham que importar alguns elementos da sua religião para fazer uma crítica ao governo (sim, por incrível que pareça, tratava-se de uma crítica ao governo e às acções de formação por ele propostas aos professores e não de um achincalhamento da cerimónia da missa) é uma infâmia e uma ofensa gravíssima ao seu sentimento religioso.

Resumindo, em Portugal só se pode fazer piadas sobre alentejanos, mulheres, advogados, homossexuais e a Manuela Moura Guedes. Quase tudo o resto haverá sempre de constituir ofensa para alguém, neste país que, não obstante os hercúleos esforços de alguns perseverantes que teimam em fazer rir este povo sisudo, ainda não é capaz de rir de si mesmo.

O sketch dos Gato Fedorento não contém absolutamente nada que possa considerar-se ofensivo da celebração da missa simplesmente porque não incide sobre nenhum aspecto religioso. Toda a crítica é dirigida às acções de formação do Magalhães, nas quais os professores foram convidados a enaltecer o computador («louvar» foi o verbo utilizado pela imprensa) e a prestar-lhe algo muito semelhante a uma veneração. Embora tenha como inspiração um símbolo religioso católico, o sketch fica-se por aí no que concerne a esse assunto. Tudo o resto é, tão somente... humor, caricatura, boa disposição e crítica mordaz!

O estilo do Gato Fedorento nem sequer é novo. Aliás, há quem diga que este programa esgota o conceito de humor que eles realizam. Não deixa de causar alguma perplexidade, portanto, que haja setenta pessoas a fazer tanto barulho por nada.

Já vai sendo tempo de, em Portugal, se porem de lado certos pruridos que apenas dão azo a polémicas perfeitamente estéreis e de que de nada servem senão para evidenciar que ainda há quem não tenha inteligência suficiente para decompor e interpretar um simples sketch humorístico.

Não consta, contudo, que Jesus tenha vindo à Terra só porque os Gato Fedorento puseram um coro a cantar «Louvado sejas, ó Magalhães», ainda por cima, num Domingo, dia do Senhor! Só há uma conclusão a tirar de tudo isto: Deus tem sentido de humor, alguns portugueses é que não.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

eu

[m.m. botelho] || Marta Madalena Botelho
blogues: viagens interditas [textos] || vermelho.intermitente [textos]
e-mail: viagensinterditas @ gmail . com [remover os espaços]

blogues

os meus refúgios || 2 dedos de conversa || 30 and broke || a causa foi modificada [off] || a cidade dos prodígios || a cidade surpreendente || a curva da estrada || a destreza das dúvidas || a dobra do grito || a livreira anarquista || a mulher que viveu duas vezes || a outra face da cidade surpreendente || a minha vida não é isto || a montanha mágica || a namorada de wittgenstein || a natureza do mal || a tempo e a desmodo || a terceira noite || as folhas ardem || aba da causa || adufe || ágrafo || ainda não começámos a pensar || albergue dos danados || alexandre soares silva [off] || almocreve das petas [off] || animais domésticos || associação josé afonso || ana de amsterdam || antónio sousa homem || atum bisnaga || avatares de um desejo || beira-tejo || blecaute-boi || bibliotecário de babel || blogtailors || blogue do jornal de letras || bolha || bomba inteligente || cadeirão voltaire || café central || casadeosso || causa nossa || ciberescritas || cibertúlia || cine highlife || cinerama || coisas do arco da velha || complexidade e contradição || córtex frontal [off] || crítico musical [off] || dados pessoais || da literatura || devaneios || diário de sombras || dias assim || dias felizes || dias im[perfeitos] || dias úteis || educação irracional || entre estantes || explodingdog > building a world || f, world [guests only] || fogo posto || francisco josé viegas - crónicas || french kissin' || gato vadio [livraria] || guilhermina suggia || guitarra de coimbra 4 [off] || húmus. blogue rascunho.net || il miglior fabbro || imitation of life || indústrias culturais || inércia introversão intusiasmo || insónia || interlúdio || irmão lúcia || jugular || lei e ordem || lei seca [guests only] || leitura partilhada || ler || literatura e arte || little black spot || made in lisbon || maiúsculas [off] || mais actual || medo do medo || menina limão || menino mau || miss pearls || modus vivendi || monsieur|ego || moody swing || morfina || mundo pessoa || noite americana || nuno gomes lopes || nu singular || o amigo do povo || o café dos loucos || o mundo de cláudia || o que cai dos dias || os livros ardem mal || os meus livros || oldies and goldies || orgia literária || ouriquense || paulo pimenta diários || pedro rolo duarte || pequenas viagens || photospathos || pipoco mais salgado || pó dos livros || poesia || poesia & lda. || poetry café || ponto media || poros || porto (.) ponto || postcard blues [off] || post secret || p.q.p. bach || pura coincidência || quadripolaridades || quarta república || quarto interior || quatro caminhos || quintas de leitura || rua da judiaria || saídos da concha || são mamede - cae de guimarães || sem compromisso || semicírculo || sem pénis nem inveja || sem-se-ver || sound + vision || teatro anatómico || the ballad of the broken birdie || the sartorialist || theoria poiesis praxis || theatro circo || there's only 1 alice || torreão sul || ultraperiférico || um amor atrevido || um blog sobre kleist || um voo cego a nada || vida breve || vidro duplo || vodka 7 || vontade indómita || voz do deserto || we'll always have paris || zarp.blog

cultura e lazer

agenda cultural de braga || agenda cultura de évora || agenda cultural de lisboa || agenda cultural do porto || agenda cultural do ministério da cultura || agenda cultural da universidade de coimbra || agenda de concertos - epilepsia emocional || amo.te || biblioteca nacional || CAE figueira da foz || café guarany || café majestic || café teatro real feitorya || caixa de fantasia || casa agrícola || casa das artes de vila nova de famalicão || casa da música || centro cultural de belém || centro nacional de cultura || centro português de fotografia || cinecartaz || cinema 2000 || cinema passos manuel || cinema português || cinemas medeia || cinemateca portuguesa || clube de leituras || clube literário do porto || clube português artes e ideias || coliseu do porto || coliseu dos recreios || companhia nacional de bailado || culturgest || culturgest porto || culturporto [rivoli] || culturweb || delegação regional da cultura do alentejo || delegação regional da cultura do algarve || delegação regional da cultura do centro || delegação regional da cultura do norte || e-cultura || egeac || era uma vez no porto || europarque || fábrica de conteúdos || fonoteca || fundação calouste gulbenkian || fundação de serralves || fundação engenheiro antónio almeida || fundação mário soares || galeria zé dos bois || hard club || instituto das artes || instituto do cinema, audiovisual e multimédia || instituto português da fotografia || instituto português do livro e da biblioteca || maus hábitos || mercado das artes || mercado negro || museu nacional soares dos reis || o porto cool || plano b || porto XXI || rede cultural || santiago alquimista || são mamede - centro de artes e espectáculos de guimarães || sapo cultura || serviço de música da fundação calouste gulbenkian || teatro académico gil vicente || teatro aveirense || teatro do campo alegre || theatro circo || teatro helena sá e costa || teatro municipal da guarda || teatro nacional de são carlos || teatro nacional de são joão || teatropólis || ticketline || trintaeum. café concerto rivoli

leituras e informação

365 [revista] || a cabra - jornal universitário de coimbra || a oficina [centro cultural vila flor - guimarães] || a phala || afrodite [editora] || águas furtadas [revista] || angelus novus [editora] || arquitectura viva || arte capital || assírio & alvim [editora] || associação guilhermina suggia || attitude [revista] || blitz [revista] || bodyspace || book covers || cadernos de tipografia || cosmorama [editora] || courrier international [jornal] || criatura revista] || crí­tica || diário de notícias [jornal] || el paí­s [jornal] || el mundo [jornal] || entre o vivo, o não-vivo e o morto || escaparate || eurozine || expresso [jornal] || frenesi [editora] || goldberg magazine [revista] || granta [revista] || guardian unlimited [jornal] || guimarães editores [editora] || jazz.pt || jornal de negócios [jornal] || jornal de notí­cias [jornal] || jusjornal [jornal] || kapa [revista] || la insignia || le cool [revista] || le monde diplomatique [jornal] || memorandum || minguante [revista] || mondo bizarre || mundo universitário [jornal] || os meus livros || nada || objecto cardí­aco [editora] || pc guia [revista] || pnethomem || pnetmulher || poets [AoAP] || premiere [revista] || prisma.com [revista] || público pt [jornal] || público es [jornal] || revista atlântica de cultura ibero-americana [revista] || rezo.net || rolling stone [revista] || rua larga [revista] || sol [jornal] || storm magazine [revista] || time europe [revista] || trama [editora] || TSF [rádio] || vanity fair [revista] || visão [revista]

direitos de autor dos textos

Os direitos de autor dos textos publicados neste blogue, com excepção das citações com autoria devidamente identificada, pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução, ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

direitos de autor das imagens

Os direitos de autor de todas as imagens publicadas neste blogue cuja autoria ou fonte não sejam identificadas como pertencendo a outras pessoas ou entidades pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

algumas notas importantes sobre os direitos de autor

» O âmbito do direito de autor e os direitos conexos incidem a sua protecção sobre duas realidades: a tutela das obras e o reconhecimento dos respectivos direitos aos seus autores.
» O direito de autor protege as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
» Obras originais são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação ou objecto.
» Uma obra encontra-se protegida, logo que é criada e fixada sob qualquer tipo de forma tangível de modo directo ou com a ajuda de uma máquina.
» A protecção das obras não está sujeita a formalização alguma. O direito de autor constitui-se pelo simples facto da criação, independentemente da sua divulgação, publicação, utilização ou registo.
» O titular da obra é, salvo estipulação em contrário, o seu criador.
» A obra não depende do conhecimento pelo público. Ela existe independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, apenas se lhe impondo, para beneficiar de protecção, que seja exteriorizada sob qualquer modo.
» O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.