Consta que o Natal é época de excessos alimentares. As mesas costumam estar fartas, os apetites abertos e o convívio incentiva à gula e à digestão. Digo «consta» porque faço parte daquele grupo de pessoas a quem as mesas recheadas e tudo e mais alguma coisa causam sensação de enfartamento imediato, quase como que desincentivando a boca de comer aquilo que o estômago não quer ter a trabalheira de digerir. No fundo, tudo se resume a uma questão de preguiça e ao facto de me entusiasmar muito mais uma boa conversa à lareira na noite de Natal do que a calda de açúcar dos sonhos.
Seja Natal ou não, a verdade é que nunca tive grande queda para os doces. Não vou daqui ali por chocolate, por exemplo. Aliás, bem vistas as coisas, só gosto de um tipo de chocolate (o preto, de leite) e, mesmo desse, não como muito. Do mesmo modo, passo muito bem sem sobremesas, gelados e bolos. Mas é claro que, de vez em quando, me apetece uma fatia de pão-de-ló de Ovar, um travesseiro da Piriquita, um pastel de Belém, uma fatia de pudim Abade de Priscos ou de bolo de chocolate da minha mãe (simplesmente, o melhor do mundo), mas isso são desejos momentâneos e nem por isso muito frequentes.
Ora, por falar em doces, eu acho que nunca aqui escrevi acerca dos éclairs da Leitaria da Quinta do Paço. Mesmo que o tenha feito, todas as palavras são parcas para expressar o sabor daquelas pequenas preciosidades gastronómicas. Do chantilly que os recheia ao chocolate semi-amargo que os cobre, tudo nos éclairs da Leitaria da Quinta do Paço é perfeito e delicioso. Quem nunca provou, faça o favor de ir à Praça Guilherme Gomes Fernandes, no Porto, e experimentar. Também há de caramelo e de morango, mas eu sou uma conservadora, prefiro os tradicionais: não há como os de chocolate, perante os quais eu sucumbo a cada passo.
É verdade: não consigo passar por ali a horas em que a pastelaria esteja aberta sem me render a um éclair. A massa é deliciosa, o chantilly é divinal e a cobertura de chocolate é de comer e chorar por mais, se bem que, as mais das vezes, eu não a coma toda, ao contrário da maioria dos clientes, que até os dedos lambem para não desperdiçar nem um bocadinho!
E tudo isto a propósito do Natal. Sim, do Natal, porque a minha primeira intenção era escrever uma crónica sobre o assunto, neste que é o último domingo antes da data. Pensei falar sobre as ruas da baixa do Porto apinhadas de gente de mãos vazias, das montras atulhadas de coisas que ninguém compra, das reduções e saldos em tempo de festa, das expressões preocupadas de quem tem de fazer contas à vida e das caras de espanto perante os preços que parecem sempre altos. Em suma, o tema, encapotado, era a crise (ai a crise!).
E foi a crise tudo o que me rodeou ontem durante o périplo pelas lojas das redondezas até que entrei na Leitaria da Quinta do Paço e pedi um éclair de chocolate. O resto, é fácil de imaginar: sininhos, anjinhos e música celestial. Por momentos, viajei até ao Paraíso e por lá fiquei até saborear o último pedacinho de éclair. A experiência é indescritível, não há volta a dar-lhe.
Quando voltei à rua, os rostos até pareciam menos carrancudos, o ar menos gelado e a maçada das compras de Natal menos penosa. Tudo com muito menor importância, portanto. E lá comprei o que tinha de comprar para uma mão cheia de pessoas que adoro. A caminho de casa cheguei à conclusão de que, na sua imperfeição, o mundo é perfeito. Afinal de contas, a azáfama natalícia só dura umas semanas, enquanto os éclairs da Leitaria da Quinta do Paço estão lá durante todo o ano.
Já agora, Feliz Natal.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho
Seja Natal ou não, a verdade é que nunca tive grande queda para os doces. Não vou daqui ali por chocolate, por exemplo. Aliás, bem vistas as coisas, só gosto de um tipo de chocolate (o preto, de leite) e, mesmo desse, não como muito. Do mesmo modo, passo muito bem sem sobremesas, gelados e bolos. Mas é claro que, de vez em quando, me apetece uma fatia de pão-de-ló de Ovar, um travesseiro da Piriquita, um pastel de Belém, uma fatia de pudim Abade de Priscos ou de bolo de chocolate da minha mãe (simplesmente, o melhor do mundo), mas isso são desejos momentâneos e nem por isso muito frequentes.
Ora, por falar em doces, eu acho que nunca aqui escrevi acerca dos éclairs da Leitaria da Quinta do Paço. Mesmo que o tenha feito, todas as palavras são parcas para expressar o sabor daquelas pequenas preciosidades gastronómicas. Do chantilly que os recheia ao chocolate semi-amargo que os cobre, tudo nos éclairs da Leitaria da Quinta do Paço é perfeito e delicioso. Quem nunca provou, faça o favor de ir à Praça Guilherme Gomes Fernandes, no Porto, e experimentar. Também há de caramelo e de morango, mas eu sou uma conservadora, prefiro os tradicionais: não há como os de chocolate, perante os quais eu sucumbo a cada passo.
É verdade: não consigo passar por ali a horas em que a pastelaria esteja aberta sem me render a um éclair. A massa é deliciosa, o chantilly é divinal e a cobertura de chocolate é de comer e chorar por mais, se bem que, as mais das vezes, eu não a coma toda, ao contrário da maioria dos clientes, que até os dedos lambem para não desperdiçar nem um bocadinho!
E tudo isto a propósito do Natal. Sim, do Natal, porque a minha primeira intenção era escrever uma crónica sobre o assunto, neste que é o último domingo antes da data. Pensei falar sobre as ruas da baixa do Porto apinhadas de gente de mãos vazias, das montras atulhadas de coisas que ninguém compra, das reduções e saldos em tempo de festa, das expressões preocupadas de quem tem de fazer contas à vida e das caras de espanto perante os preços que parecem sempre altos. Em suma, o tema, encapotado, era a crise (ai a crise!).
E foi a crise tudo o que me rodeou ontem durante o périplo pelas lojas das redondezas até que entrei na Leitaria da Quinta do Paço e pedi um éclair de chocolate. O resto, é fácil de imaginar: sininhos, anjinhos e música celestial. Por momentos, viajei até ao Paraíso e por lá fiquei até saborear o último pedacinho de éclair. A experiência é indescritível, não há volta a dar-lhe.
Quando voltei à rua, os rostos até pareciam menos carrancudos, o ar menos gelado e a maçada das compras de Natal menos penosa. Tudo com muito menor importância, portanto. E lá comprei o que tinha de comprar para uma mão cheia de pessoas que adoro. A caminho de casa cheguei à conclusão de que, na sua imperfeição, o mundo é perfeito. Afinal de contas, a azáfama natalícia só dura umas semanas, enquanto os éclairs da Leitaria da Quinta do Paço estão lá durante todo o ano.
Já agora, Feliz Natal.
[Também publicado em PnetMulher]
© Marta Madalena Botelho