18.1.09

sobre «a cautela», «os sarilhos» e «os lobos» de d. josé policarpo

Posso até entender que as declarações que o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa proferiu na passada terça-feira, no Casino da Figueira da Foz (ouvir), sejam tema mais do que apetecível para comentários. Todavia, o sentido crítico obriga-me a ver para além do óbvio e esmiuçar um pouco as palavras de D. José Policarpo, sob pena de uma apreciação superficial e demasiado literal resultar injusta.

Na leitura que faço de tais declarações, os «sarilhos» que o Cardeal Patriarca mencionava não têm necessariamente que ver com "perversidades" nem com "lapidações no Rossio" (estou a invocar expressões usadas pelo ilustre António Costa Santos na sua interessante crónica da passada quarta-feira, para cuja leitura remeto). Ao apelar à «cautela», julgo, D. José Policarpo estava a referir-se à necessária consciência que deve ter-se na escolha da partilha e comunhão de vida com alguém que tenha uma cultura religiosa bastante diferente, o que pode ser fonte dos maiores problemas (como os relacionados com a educação - religiosa e não só - dos filhos, por exemplo).

Importa ter presente que, para o Cardeal Patriarca (e, por imposição religiosa, para todos os católicos) o casamento (religioso) tem obrigatoriamente de ser encarado como um passo irreversível, para toda a vida. Assim sendo, a «cautela» a que aquele aludiu é imprescindível em todos os casos. Contudo – e para isto alertava D. José Policarpo –, quando existam diferenças de cultura e prática religiosa entre os nubentes, tal cautela deverá ser maior, atendendo a que a religiosidade é um aspecto intimamente relacionado com o indivíduo, integrante da sua esfera intimíssima, o que a torna uma questão particularmente delicada.

Indo directamente ao cerne da questão, o Cardeal Patriarca procurou reforçar a ideia de que o casamento implica a assunção de determinados compromissos e que cada um dos nubentes (as meninas católicas e todos os outros) deve ponderar bem se está preparado para assumi-las - em concreto - com a pessoa que está a ponderar escolher (dando particular enfoque ao aspecto religioso). Se, após a ponderada análise de todos os factores, se chegar à conclusão de que tais compromissos não podem, não devem ou não têm de ser assumidos, restam as alternativas de optar pelo celibato ou de procurar outro(a) noivo(a). Não creio, portanto, que D. José Policarpo pretendesse referir-se a “úteros maculados” (em nova alusão à crónica de António Costa Santos), mas antes a uma panóplia de outras dimensões que integram o casamento e nada têm que ver com a relação sexual.

Não querendo alargar o âmbito da reflexão nem desvirtuar o seu núcleo, diria ainda, em jeito de nota marginal, que, a meu ver, D. José Policarpo foi até – direi assim – um pouco feminista, ao alertar especificamente as mulheres que, como todos sabemos, continuam a ser, no seio do casamento, demasiadas vezes, a parte mais oprimida e desfavorecida.

Por último, na sua alusão aos «lobos da floresta que demarcam os seus espaços», o Cardeal recorreu à metáfora para dizer que o casamento e a procriação são usados muitas vezes (e não só por muçulmanos) como um meio para a conquista de situações mais estáveis (que julgo ser desnecessário esmiuçar, visto que facilmente se deduzem). O Cardeal Patriarca referia-se, assim, à conquista de espaços de imposição por meio do casamento, mas sempre tendo em conta que tais espaços podem existir apenas dentro do casamento mas, também, extravasá-lo.

Em suma, eu, logo eu que tanto gosto de questionar, de arguir e de verberar até roçar a transgressão, desta vez, após esta desconstrução do discurso de D. José Policarpo, que é a que me parece mais justa, reconheço que não me assistem razões para o criticar, mas antes para ponderar a sua perspectiva (o que, sublinho, não é exactamente o mesmo que subscrevê-la inteiramente).

Por outro lado, custa-me entender o quase silêncio sobre as declarações que o Cardeal Patriarca proferiu, no mesmo encontro, sobre a homossexualidade, essas sim, dignas da crítica mais feroz, que, contudo, passaram despercebidas na comunicação social e que foram praticamente ignoradas pela opinião pública. A exemplo do sucedido em Outubro de 2008, aquando da votação pela Assembleia da República das propostas de regulamentação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma vez mais se levanta a dúvida: será que o silêncio se deve ao facto de o assunto não ser pertinente e o país ter matérias mais urgentes para tratar? Fica a pergunta.

[Também publicado em PnetMulher]

© Marta Madalena Botelho

eu

[m.m. botelho] || Marta Madalena Botelho
blogues: viagens interditas [textos] || vermelho.intermitente [textos]
e-mail: viagensinterditas @ gmail . com [remover os espaços]

blogues

os meus refúgios || 2 dedos de conversa || 30 and broke || a causa foi modificada [off] || a cidade dos prodígios || a cidade surpreendente || a curva da estrada || a destreza das dúvidas || a dobra do grito || a livreira anarquista || a mulher que viveu duas vezes || a outra face da cidade surpreendente || a minha vida não é isto || a montanha mágica || a namorada de wittgenstein || a natureza do mal || a tempo e a desmodo || a terceira noite || as folhas ardem || aba da causa || adufe || ágrafo || ainda não começámos a pensar || albergue dos danados || alexandre soares silva [off] || almocreve das petas [off] || animais domésticos || associação josé afonso || ana de amsterdam || antónio sousa homem || atum bisnaga || avatares de um desejo || beira-tejo || blecaute-boi || bibliotecário de babel || blogtailors || blogue do jornal de letras || bolha || bomba inteligente || cadeirão voltaire || café central || casadeosso || causa nossa || ciberescritas || cibertúlia || cine highlife || cinerama || coisas do arco da velha || complexidade e contradição || córtex frontal [off] || crítico musical [off] || dados pessoais || da literatura || devaneios || diário de sombras || dias assim || dias felizes || dias im[perfeitos] || dias úteis || educação irracional || entre estantes || explodingdog > building a world || f, world [guests only] || fogo posto || francisco josé viegas - crónicas || french kissin' || gato vadio [livraria] || guilhermina suggia || guitarra de coimbra 4 [off] || húmus. blogue rascunho.net || il miglior fabbro || imitation of life || indústrias culturais || inércia introversão intusiasmo || insónia || interlúdio || irmão lúcia || jugular || lei e ordem || lei seca [guests only] || leitura partilhada || ler || literatura e arte || little black spot || made in lisbon || maiúsculas [off] || mais actual || medo do medo || menina limão || menino mau || miss pearls || modus vivendi || monsieur|ego || moody swing || morfina || mundo pessoa || noite americana || nuno gomes lopes || nu singular || o amigo do povo || o café dos loucos || o mundo de cláudia || o que cai dos dias || os livros ardem mal || os meus livros || oldies and goldies || orgia literária || ouriquense || paulo pimenta diários || pedro rolo duarte || pequenas viagens || photospathos || pipoco mais salgado || pó dos livros || poesia || poesia & lda. || poetry café || ponto media || poros || porto (.) ponto || postcard blues [off] || post secret || p.q.p. bach || pura coincidência || quadripolaridades || quarta república || quarto interior || quatro caminhos || quintas de leitura || rua da judiaria || saídos da concha || são mamede - cae de guimarães || sem compromisso || semicírculo || sem pénis nem inveja || sem-se-ver || sound + vision || teatro anatómico || the ballad of the broken birdie || the sartorialist || theoria poiesis praxis || theatro circo || there's only 1 alice || torreão sul || ultraperiférico || um amor atrevido || um blog sobre kleist || um voo cego a nada || vida breve || vidro duplo || vodka 7 || vontade indómita || voz do deserto || we'll always have paris || zarp.blog

cultura e lazer

agenda cultural de braga || agenda cultura de évora || agenda cultural de lisboa || agenda cultural do porto || agenda cultural do ministério da cultura || agenda cultural da universidade de coimbra || agenda de concertos - epilepsia emocional || amo.te || biblioteca nacional || CAE figueira da foz || café guarany || café majestic || café teatro real feitorya || caixa de fantasia || casa agrícola || casa das artes de vila nova de famalicão || casa da música || centro cultural de belém || centro nacional de cultura || centro português de fotografia || cinecartaz || cinema 2000 || cinema passos manuel || cinema português || cinemas medeia || cinemateca portuguesa || clube de leituras || clube literário do porto || clube português artes e ideias || coliseu do porto || coliseu dos recreios || companhia nacional de bailado || culturgest || culturgest porto || culturporto [rivoli] || culturweb || delegação regional da cultura do alentejo || delegação regional da cultura do algarve || delegação regional da cultura do centro || delegação regional da cultura do norte || e-cultura || egeac || era uma vez no porto || europarque || fábrica de conteúdos || fonoteca || fundação calouste gulbenkian || fundação de serralves || fundação engenheiro antónio almeida || fundação mário soares || galeria zé dos bois || hard club || instituto das artes || instituto do cinema, audiovisual e multimédia || instituto português da fotografia || instituto português do livro e da biblioteca || maus hábitos || mercado das artes || mercado negro || museu nacional soares dos reis || o porto cool || plano b || porto XXI || rede cultural || santiago alquimista || são mamede - centro de artes e espectáculos de guimarães || sapo cultura || serviço de música da fundação calouste gulbenkian || teatro académico gil vicente || teatro aveirense || teatro do campo alegre || theatro circo || teatro helena sá e costa || teatro municipal da guarda || teatro nacional de são carlos || teatro nacional de são joão || teatropólis || ticketline || trintaeum. café concerto rivoli

leituras e informação

365 [revista] || a cabra - jornal universitário de coimbra || a oficina [centro cultural vila flor - guimarães] || a phala || afrodite [editora] || águas furtadas [revista] || angelus novus [editora] || arquitectura viva || arte capital || assírio & alvim [editora] || associação guilhermina suggia || attitude [revista] || blitz [revista] || bodyspace || book covers || cadernos de tipografia || cosmorama [editora] || courrier international [jornal] || criatura revista] || crí­tica || diário de notícias [jornal] || el paí­s [jornal] || el mundo [jornal] || entre o vivo, o não-vivo e o morto || escaparate || eurozine || expresso [jornal] || frenesi [editora] || goldberg magazine [revista] || granta [revista] || guardian unlimited [jornal] || guimarães editores [editora] || jazz.pt || jornal de negócios [jornal] || jornal de notí­cias [jornal] || jusjornal [jornal] || kapa [revista] || la insignia || le cool [revista] || le monde diplomatique [jornal] || memorandum || minguante [revista] || mondo bizarre || mundo universitário [jornal] || os meus livros || nada || objecto cardí­aco [editora] || pc guia [revista] || pnethomem || pnetmulher || poets [AoAP] || premiere [revista] || prisma.com [revista] || público pt [jornal] || público es [jornal] || revista atlântica de cultura ibero-americana [revista] || rezo.net || rolling stone [revista] || rua larga [revista] || sol [jornal] || storm magazine [revista] || time europe [revista] || trama [editora] || TSF [rádio] || vanity fair [revista] || visão [revista]

direitos de autor dos textos

Os direitos de autor dos textos publicados neste blogue, com excepção das citações com autoria devidamente identificada, pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução, ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

direitos de autor das imagens

Os direitos de autor de todas as imagens publicadas neste blogue cuja autoria ou fonte não sejam identificadas como pertencendo a outras pessoas ou entidades pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

algumas notas importantes sobre os direitos de autor

» O âmbito do direito de autor e os direitos conexos incidem a sua protecção sobre duas realidades: a tutela das obras e o reconhecimento dos respectivos direitos aos seus autores.
» O direito de autor protege as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
» Obras originais são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação ou objecto.
» Uma obra encontra-se protegida, logo que é criada e fixada sob qualquer tipo de forma tangível de modo directo ou com a ajuda de uma máquina.
» A protecção das obras não está sujeita a formalização alguma. O direito de autor constitui-se pelo simples facto da criação, independentemente da sua divulgação, publicação, utilização ou registo.
» O titular da obra é, salvo estipulação em contrário, o seu criador.
» A obra não depende do conhecimento pelo público. Ela existe independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, apenas se lhe impondo, para beneficiar de protecção, que seja exteriorizada sob qualquer modo.
» O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.