Graças aos anos, vivemos muitas dores. Mais tarde ou mais cedo, experimentamos a dor mais difícil de superar: a da perda. Experimentamos várias perdas e perdas diferentes. Em consequência, tropeçamos, caímos, ficamos inanimados, quase morremos e ressuscitamos umas quantas vezes.
Porém, quando tropeçamos, caímos, ficamos sem acção, quase perecemos e voltamos à vida, fazemo-lo sempre a partir de um estado que é definido. Damo-nos conta do que se passou connosco e deixamo-nos ir ou agimos, consoante o que a razão nos diga que façamos no momento e perante aquela situação. Já a angústia é um estado indefinido. Sabemos que algo sucedeu connosco, mas não percebemos o que foi. Perguntamo-nos «O que queres?», «De que precisas?», «O que te falta?», «O que temes?», «O que esperas?», «O que procuras?», «O que te magoa?» e não sabemos a resposta para nenhuma destas questões. Perguntamo-nos «Morreste-te?» e não sabemos responder, não sabemos se estamos vivos ou mortos, porque não nos sentimos em nenhuma dessas dimensões que, embora não concretas, são pelo menos definíveis.
A angústia permanente é uma espécie de limbo entre essas duas realidades, como que um fio de navalha onde nos movemos ou uma autêntica espada de Dâmocles que pende sobre a nossa cabeça. Não vemos, não ouvimos, não compreendemos. À nossa volta apenas um profundo silêncio que nos martiriza, nos corrói lentamente, nos desestabiliza, nos petrifica. Sabemos que a angústia não cessa nem com a dor, nem com o grito, nem com o afastamento, nem com a zanga, nem com a revolta, nem com o choro, nem com a apatia, nem com a tristeza, nem com a desolação, nem com o silêncio porque já experimentámos todas essas fases e ela manteve-se sempre lá. Também sabemos que não temos o controlo de nada, porque a qualquer momento a espada pode deslizar sobre a nossa cabeça e ferir-nos mortalmente.
É então que, se nos custa olhar para cima porque vemos a lâmina, nos voltamos para baixo e damos com o fio da navalha. Sabemos que a única coisa que não podemos fazer é deixarmo-nos tombar sobre ele e, no entanto, essa é a única solução que nos ocorre, já que sangrar até à exaustão, esvaziar as veias do sangue que as percorre, retirar cada uma das gotas de vida que teimam em animar o nosso corpo nos parece a única forma de pôr termo à angústia.
Contudo, porque essa é a solução derradeira, lutamos contra ela. E também porque, no fundo, estamos conscientes que essa é uma solução que pode, igualmente, revelar-se uma não-solução. Na verdade, não sabemos se para lá do fio da navalha não haverá qualquer coisa que nos é desconhecida e tememos que, uma vez aí, a angústia se mantenha. E ficamos no que não compreendemos, mas nos é, apesar de tudo, minimamente conhecido. E fazemos das tripas coração para manter o equilíbrio sobre o fio da navalha. Na iminência de sermos trespassados por dois gumes. Angustiados até à medula. Quase implorando para que não tarde o dia em que a espada de Dâmocles finalmente caia sobre a nossa cabeça.
© [m.m. botelho]
Porém, quando tropeçamos, caímos, ficamos sem acção, quase perecemos e voltamos à vida, fazemo-lo sempre a partir de um estado que é definido. Damo-nos conta do que se passou connosco e deixamo-nos ir ou agimos, consoante o que a razão nos diga que façamos no momento e perante aquela situação. Já a angústia é um estado indefinido. Sabemos que algo sucedeu connosco, mas não percebemos o que foi. Perguntamo-nos «O que queres?», «De que precisas?», «O que te falta?», «O que temes?», «O que esperas?», «O que procuras?», «O que te magoa?» e não sabemos a resposta para nenhuma destas questões. Perguntamo-nos «Morreste-te?» e não sabemos responder, não sabemos se estamos vivos ou mortos, porque não nos sentimos em nenhuma dessas dimensões que, embora não concretas, são pelo menos definíveis.
A angústia permanente é uma espécie de limbo entre essas duas realidades, como que um fio de navalha onde nos movemos ou uma autêntica espada de Dâmocles que pende sobre a nossa cabeça. Não vemos, não ouvimos, não compreendemos. À nossa volta apenas um profundo silêncio que nos martiriza, nos corrói lentamente, nos desestabiliza, nos petrifica. Sabemos que a angústia não cessa nem com a dor, nem com o grito, nem com o afastamento, nem com a zanga, nem com a revolta, nem com o choro, nem com a apatia, nem com a tristeza, nem com a desolação, nem com o silêncio porque já experimentámos todas essas fases e ela manteve-se sempre lá. Também sabemos que não temos o controlo de nada, porque a qualquer momento a espada pode deslizar sobre a nossa cabeça e ferir-nos mortalmente.
É então que, se nos custa olhar para cima porque vemos a lâmina, nos voltamos para baixo e damos com o fio da navalha. Sabemos que a única coisa que não podemos fazer é deixarmo-nos tombar sobre ele e, no entanto, essa é a única solução que nos ocorre, já que sangrar até à exaustão, esvaziar as veias do sangue que as percorre, retirar cada uma das gotas de vida que teimam em animar o nosso corpo nos parece a única forma de pôr termo à angústia.
Contudo, porque essa é a solução derradeira, lutamos contra ela. E também porque, no fundo, estamos conscientes que essa é uma solução que pode, igualmente, revelar-se uma não-solução. Na verdade, não sabemos se para lá do fio da navalha não haverá qualquer coisa que nos é desconhecida e tememos que, uma vez aí, a angústia se mantenha. E ficamos no que não compreendemos, mas nos é, apesar de tudo, minimamente conhecido. E fazemos das tripas coração para manter o equilíbrio sobre o fio da navalha. Na iminência de sermos trespassados por dois gumes. Angustiados até à medula. Quase implorando para que não tarde o dia em que a espada de Dâmocles finalmente caia sobre a nossa cabeça.
© [m.m. botelho]