Há dias, uma Amiga dizia-me que é absolutamente crente no ser humano e nas suas capacidades. No sábado, em conversa com a minha Irmã, meio a brincar, meio a sério, dizia-me ela, já não sei a que propósito, que para si todos os Homens são os «bons selvagens» de que falava Rousseau e que, portanto, acredita que o íntimo das pessoas é sempre puro.
Depois destas duas observações, assim tão seguidas no tempo, e de já antes ter sido muito espicaçada sobre o assunto por uma outra pessoa, fui forçada a elaborar sobre isto. A resposta, diziam-me, haveria de ser encontrada numa reflexão a partir de mim mesma: «Vá para casa e pense: "Como é que me posiciono perante as coisas menos boas que eu e os outros temos?"».
E eu fui e pensei. Quando voltei a encontrar-me com quem me tinha colocado tal questão disse, convicta: «Posso afirmar que, resumidamente, sou uma crente nos altos propósitos de toda a gente». Com efeito, sou capaz de encontrar [quase] sempre motivos suficientemente nobres para justificar [quase] tudo, tanto o que eu faço ou não faço, como o que os outros fazem ou não fazem. Sim, sou, como todos os outros, cheia de boas intenções! Frases feitas à parte, acredito mesmo que há um radical bom em tudo e todos e que, portanto, há sempre um bom motivo para as coisas acontecerem. De igual modo, creio que as coisas acontecem sempre no tempo certo e que tudo tem um sentido, talvez não imediatamente perceptível, mas que acaba sempre por revelar-se.
Perguntaram-me, então, se eu não estaria a tornar-me uma perita em encontrar «causas de justificação». Perguntaram-me se não penso assim porque é mais confortável imaginar que estamos todos rodeados por bem [ainda que esse bem esteja oculto por demonstrações de mal], isto é, se não penso assim por uma questão de protecção, porque é mais fácil crer que nos movimentamos num mundo idealmente puro do que num cenário de podridão, para o qual baste a inocência pueril e não seja necessário ter capacidades de guerreiro. Diziam-me: «É que se assumirmos que estamos em guerra, somos obrigados a enfrentar o inimigo, mas se formos convictamente pacifistas, temos sempre esse bom argumento para amparar a nossa recusa em guerrear».
Respondi que não. Nem tudo é justificável. Aqueles "quase" entre parênteses rectos lá em cima demonstram isso mesmo. Tenho perfeita consciência de que o bom é algo a que se aspira, mas a que nem sempre se chega. Por isso, sei que aqui e ali todos podem meter a pata na poça na persecução desse bom. Não é que eu seja apática em relação ao que eu e os outros temos de menos bom. Não é que eu ache que os erros são inevitáveis e não lhes dê importância, ou não dê importância aos seus efeitos. Nada disso. O que eu não faço é ignorar que todos estamos sujeitos a cometê-los. Ora, uma coisa são os erros, outra coisa são as maldades. Se me magoam porque querem, deliberadamente, prejudicar-me ou fazer-me mal, não há causa de justificação que valha. Porém, se me magoam porque – hélas! – tem de ser, porque há cursos de vida a seguir, porque há decisões a tomar, porque a existência não é uma coisa estática e ninguém está isolado numa ilha ou protegido por uma redoma à prova de bala e, por isso, estamos todos sujeitos a vermo-nos envolvidos em situações que nem sempre dependem directamente da nossa actuação, tenho a decência de o compreender e de o aceitar, mesmo nos casos em que a minha mágoa poderia ser diminuída. E compreendo-o porque, como diz uma outra grande Amiga minha, «às vezes as pessoas querem, mas não conseguem». Às vezes, os estilhaços atingem-nos e não era essa a intenção de quem os originou, mas as pessoas não conseguem fazer as coisas de outro modo. No fundo, acredito na bondade, mas estou ciente das limitações da sua concretização a tempo inteiro.
Assim, procuro buscar nos embaraços em que a vida me coloca um sentido de aprendizagem. Faço sempre por aprender com os resultados das minhas acções e com os das acções alheias, principalmente quando esses resultados não são propriamente confortáveis. Vejo-os, em suma, como oportunidades que a vida nos dá de nos confrontarmos com as dificuldades para aprendermos a lidar com elas, porque a partir do momento em que o tivermos feito, passamos a perceber muito melhor esse adágio popular tão sábio e tão útil para o crescimento individual de cada um e de aplicação universal a todas as circunstâncias: «homem prevenido vale por dois».
A minha ideia é aprender hoje para aplicar amanhã e oportunidades para pôr a teoria em prática, estou certa, não faltarão. Não sei se a vida é uma guerra, mas sei que tem, pelo meio, umas quantas batalhas. Nelas, de nada vale termos a força de um exército valente se o general que o comanda não for um perspicaz estratega.
© [m.m. botelho]
Depois destas duas observações, assim tão seguidas no tempo, e de já antes ter sido muito espicaçada sobre o assunto por uma outra pessoa, fui forçada a elaborar sobre isto. A resposta, diziam-me, haveria de ser encontrada numa reflexão a partir de mim mesma: «Vá para casa e pense: "Como é que me posiciono perante as coisas menos boas que eu e os outros temos?"».
E eu fui e pensei. Quando voltei a encontrar-me com quem me tinha colocado tal questão disse, convicta: «Posso afirmar que, resumidamente, sou uma crente nos altos propósitos de toda a gente». Com efeito, sou capaz de encontrar [quase] sempre motivos suficientemente nobres para justificar [quase] tudo, tanto o que eu faço ou não faço, como o que os outros fazem ou não fazem. Sim, sou, como todos os outros, cheia de boas intenções! Frases feitas à parte, acredito mesmo que há um radical bom em tudo e todos e que, portanto, há sempre um bom motivo para as coisas acontecerem. De igual modo, creio que as coisas acontecem sempre no tempo certo e que tudo tem um sentido, talvez não imediatamente perceptível, mas que acaba sempre por revelar-se.
Perguntaram-me, então, se eu não estaria a tornar-me uma perita em encontrar «causas de justificação». Perguntaram-me se não penso assim porque é mais confortável imaginar que estamos todos rodeados por bem [ainda que esse bem esteja oculto por demonstrações de mal], isto é, se não penso assim por uma questão de protecção, porque é mais fácil crer que nos movimentamos num mundo idealmente puro do que num cenário de podridão, para o qual baste a inocência pueril e não seja necessário ter capacidades de guerreiro. Diziam-me: «É que se assumirmos que estamos em guerra, somos obrigados a enfrentar o inimigo, mas se formos convictamente pacifistas, temos sempre esse bom argumento para amparar a nossa recusa em guerrear».
Respondi que não. Nem tudo é justificável. Aqueles "quase" entre parênteses rectos lá em cima demonstram isso mesmo. Tenho perfeita consciência de que o bom é algo a que se aspira, mas a que nem sempre se chega. Por isso, sei que aqui e ali todos podem meter a pata na poça na persecução desse bom. Não é que eu seja apática em relação ao que eu e os outros temos de menos bom. Não é que eu ache que os erros são inevitáveis e não lhes dê importância, ou não dê importância aos seus efeitos. Nada disso. O que eu não faço é ignorar que todos estamos sujeitos a cometê-los. Ora, uma coisa são os erros, outra coisa são as maldades. Se me magoam porque querem, deliberadamente, prejudicar-me ou fazer-me mal, não há causa de justificação que valha. Porém, se me magoam porque – hélas! – tem de ser, porque há cursos de vida a seguir, porque há decisões a tomar, porque a existência não é uma coisa estática e ninguém está isolado numa ilha ou protegido por uma redoma à prova de bala e, por isso, estamos todos sujeitos a vermo-nos envolvidos em situações que nem sempre dependem directamente da nossa actuação, tenho a decência de o compreender e de o aceitar, mesmo nos casos em que a minha mágoa poderia ser diminuída. E compreendo-o porque, como diz uma outra grande Amiga minha, «às vezes as pessoas querem, mas não conseguem». Às vezes, os estilhaços atingem-nos e não era essa a intenção de quem os originou, mas as pessoas não conseguem fazer as coisas de outro modo. No fundo, acredito na bondade, mas estou ciente das limitações da sua concretização a tempo inteiro.
Assim, procuro buscar nos embaraços em que a vida me coloca um sentido de aprendizagem. Faço sempre por aprender com os resultados das minhas acções e com os das acções alheias, principalmente quando esses resultados não são propriamente confortáveis. Vejo-os, em suma, como oportunidades que a vida nos dá de nos confrontarmos com as dificuldades para aprendermos a lidar com elas, porque a partir do momento em que o tivermos feito, passamos a perceber muito melhor esse adágio popular tão sábio e tão útil para o crescimento individual de cada um e de aplicação universal a todas as circunstâncias: «homem prevenido vale por dois».
A minha ideia é aprender hoje para aplicar amanhã e oportunidades para pôr a teoria em prática, estou certa, não faltarão. Não sei se a vida é uma guerra, mas sei que tem, pelo meio, umas quantas batalhas. Nelas, de nada vale termos a força de um exército valente se o general que o comanda não for um perspicaz estratega.
© [m.m. botelho]