Anteontem, sentada sozinha no hall de entrada, folheava a «Courrier Internacional» de Fevereiro enquanto esperava pela minha vez de ser recebida. Repentinamente, a porta em frente abre-se, sai uma jovem muito chorosa ainda a fungar e, atrás, o médico que a atendera. Depois de a jovem bater a porta, o médico olha para mim e dirige-me um «Olá» muito sorridente, a que eu respondo com um tímido «Boa noite». E nisto, ele desata a falar comigo, dizendo-me que «É sempre a mesma coisa», que já está atrasado, que «As pessoas não cumprem horários» e ele tem de estar nas Antas dali a dez minutos, sendo que demora pelo menos vinte só no trajecto que tem de fazer de carro. Remexe nuns papéis na secretária da recepcionista, separa os que são para si, disparando sempre para o ar um palavreado que a certa altura se tornou imperceptível. Entra no gabinete dele novamente e volta a sair para o hall de pasta a tiracolo. Agarra no casaco que está pendurado no bengaleiro, atira para o ar a interrogação sobre se estaria muito trânsito e abre a porta. Eu, surpreendida pelo inesperado da situação, balbucio outro «Boa noite» como resposta e ele, já meio corpo atravessado na porta, dá um passo atrás e diz-me «E o trânsito? Não disse nada sobre o trânsito». Eu sorrio, explico que «Não apanhei muito trânsito», ele exclama «Óptimo», acrescenta que «Devemos sempre responder ao que as pessoas nos perguntam com uma verdadeira resposta ao que nos é perguntado, não acha?» e sai.
Eu volto a olhar para a «Courrier Internacional», mas já não leio nada. Fico a pensar no que me foi dito e no quanto me desgosta que eu fale em alhos e me respondam com bugalhos, que as conversas se tornem uma coisa pastosa e desviada do fulcral, que os discursos sejam um emaranhado de bloqueios e evitamentos das questões essenciais, que as pessoas se escudem em rodeios para não dizerem o que tem de ser dito ou, então, assumirem claramente que não o querem dizer. O meu telemóvel toca, é um sms que leio depressa, para voltar ao que me ocupava o pensamento e sobre o que me pareceu tão importante reflectir. Contudo, a porta ao fundo do corredor abre-se para me receber. Estendem-me a mão, seguram-me o braço enquanto eu retribuo o cumprimento e perguntam-me que tal a semana. «Boa», respondo, enquanto a porta se fecha atrás de mim e eu tiro o casaco. E continuo, dizendo que «A semana foi boa, também porque respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Sabe, esta semana respondi a muitas perguntas que eu mesma me andava a fazer e cuja resposta andava a evitar há demasiado tempo».
© [m.m. botelho]
Eu volto a olhar para a «Courrier Internacional», mas já não leio nada. Fico a pensar no que me foi dito e no quanto me desgosta que eu fale em alhos e me respondam com bugalhos, que as conversas se tornem uma coisa pastosa e desviada do fulcral, que os discursos sejam um emaranhado de bloqueios e evitamentos das questões essenciais, que as pessoas se escudem em rodeios para não dizerem o que tem de ser dito ou, então, assumirem claramente que não o querem dizer. O meu telemóvel toca, é um sms que leio depressa, para voltar ao que me ocupava o pensamento e sobre o que me pareceu tão importante reflectir. Contudo, a porta ao fundo do corredor abre-se para me receber. Estendem-me a mão, seguram-me o braço enquanto eu retribuo o cumprimento e perguntam-me que tal a semana. «Boa», respondo, enquanto a porta se fecha atrás de mim e eu tiro o casaco. E continuo, dizendo que «A semana foi boa, também porque respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Sabe, esta semana respondi a muitas perguntas que eu mesma me andava a fazer e cuja resposta andava a evitar há demasiado tempo».
© [m.m. botelho]