25.2.11

pilares estruturais

«Um bom lema para viver: procura sempre não te matares.»
George Carlin, «Brain droppings» [1998]

Perante certas palavras, atitudes e opções, pergunto-me se não haverá gente que cultiva uma certa atracção pelo abismo. É indubitável que há quem tenha uma extraordinária habilidade para arrasar com as coisas boas que a vida lhe proporcionou, gente que, de um dia para o outro, manda pelos ares os seus pilares estruturais. Pergunto-me se o farão por falta de inteligência, por falta de maturidade, por um estado de insanidade temporária ou permanente ou se será antes por incapacidade de distinguir o que é essencial do que é acessório (o que também pode ser visto como uma consequência de ambas as primeiras hipóteses).

É suposto que as pessoas crescidas saibam destrinçar o que é bom do que é mau para si mesmas. É suposto que as pessoas crescidas sejam capazes de antever que, ao explodirem com as suas próprias estruturas, mais tarde ou mais cedo haverão de cair no mais escuro e lamacento dos poços, criado pelo rebentamento das terras. É suposto que as pessoas crescidas sejam suficientemente perspicazes para perceber que há coisas que não têm preço e que, portanto, há preços que, por muito que estejam dispostas a pagá-los, jamais compensarão aquilo que puseram à venda. Quando o que se pôs à venda era estrutural, a perda desse estrutural nunca será compensada.

Admito que, para chegarem a esta conclusão, algumas pessoas tenham mesmo de celebrar pelo menos um destes maus negócios durante a vida, isto é, que não aprendam com o que a experiência e os alertas dos outros lhes revela, mas tenham elas mesmas de bater com a cabeça na parede para ficarem a saber o quanto dói. Eu, pecadora, me confesso. O que já não entendo tão bem é que, depois de o fazerem, fiquem cheias de autocomiseração e que não aceitem os auxílios que os outros pilares estruturais que lhes restam lhes oferecem para que consigam sair do poço que elas mesmas cavaram e em que elas mesmas se meteram. Fazê-lo só demonstra que não se aprendeu nada com o que aconteceu. É que é suposto que, depois de arrasar um pilar estrutural, se passe a saber distinguir o que é estrutural do que não é, ou seja, que, ao tomar-se consciência de que aquilo que se destruiu era estrutural, se tome consciência do que demais existe na vida de cada um que também o é. Por um motivo bastante básico: é que só aí, nesses outros pilares, será possível encontrar as forças necessárias para elevar novamente a construção.

Por isso, quando vejo que há quem prefira ficar no escuro em vez de pegar nas velas acesas que lhe são estendidas com afecto e preocupação, concluo que se trata de pessoas que não foram capazes de tirar as devidas lições daquilo que lhes aconteceu. Isto leva-me a questionar se essas pessoas não terão mesmo uma atracção pelo abismo, que é o mesmo que dizer pela autodestruição.

Se, num determinado momento, fomos estúpidos ao ponto de arrasar com um dos pilares da nossa vida, é suposto que não continuemos por aí fora, a estourar com os restantes. É suposto que dar com a cabeça na parede nos acorde, nos doa, nos dê objectividade para percebermos o que fizemos de mal a nós mesmos e o que devemos fazer para parar o vórtice de autoflagelação. Em suma, é suposto que dar com a cabeça na parede nos alerte para a necessidade de não prosseguirmos, existência fora, fazendo as mesmas coisas, destruindo as nossas próprias estruturas, desvalorizando o que de bom nos cerca e nos escora. E é, ainda, suposto que cresçamos uns palmos, que ganhemos força nas pernas e que demos o salto do poço, que arrumemos de uma vez por todas com tudo o que nos prejudica, nos enfraquece, nos desgasta e nos puxa para o abismo. É suposto, portanto, que se empreenda uma espécie de purga.

Enquanto isso não acontecer, ninguém estará reestruturado. Andará apenas a enganar-se a si mesmo, a destruir-se a si mesmo, a afundar-se em "self pity" e a desperdiçar as oportunidades que a vida lhe dá de refazer o que foi aniquilado (de preferência, melhor). Poderá até já não andar a bater com a cabeça na parede, mas continua a não perceber que existe mais para além dela. Não terá saído do sítio. Não terá aprendido absolutamente nada.

© [m.m. botelho]

eu

[m.m. botelho] || Marta Madalena Botelho
blogues: viagens interditas [textos] || vermelho.intermitente [textos]
e-mail: viagensinterditas @ gmail . com [remover os espaços]

blogues

os meus refúgios || 2 dedos de conversa || 30 and broke || a causa foi modificada [off] || a cidade dos prodígios || a cidade surpreendente || a curva da estrada || a destreza das dúvidas || a dobra do grito || a livreira anarquista || a mulher que viveu duas vezes || a outra face da cidade surpreendente || a minha vida não é isto || a montanha mágica || a namorada de wittgenstein || a natureza do mal || a tempo e a desmodo || a terceira noite || as folhas ardem || aba da causa || adufe || ágrafo || ainda não começámos a pensar || albergue dos danados || alexandre soares silva [off] || almocreve das petas [off] || animais domésticos || associação josé afonso || ana de amsterdam || antónio sousa homem || atum bisnaga || avatares de um desejo || beira-tejo || blecaute-boi || bibliotecário de babel || blogtailors || blogue do jornal de letras || bolha || bomba inteligente || cadeirão voltaire || café central || casadeosso || causa nossa || ciberescritas || cibertúlia || cine highlife || cinerama || coisas do arco da velha || complexidade e contradição || córtex frontal [off] || crítico musical [off] || dados pessoais || da literatura || devaneios || diário de sombras || dias assim || dias felizes || dias im[perfeitos] || dias úteis || educação irracional || entre estantes || explodingdog > building a world || f, world [guests only] || fogo posto || francisco josé viegas - crónicas || french kissin' || gato vadio [livraria] || guilhermina suggia || guitarra de coimbra 4 [off] || húmus. blogue rascunho.net || il miglior fabbro || imitation of life || indústrias culturais || inércia introversão intusiasmo || insónia || interlúdio || irmão lúcia || jugular || lei e ordem || lei seca [guests only] || leitura partilhada || ler || literatura e arte || little black spot || made in lisbon || maiúsculas [off] || mais actual || medo do medo || menina limão || menino mau || miss pearls || modus vivendi || monsieur|ego || moody swing || morfina || mundo pessoa || noite americana || nuno gomes lopes || nu singular || o amigo do povo || o café dos loucos || o mundo de cláudia || o que cai dos dias || os livros ardem mal || os meus livros || oldies and goldies || orgia literária || ouriquense || paulo pimenta diários || pedro rolo duarte || pequenas viagens || photospathos || pipoco mais salgado || pó dos livros || poesia || poesia & lda. || poetry café || ponto media || poros || porto (.) ponto || postcard blues [off] || post secret || p.q.p. bach || pura coincidência || quadripolaridades || quarta república || quarto interior || quatro caminhos || quintas de leitura || rua da judiaria || saídos da concha || são mamede - cae de guimarães || sem compromisso || semicírculo || sem pénis nem inveja || sem-se-ver || sound + vision || teatro anatómico || the ballad of the broken birdie || the sartorialist || theoria poiesis praxis || theatro circo || there's only 1 alice || torreão sul || ultraperiférico || um amor atrevido || um blog sobre kleist || um voo cego a nada || vida breve || vidro duplo || vodka 7 || vontade indómita || voz do deserto || we'll always have paris || zarp.blog

cultura e lazer

agenda cultural de braga || agenda cultura de évora || agenda cultural de lisboa || agenda cultural do porto || agenda cultural do ministério da cultura || agenda cultural da universidade de coimbra || agenda de concertos - epilepsia emocional || amo.te || biblioteca nacional || CAE figueira da foz || café guarany || café majestic || café teatro real feitorya || caixa de fantasia || casa agrícola || casa das artes de vila nova de famalicão || casa da música || centro cultural de belém || centro nacional de cultura || centro português de fotografia || cinecartaz || cinema 2000 || cinema passos manuel || cinema português || cinemas medeia || cinemateca portuguesa || clube de leituras || clube literário do porto || clube português artes e ideias || coliseu do porto || coliseu dos recreios || companhia nacional de bailado || culturgest || culturgest porto || culturporto [rivoli] || culturweb || delegação regional da cultura do alentejo || delegação regional da cultura do algarve || delegação regional da cultura do centro || delegação regional da cultura do norte || e-cultura || egeac || era uma vez no porto || europarque || fábrica de conteúdos || fonoteca || fundação calouste gulbenkian || fundação de serralves || fundação engenheiro antónio almeida || fundação mário soares || galeria zé dos bois || hard club || instituto das artes || instituto do cinema, audiovisual e multimédia || instituto português da fotografia || instituto português do livro e da biblioteca || maus hábitos || mercado das artes || mercado negro || museu nacional soares dos reis || o porto cool || plano b || porto XXI || rede cultural || santiago alquimista || são mamede - centro de artes e espectáculos de guimarães || sapo cultura || serviço de música da fundação calouste gulbenkian || teatro académico gil vicente || teatro aveirense || teatro do campo alegre || theatro circo || teatro helena sá e costa || teatro municipal da guarda || teatro nacional de são carlos || teatro nacional de são joão || teatropólis || ticketline || trintaeum. café concerto rivoli

leituras e informação

365 [revista] || a cabra - jornal universitário de coimbra || a oficina [centro cultural vila flor - guimarães] || a phala || afrodite [editora] || águas furtadas [revista] || angelus novus [editora] || arquitectura viva || arte capital || assírio & alvim [editora] || associação guilhermina suggia || attitude [revista] || blitz [revista] || bodyspace || book covers || cadernos de tipografia || cosmorama [editora] || courrier international [jornal] || criatura revista] || crí­tica || diário de notícias [jornal] || el paí­s [jornal] || el mundo [jornal] || entre o vivo, o não-vivo e o morto || escaparate || eurozine || expresso [jornal] || frenesi [editora] || goldberg magazine [revista] || granta [revista] || guardian unlimited [jornal] || guimarães editores [editora] || jazz.pt || jornal de negócios [jornal] || jornal de notí­cias [jornal] || jusjornal [jornal] || kapa [revista] || la insignia || le cool [revista] || le monde diplomatique [jornal] || memorandum || minguante [revista] || mondo bizarre || mundo universitário [jornal] || os meus livros || nada || objecto cardí­aco [editora] || pc guia [revista] || pnethomem || pnetmulher || poets [AoAP] || premiere [revista] || prisma.com [revista] || público pt [jornal] || público es [jornal] || revista atlântica de cultura ibero-americana [revista] || rezo.net || rolling stone [revista] || rua larga [revista] || sol [jornal] || storm magazine [revista] || time europe [revista] || trama [editora] || TSF [rádio] || vanity fair [revista] || visão [revista]

direitos de autor dos textos

Os direitos de autor dos textos publicados neste blogue, com excepção das citações com autoria devidamente identificada, pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução, ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

direitos de autor das imagens

Os direitos de autor de todas as imagens publicadas neste blogue cuja autoria ou fonte não sejam identificadas como pertencendo a outras pessoas ou entidades pertencem a © 2008-2019 Marta Madalena Botelho. É proibida a sua reprodução ainda que com referência à autoria. Todos os direitos reservados.

algumas notas importantes sobre os direitos de autor

» O âmbito do direito de autor e os direitos conexos incidem a sua protecção sobre duas realidades: a tutela das obras e o reconhecimento dos respectivos direitos aos seus autores.
» O direito de autor protege as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
» Obras originais são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação ou objecto.
» Uma obra encontra-se protegida, logo que é criada e fixada sob qualquer tipo de forma tangível de modo directo ou com a ajuda de uma máquina.
» A protecção das obras não está sujeita a formalização alguma. O direito de autor constitui-se pelo simples facto da criação, independentemente da sua divulgação, publicação, utilização ou registo.
» O titular da obra é, salvo estipulação em contrário, o seu criador.
» A obra não depende do conhecimento pelo público. Ela existe independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, apenas se lhe impondo, para beneficiar de protecção, que seja exteriorizada sob qualquer modo.
» O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.