11.3.11

à tona

Uma vez, alguém me disse que fazer o que o meu coração me pedisse, deixar-me guiar pela minha intuição, fazer o que sentisse dentro de mim que deveria ser feito, seria a única forma de me aproximar mais de mim mesma, de ser quem realmente sou. As palavras não foram todas estas - foram, aliás, foram muito menos -, mas o sentido foi todo este.

Há quem diga que quem age assim, quem pauta a vida por estes parâmetros são os sôfregos, os impulsivos, os que reflectem pouco. A mim parece-me que é justamente o contrário. Ter a capacidade de agir de acordo com o que cada um de nós precisa é a única forma de sermos autênticos, é a única forma como deveríamos ser.

Há um tempo para tudo: para nos entristecermos, para nos contorcermos de dor (daquela que rasga o peito e dificulta a respiração), para sermos surpreendidos, para nos zangarmos a valer, para nos sentirmos magoados (às vezes mesmo feridos, a sangrar por dentro, moribundos), para nos sentirmos desiludidos, para nos sentirmos desolados, para voltarmos a entristecer-nos, enfim, há um tempo para todas as etapas que os acontecimentos inesperados, improváveis, inimagináveis e dolorosos nos causam.

Felizmente para nós e para o Universo, este tempo também tem um fim. Cada tempo destes tem uma duração diferente dentro de cada um de nós, porque cada um de nós tem o seu tempo interior, que é único, porque depende de muitas coisas que não são lineares em todos os seres humanos.

Por isso mesmo, a mesma pessoa disse-me, também, que o importante - mas difícil - é perceber quando esse fim chegou e, quando tal acontecer, não deixar passar isto em branco. Disse-me, concretamente, «quando sentires que esse tempo chegou, não o deixes passar-te ao lado». Não devemos, com efeito, deixá-lo passar-nos ao lado, pois será a nossa vida que estará a passar-nos ao lado. E o que fazer, então? O que fazer quando sentimos que muitas das coisas que nos deixaram em verdadeiro turbilhão hoje já não nos deixam assim, que o nosso coração ficou mais limpo, mais leve, mais sereno, ainda que à custa de muito termos sofrido?

Julgo que não há uma resposta universal, que se aplique a toda a gente, nem sequer a todas as circunstâncias, mas que há algumas coisas que podem facilitar a vida de toda a gente. E porque assim é, creio que o que podemos fazer é deixar-nos guiar pela intuição, deixar-nos conduzir pelo que as nossas vozes interiores nos dizem e fazer a nossa parte para que o mundo fique um bocadinho menos pesado por causa das nossas angústias. Obviamente, cada um à sua maneira, cada um com os seus sinais próprios, com os seus gestos característicos.

Só assim vamos ficando mais próximos de nós e do nosso carácter, que é, no fundo, aquilo que é desejável que aconteça quando os terramotos passam: que tudo o que, de nós, havia de bom subsista. O preço de não o fazermos pode ser excessivamente penoso ou mesmo impossível de suportar: podemos perder-nos de nós mesmos, ficar enredados na apatia e nunca recuperar o que às vezes ainda é recuperável (porque há coisas que nunca se recuperam e compreendê-lo é igualmente imprescindível).

A sensação assemelha-se um pouco a uma vinda à tona depois de um mergulho profundo. A opção pode ser ficar a boiar, ao sabor das marés, ou nadar até um porto seguro e começar a nossa autoreconstrução. Provavelmente, daremos por nós bastante mudados em alguns aspectos, mas também reencontraremos a nossa essência, se tivermos a ousadia de olhar para dentro e se não tivermos permitido que a dor nos tornasse em pessoas amargas, o que às vezes é uma tentação enorme, porque é uma via fácil.

Então, não seremos impulsivos, mas genuínos; não seremos tontos, mas ponderados; não seremos inconscientes, mas corajosos. Em suma, teremos crescido (ainda que à lei da bala) e teremos ganho a capacidade de sermos autênticos.

Ser autêntico implica arriscar, que é o mesmo que dizer que implica agir, sem antecipar nem o acolhimento, nem as consequências que os nossos gestos terão nos outros, porque não é isso que deve presidir às nossas tomadas de decisão sobre os nossos actos. Se os houvermos tomado por nós, a partir de nós e para nós, eles terão sempre, sempre sentido, tal como terão sempre, sempre valido a pena.

[Escrevi este texto em 07.11.2010. Podia tê-lo escrito hoje outra vez.]

© [m.m. botelho]

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