Não sei muito bem o que pensar das pessoas que atiram para as costas do "Tempo" aquilo que elas mesmas não são capazes de fazer. Dizer que são cobardes ou apáticas, que ficam à espera que o "Destino" ou outra coisa qualquer resolva os seus problemas em vez de "pegarem o touro pelos cornos", dizer que se iludem ao julgar toda a gente pela mesma bitola e ao achar que todos vão acabar por ceder perante certos cenários é já, provavelmente, pensar muito sobre pessoas assim.
Cada um engana-se da maneira que quer e há quem opte por se enganar repetindo que "o Tempo cura tudo", "resolve tudo", "faz esquecer tudo" e quejandos. E depois há uma meia dúzia de tipos, como eu, que sabem que o Tempo não faz nada a não ser revelar a verdadeira essência das pessoas e a falta de ovários ou tintins que as mesmas têm para resolver as coisas ou admitir que as coisas não têm outra resolução senão a que se cristalizou. Já escrevi bastante sobre isso por aqui [eu lembro-me].
As palavras têm um preço muito caro, por isso mesmo é que já os romanos, que não eram parvos, diziam: «se pensares não digas, se disseres não escrevas, se escreveres não assines». Não é de estranhar, portanto, que a maior parte das pessoas opte por nada fazer e prefira "deixar o Tempo correr". O Silêncio é muito mais cómodo do que a Palavra, já percebemos. Só uns quantos doidos varridos é que arriscam sentir, pensar, escrever e assinar. Os outros ficam à espera que o Tempo passe e algo aconteça, porque nunca se sabe: um casamento, um funeral, uma noite de copos e, de repente, a "malta vê-se por aí" e está tudo resolvido, "tão amigos que nós somos".
Pela minha parte, assumo inteiramente que [já] não espero nada de ninguém, mas muito menos espero de quem prometeu vir "um dia" ["quem sabe, talvez, não é?"]: a minha "cegueira emocional" já passou. Agora, só há uma grande consciência da fragilidade e da incapacidade do ser humano, a começar por mim mesma, às vezes. Não tenho ídolos, mas se os tivesse, teriam todos, sem excepção que confirmasse a regra, pés de barro. Seriam todos muito respeitavelmente humanos porque, como proclamou Nietzsche, "Deus está morto".
«Toda a gente tem um preço», diz-se, tal como se diz «quando não os podes vencer, junta-te a eles». É por isso que há quem se venda a troco de engolir uns valentes sapos e se renda por causa do amor [isto dava um refrão de uma canção], perante a insistência alheia ou outra treta qualquer. Por exemplo, há quem faça cair o Carmo e a Trindade num ano por causa da festa e no ano seguinte se junte à festa. Pode parecer mentira, mas afianço que é verdade, apesar de não vir sequer no «Borda d'Água».
Chamam a isso "Mudança" e pintam a coisa de dourado, para os mais distraídos pensarem que é coisa boa. Eu, porém, prefiro chamar os bois pelos nomes: não é "mudança", é "conformismo". Não, também não é "magnanimidade", "capacidade de perdoar", "excepcionalidade" ou o raio. Repito: é "conformismo", é a mais banal e despida evidência do célebre «se não podes vencê-los, junta-te a eles». É "resignação".
Felizmente para mim e para o resto do Mundo, eu não tenho pretensões de criar doutrina interpretativa de aplicação universal e gratuita daquilo que os outros fazem ou não fazem, dizem ou não dizem, escolhem ou recusam. Eu limito-me a chegar às minhas conclusões e a aplicá-las a mim e ao que me rodeia, à minha vida e ao que me acontece. Nesta matéria, eu chego-me.
Quanto aos doutrinadores paternalistas, que sejam muito felizes, mas não me impinjam a sua banha da cobra, por favor. Guardem-na lá para si mesmos, para justificarem perante si próprios as suas atitudes e a sua inépcia, porque deve ser um tanto ou quanto difícil olhar para o espelho e dar de caras com a contradição [perdão, "mudança", "mudança"!] em forma de gente. Se satisfaz, se conforta, digam lá que foi tudo obra do "Tempo" e da "Mudança" e, com um bocadinho de empenho, olhem para quem escolheu não entrar nas mesmas salgalhadas que deixam qualquer um de boca escancarada e digam que é muito intransigente, maluco, limitado, imaturo, rígido ou outra coisa qualquer [digam, escrevam e assinem e, de preferência, remetam para o endereço do dito cujo: assim a criatura ficar a saber exactamente o que V. Exas. pensam dela].
Bom a valer é que as pessoas não esperem ser tidas em grande conta quando optam, como os putos por fazerem fugas para a frente. É bom que as pessoas estejam conscientes de que nem todos são assim tão fáceis de levar, de que nem todos se deixam fascinar por frases feitas ouvidas a outrem e repetidas em estilo "disco-riscado" sem sequer raciocinar. Alguns de nós desconstroem o que lhes acontece e o que vivem, tal como desconstroem os comportamentos alheios em relação a si e aos outros.
É facto assente: alguns de nós sabem que "deixar passar o tempo" pode ser bem diferente de "não vou fazer nada e sempre pode ser que o Sol amanhã nasça quadrado". Alguns de nós sabem que "mudar" é sempre diferente de "resignar-se". Acima de tudo, alguns de nós têm memória e lembram-se do que ouviram dizer sobre outras pessoas que nada faziam a não ser dizer que iam "esperar pelo Tempo certo" [porque não eram capazes de mais, não era?]. E ainda há os que, a somar a isto tudo, de estúpidos não têm rigorosamente nada [estes são, provavelmente, os piores].
Pode ser uma chatice que um dia alguém tenha tido o azar de uma pessoa assim, com estas características irritantes, se ter cruzado consigo e, apesar dos seus múltiplos esforços para que a dita pessoa se tivesse "burrificado", a mesma não ter ficado tão burra quanto dava jeito que tivesse ficado, mas, graças a Deus, não há nenhuma obrigação de a aturar [garanto que não vem na Bíblia] e sempre a pessoa com azar pode mandar a outra dar uma curva [uma qualquer serve, nem sequer precisa de ser a nossa curva favorita]. Com efeito, mandar alguém "dar uma curva" também pode ser um dos significados de "deixar que o Tempo ou outra coisa qualquer nos reaproxime". Claro que sim: diziam que o D. Sebastião também haveria de voltar numa manhã de nevoeiro.
Como facilmente se conclui, se se escolher essa via, a vida oferece sempre uma forma de "arrumarmos" com as coisas que nos maçam ou podem vir a maçar-nos. A vida oferece sempre a faculdade de justificação de tudo e mais alguma coisa [assim queiram os outros acreditar nos motivos invocados]. A vida oferece sempre a possibilidade de dizer que nós não tivemos responsabilidade nenhuma nos acontecimentos, que foi a "Mudança" [nossa e dos outros] que provocou tudo, mesmo quando os acontecimentos não são mais do que simples produto das nossas escolhas [mais ou menos] conscientes.
Assim sendo, que ninguém se apoquente, que ninguém se apresse, que ninguém deixe de gozar todos os benefícios [serão mesmo?] da doce passagem do "Tempo" e da "Mudança": é indesmentível que a vida oferece sempre a possibilidade de deixar tudo, absolutamente tudo e todos, ao leve sabor do T(v)em(n)p(t)o.
[Nota: o título deste texto é um excerto de uma canção dos Xutos & Pontapés. Existe, obviamente, uma razão de ser para ter sido escolhido.]
Assina: © [m.m. botelho]
Cada um engana-se da maneira que quer e há quem opte por se enganar repetindo que "o Tempo cura tudo", "resolve tudo", "faz esquecer tudo" e quejandos. E depois há uma meia dúzia de tipos, como eu, que sabem que o Tempo não faz nada a não ser revelar a verdadeira essência das pessoas e a falta de ovários ou tintins que as mesmas têm para resolver as coisas ou admitir que as coisas não têm outra resolução senão a que se cristalizou. Já escrevi bastante sobre isso por aqui [eu lembro-me].
As palavras têm um preço muito caro, por isso mesmo é que já os romanos, que não eram parvos, diziam: «se pensares não digas, se disseres não escrevas, se escreveres não assines». Não é de estranhar, portanto, que a maior parte das pessoas opte por nada fazer e prefira "deixar o Tempo correr". O Silêncio é muito mais cómodo do que a Palavra, já percebemos. Só uns quantos doidos varridos é que arriscam sentir, pensar, escrever e assinar. Os outros ficam à espera que o Tempo passe e algo aconteça, porque nunca se sabe: um casamento, um funeral, uma noite de copos e, de repente, a "malta vê-se por aí" e está tudo resolvido, "tão amigos que nós somos".
Pela minha parte, assumo inteiramente que [já] não espero nada de ninguém, mas muito menos espero de quem prometeu vir "um dia" ["quem sabe, talvez, não é?"]: a minha "cegueira emocional" já passou. Agora, só há uma grande consciência da fragilidade e da incapacidade do ser humano, a começar por mim mesma, às vezes. Não tenho ídolos, mas se os tivesse, teriam todos, sem excepção que confirmasse a regra, pés de barro. Seriam todos muito respeitavelmente humanos porque, como proclamou Nietzsche, "Deus está morto".
«Toda a gente tem um preço», diz-se, tal como se diz «quando não os podes vencer, junta-te a eles». É por isso que há quem se venda a troco de engolir uns valentes sapos e se renda por causa do amor [isto dava um refrão de uma canção], perante a insistência alheia ou outra treta qualquer. Por exemplo, há quem faça cair o Carmo e a Trindade num ano por causa da festa e no ano seguinte se junte à festa. Pode parecer mentira, mas afianço que é verdade, apesar de não vir sequer no «Borda d'Água».
Chamam a isso "Mudança" e pintam a coisa de dourado, para os mais distraídos pensarem que é coisa boa. Eu, porém, prefiro chamar os bois pelos nomes: não é "mudança", é "conformismo". Não, também não é "magnanimidade", "capacidade de perdoar", "excepcionalidade" ou o raio. Repito: é "conformismo", é a mais banal e despida evidência do célebre «se não podes vencê-los, junta-te a eles». É "resignação".
Felizmente para mim e para o resto do Mundo, eu não tenho pretensões de criar doutrina interpretativa de aplicação universal e gratuita daquilo que os outros fazem ou não fazem, dizem ou não dizem, escolhem ou recusam. Eu limito-me a chegar às minhas conclusões e a aplicá-las a mim e ao que me rodeia, à minha vida e ao que me acontece. Nesta matéria, eu chego-me.
Quanto aos doutrinadores paternalistas, que sejam muito felizes, mas não me impinjam a sua banha da cobra, por favor. Guardem-na lá para si mesmos, para justificarem perante si próprios as suas atitudes e a sua inépcia, porque deve ser um tanto ou quanto difícil olhar para o espelho e dar de caras com a contradição [perdão, "mudança", "mudança"!] em forma de gente. Se satisfaz, se conforta, digam lá que foi tudo obra do "Tempo" e da "Mudança" e, com um bocadinho de empenho, olhem para quem escolheu não entrar nas mesmas salgalhadas que deixam qualquer um de boca escancarada e digam que é muito intransigente, maluco, limitado, imaturo, rígido ou outra coisa qualquer [digam, escrevam e assinem e, de preferência, remetam para o endereço do dito cujo: assim a criatura ficar a saber exactamente o que V. Exas. pensam dela].
Bom a valer é que as pessoas não esperem ser tidas em grande conta quando optam, como os putos por fazerem fugas para a frente. É bom que as pessoas estejam conscientes de que nem todos são assim tão fáceis de levar, de que nem todos se deixam fascinar por frases feitas ouvidas a outrem e repetidas em estilo "disco-riscado" sem sequer raciocinar. Alguns de nós desconstroem o que lhes acontece e o que vivem, tal como desconstroem os comportamentos alheios em relação a si e aos outros.
É facto assente: alguns de nós sabem que "deixar passar o tempo" pode ser bem diferente de "não vou fazer nada e sempre pode ser que o Sol amanhã nasça quadrado". Alguns de nós sabem que "mudar" é sempre diferente de "resignar-se". Acima de tudo, alguns de nós têm memória e lembram-se do que ouviram dizer sobre outras pessoas que nada faziam a não ser dizer que iam "esperar pelo Tempo certo" [porque não eram capazes de mais, não era?]. E ainda há os que, a somar a isto tudo, de estúpidos não têm rigorosamente nada [estes são, provavelmente, os piores].
Pode ser uma chatice que um dia alguém tenha tido o azar de uma pessoa assim, com estas características irritantes, se ter cruzado consigo e, apesar dos seus múltiplos esforços para que a dita pessoa se tivesse "burrificado", a mesma não ter ficado tão burra quanto dava jeito que tivesse ficado, mas, graças a Deus, não há nenhuma obrigação de a aturar [garanto que não vem na Bíblia] e sempre a pessoa com azar pode mandar a outra dar uma curva [uma qualquer serve, nem sequer precisa de ser a nossa curva favorita]. Com efeito, mandar alguém "dar uma curva" também pode ser um dos significados de "deixar que o Tempo ou outra coisa qualquer nos reaproxime". Claro que sim: diziam que o D. Sebastião também haveria de voltar numa manhã de nevoeiro.
Como facilmente se conclui, se se escolher essa via, a vida oferece sempre uma forma de "arrumarmos" com as coisas que nos maçam ou podem vir a maçar-nos. A vida oferece sempre a faculdade de justificação de tudo e mais alguma coisa [assim queiram os outros acreditar nos motivos invocados]. A vida oferece sempre a possibilidade de dizer que nós não tivemos responsabilidade nenhuma nos acontecimentos, que foi a "Mudança" [nossa e dos outros] que provocou tudo, mesmo quando os acontecimentos não são mais do que simples produto das nossas escolhas [mais ou menos] conscientes.
Assim sendo, que ninguém se apoquente, que ninguém se apresse, que ninguém deixe de gozar todos os benefícios [serão mesmo?] da doce passagem do "Tempo" e da "Mudança": é indesmentível que a vida oferece sempre a possibilidade de deixar tudo, absolutamente tudo e todos, ao leve sabor do T(v)em(n)p(t)o.
[Nota: o título deste texto é um excerto de uma canção dos Xutos & Pontapés. Existe, obviamente, uma razão de ser para ter sido escolhido.]
Assina: © [m.m. botelho]