20.2.14

é tudo adopção, mas não é tudo a mesma coisa

Parece bastante óbvia a razão da escolha do termo "co-adopção" para designar a realidade sobre a qual se pretende legislar em casais de pessoas do mesmo sexo. Não se trata de "adopção" pura e simples, uma vez que o vínculo jurídico que se pretende regular é aquele que só surge na sequência de uma adopção singular ou uma maternidade ou paternidade biológicas pré-existente em relação a um dos membros do casal. Esse vínculo biológico pré-existente com um dos membros do casal, mais a circunstância de haver um casamento ou uma união de facto, serão sempre requisitos obrigatórios para que o membro do casal com quem o menor não tem vínculo de filiação possa "co-adoptar".
Não é juridicamente correcto, por isso, falar em mera "adopção", pois trata-se de realidades distintas. É necessário destrinçar esta realidade como se distingue "adopção singular" e "adopção conjunta", ou seja, a adopção feita por apenas uma pessoa (adopção singular) ou pelos dois membros de um casal em simultâneo (adopção conjunta). Na "co-adopção" há, repito, um vínculo de filiação prévio com um dos membros do casal e será esta característica a marcar a diferença em relação às outras modalidades de adopção.
Parece bastante óbvia a razão da escolha do termo "co-adopção", dizia eu, mas isso não significa que o melhor termo seja, de facto, "co-adopção", palavra com a qual, de resto, sempre embirrei um bocadinho. Não gosto do termo, mas compreendo a necessidade da sua distintiva existência e, por isso, acabei por aceitá-lo, até porque apesar de impróprio, é sempre preferível à mera designação "adopção".
No acórdão n.º 176/2014, divulgado hoje, em que se pronuncia sobre as questões que o PSD propôs integrarem o referendo sobre a questão, o Tribunal Constitucional debruça-se sobre o rigor da terminologia, tão indispensável ao discurso jurídico, e opta por uma designação que subscrevo e julgo ser preferível à de "co-adopção". Fala o acórdão em "adopção sucessiva" (expressão já usada pela doutrina para se referir à adopção do filho do cônjuge prevista no art. 13.º do Regime Jurídico da Adopção). Lê-se, a dado passo, no citado acórdão do TC:
«É evidente que, no âmbito do instituto da adoção, coadoção e adoção conjunta são conceitos distintos. A lei civil faz a distinção entre adoção conjunta e adoção singular, conforme for feita por um casal (por duas pessoas casadas ou que vivam em união de facto) ou por uma só pessoa, casada ou não casada (cfr. artigo 1979.º). Mas a definição de coadoção não resulta da lei, até porque se exclui a possibilidade de em relação ao mesmo adotado coexistirem duas relações de paternidade ou maternidade adotiva (artigo 1975.º). Apenas se permite que um casado ou unido de facto de sexo diferente possa adotar (adoção singular) o filho biológico ou adotivo do seu cônjuge (n.ºs 2 e 5 do artigo 1979.º). Em rigor, coadoção parece ser um conceito inadequado para significar, quer a adoção do filho biológico do cônjuge ou unido de facto, quer a adoção do seu filho adotivo, pois se este já foi adotado, o melhor termo para representar tal realidade parece ser a adoção sucessiva» [s.n.o.].

Seria bom, pois, que o termo "co-adopção" fosse substituído nos discursos pela designação "adopção sucessiva", já que esta permite identificar a realidade diferente a que se refere e é mais rigorosa.

[Imagino que um grande número de pessoas a quem estas precisões técnicas não diga muito ache que é tudo adopção e ponto final!, que as distinções terminológicas são dispensáveis, que só servem para complicar, "nhénhénhé", mas para tipos como eu o Direito é belo também por causa destas suas características, deste seu discurso ímpar, deste constante apelo a fazer pensar. Para tipos como eu há uma ligeiríssima comoção sempre que as peças do puzzle se encaixam um pouco melhor, o mato é desbravado, as linhas ficam mais rectas. No fundo, uma satisfação indizível quando no Direito algo se concretiza, se compreende, se densifica.]

© [m.m. botelho]

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