25.11.11

os mortos não jogam às cartas

A Senhora que me apelidou de "lasca" foi ontem a sepultar. Não é que não soubessemos todos que estava muito doente há algum tempo e que o desfecho não fosse previsível, mas uma morte é sempre o que é: uma perda irrecuperável, onde, como cantam os «Xutos & Pontapés», "não há tempo".

A família desta Senhora tem o seu jazigo-capela construído ao lado do jazigo-capela da minha família. O meu Avô costumava brincar com o marido dela e dizer que, quando morressem ambos, visto serem "vizinhos", sempre poderiam entreter-se e jogar às cartas.

Não sei se a Senhora D. M. saberá jogar às cartas. Todavia, como herdei do meu Avô esta mania de brincar com tudo, até com a morte, ontem disse à minha Mãe que, pelo sim, pelo não, o melhor era hoje levar para o nosso jazigo-capela um baralho de cartas.

Claro que o que o meu Avô dizia era um disparate, porque os mortos não jogam às cartas, mas tanto a minha Mãe como a minha Avó, que estava a ouvir a conversa, se lembraram imediatamente do que o meu Avô costumava dizer e sorriram.

É por isso que, da próxima vez que eu for ao cemitério, me vou abeirar do jazigo-capela da família da Senhora D. M. e dizer, em voz baixa, junto à grande porta de vidro: «Olá, D. M.. Aqui estou eu, a "lasca"! Vim visitá-la.», piscando o olho na sua direcção. Quem sabe a D. M., onde quer que esteja, não sorri também? Pelo sim, pelo não.

© [m.m. botelho]

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